Natural do Acre, 36 anos, biólogo, Vanderson Brito faz trabalhos de educação popular indígena, voltado para preservação do meio ambiente. A sua vida virou de cabeça para baixo após o seu nome e a sua foto serem divulgados pela Globo na lista dos participantes do “BBB19”. Mas não por bons motivos.
Ainda no pré-confinamento, uma ex-namorada acusou Vanderson de agressão física e psicológica. Após o início do programa, outros boletins de ocorrência foram registrados, com acusações de importunação sexual, estupro e violência doméstica.
A Globo promoveu logo na primeira semana um “superparedão”, inédito, com 14 participantes. Muita gente imaginou que Vanderson seria eliminado por causa da repercussão das acusações, mas o menos votado foi o artista plástico Vinicius. O acriano foi o segundo menos votado.
No dia seguinte, porém, ele foi desclassificado. Uma delegada da Polícia do Rio foi ao Projac e exigiu intimá-lo a prestar depoimento. Por ter “contato com o mundo exterior”, a Globo o tirou do programa.
De volta ao Acre, nos oito meses seguintes, Vanderson buscou se defender das acusações. Em agosto, o UOL registrou que todas as denúncias contra ele foram arquivadas por falta de provas.
Um ano depois de entrar no “BBB19”, agora em janeiro, ele se prepara para cobrar o que julga ser o prejuízo causado pelas denúncias que o tiraram do reality show da Globo. Serão 19 ações de indenização, material e moral, buscando reparação de danos.
Os seus advogados, Roberto Barreto de Almeida e Renato Cruz, identificaram 16 usuários de redes sociais no Acre, Rio e São Paulo, entre outros lugares, que ofenderam o participante e/ou compartilharam um vídeo que identificava falsamente Vanderson em uma cena de violência.
O ex-BBB também vai processar o dono do canal no You Tube que divulgou este vídeo. Ele se prepara, ainda, para acionar o Estado do Rio, numa ação que visa a delegada de Polícia que o intimou. “Não havia urgência”, dizem os seus advogados. “Ela poderia ter esperado até ele sair do programa”. Por fim, um veículo de comunicação também será alvo de ação judicial (eles não revelam qual).
Em dezembro do ano passado, entrevistei Vanderson para o documentário “O Lado B do BBB”. Ele ainda não tinha se decidido pelas ações indenizatórias. Mas disse: “O tribunal da internet me sentenciou”. A entrevista acabou não entrando no documentário por problemas técnicos. Trechos estão reproduzidos no vídeo acima. E abaixo, segue a transcrição da nossa conversa. Vale muito a leitura.
Ainda no confinamento
Quando saíram os nomes, surgiram acusações nas redes sociais. Uma pessoa me acusou de agressão. Outras pessoas, amigas desta, começaram a fazer denúncias de assédio e agressão. Depois que o programa começou, foram feitas acusações formais em Rio Branco.
Primeiro paredão
Pela primeira vez na história do Big Brother, houve um paredão com a participação de todos para votação popular. Mesmo com as acusações já sendo feitas há semanas, desde o pré-confinamento, eu não fui retirado. O público não quis que eu saísse ainda. Acredito (que a intenção do paredão era que eu saísse). Não havia possibilidade de eu ir pro paredão por indicação dos colegas. Uma possibilidade de formalizar essa saída, sem criar problemas, ou conflitos, seria um paredão. Fiquei muito grato por não ter saído pela votação popular.
Polícia no BBB
No dia seguinte, como não aconteceu essa saída, uma delegada do Rio, com uma precatória do Acre, foi ao Projac levar uma intimação para eu ser ouvido. Lembrando que não havia nenhum tipo de processo contra mim. Foram abertos inquéritos.
Desclassificado, não expulso
A delegada foi entregar o documento para que eu fosse ouvido. A produção da emissora propôs deixar um espaço para que a delegada me ouvisse lá dentro, como foi feito em edições anteriores. Houve uma edição que foi feito exame de corpo de delito dentro do próprio programa. A delegada recusou essa possibilidade. E como ela insistiu que eu saísse para receber este documento, foi pessoalmente me entregar, a produção avisou que se eu saísse estaria descumprindo uma regra do nosso contrato, que era ter contato com o mundo exterior. Fui desclassificado, não expulso, por descumprir essa regra.
Tribunal da internet
Fiquei embasbacado. Não conhecia pessoas que estavam me acusando. A emissora me deu todo o suporte. A recepção aqui foi muito tranquila. Diferente dos ataques na internet. A internet te condena em minutos. O Twitter serve pra isso. O Tribunal da internert já tinha me sentenciado.
Ameaças de morte
No início foi assustador. Não sou um cara muito ativo em redes sociais. De repente, ter milhares de pessoas que nunca me viram na vida, me viram por uma telinha por alguns dias, e já achavam que sabiam tudo da minha vida e podiam falar o que quisessem. Isso afetou a minha família, meu trabalho. Foi bem complicado. Li tudo, de ameaças de morte a coraçõeszinhos.
As três acusações
Foram feitas três acusações. Sai do BBB numa quarta. No dia seguinte fui na delegacia. Tinha uma acusação gravíssima de estupro por uma pessoa que nunca tive qualquer tipo de relação. A delegada disse que aquele inquérito já estava arquivado. Eu saí do BBB por causa de uma acusação que já estava arquivada. Porque não havia provas, nenhuma mensagem. Foi feito corpo de delito e não tinha nada. Depoimento contraditório. Pessoa com a qual não tinha nenhum contato.
Houve uma segunda acusação, de importunação. Também não havia provas, eu não tinha vínculos com ela. E também foi arquivado imediatamente. Uma última acusação, de agressão, demorou um pouco mais até eu ser ouvido. Não é uma ex-namorada. É uma moça com quem eu tive um relacionamento de uma semana, no máximo 10 dias. Quando eu fui ouvido, também foi arquivado porque não tinha provas, testemunhas, de que tinha acontecido.
O lado B do BBB
Se eu não tivesse participado do BBB, tenho certeza absoluta que essas coisas não teriam acontecido. Desculpe a palavra, mas não consigo definir de outra forma que como oportunismo. Todas as acusações se referiam a coisas que teriam acontecido há mais de dois anos. Nesses dois anos, ninguém nunca me acusou de nada. Não tenho histórico. Até hoje me pergunto por que isso aconteceu.
Por que foi ao BBB
Aceitei o convite para me inscrever no BBB. Achei que era uma oportunidade de mostrar o Estado do Acre e o trabalho que desenvolvo, de educação popular indígena e voltado para preservação do meio ambiente. Falar das bandeiras que eu carrego, os povos da floresta.
Voltaria ao BBB?
Faria de novo. Foi um ano bem conturbado, mas nunca aprendi tanto. Eu não tinha como conhecer as pessoas como eu conheço hoje. Foi complicado, profissionalmente. Me preservei até o dia em que tive essas decisões a meu favor. O saldo é positivo. Foram coisas que tentaram fazer. 2019 foi um ano para eu me restabelecer, colocar os pés no chão de novo. Para em 2020 eu fazer realmente o que eu tenho que fazer.
Foram coisas bem pesadas que aconteceram, mas o retorno foi bem legal. Minha família ficou mais unida do que nunca. Encontrei minha companheira. Assumi um trabalho que vai me permitir desenvolver o que eu quero.
Sem dúvida, participaria do BBB de novo. Mais maduro. Hoje tenho uma noção melhor de internet.
Movimento “Me too”
O “Me too” é um movimento extremamente válido e necessário, mas infelizmente pessoas usam de bandeiras para fins pessoais. Conversei com líderes de movimentos feministas, líderes de movimentos sociais, que falaram que este tipo de situação enfraquece, tira a credibilidade do movimento. Mover a polícia e a Justiça por uma vingança pessoal ou mentiras, pessoas que realmente precisariam estar sendo atendidas, não estão. Você gasta tempo e dinheiro do Judiciário, da policia, com uma mentira.
Os espaços de ataque (na mídia) foram enormes, dias e dias. Quando saíram as decisões a meu favor, o espaço foi mínimo. Que as pessoas ouçam de mim o que acontece. é uma oportunidade de estar voltando.