Testemunha histórica e monumento que representa um pouco do que foi o mundo fausto do apogeu da borracha na Amazônia, o “Teatro José Potyguara”, uma construção mista em madeira e alvenaria no centro de Tarauacá, interior do Acre, que completa 87 anos da realização de seu primeiro espetáculo no local nesta quarta-feira (29), mais parece uma casa mal assombrado e cenário típico para encenação como a peça “O Fantasma da Ópera”.
No romance francês de ficção gótica, escrito por Gaston Leroux, em 1910, inspirado em fatos históricos da Ópera de Paris durante o século XIX, é contada a história da cantora de ópera, Christine Daaé, que triunfa na noite de gala da aposentadoria dos antigos gestores da Ópera de Paris. Seu velho amigo de infância, Raoul, ouve-a cantar e recorda do seu amor por Christine. Neste momento, existem rumores de que a Ópera está assombrada por um fantasma e este é conhecido pelos gestores através de cartas e atos maléficos. Algum tempo depois da gala, a Ópera de Paris, com Carlotta interpretando o papel principal, contra a vontade do Fantasma. Durante a performance, Carlotta perde a voz e um grande lustre cai sobre a plateia. Tragédia total.
Fundado em 1933 pelo então promotor de Justiça de Vila Seabra, o povoado que deu inicio à formação da cidade de Tarauacá, José Potyguara, posteriormente um romancista famoso por livros como “Terra Caída” e ‘Vidas Marcadas”, todos tendo os seringais do Acre como cenário, o imponente teatro e que era a imagem do luxo da época está mais para um cenário de terror. Além de Potyguara, o teatro teve em seu início a participação ativa do maestro Mozart Donizetti, autor da música do Hino Acreano. O Hino foi composto, no dia 5 de outubro de 1903, no Seringal Capatará, situado acima do Igarapé Distração, próximo do que viria a ser a cidade de Rio Branco, em um acampamento onde Plácido de Castro estabelecera o Quartel-General do seu exército, pelo médico e poeta baiano Francisco Cavalcante Mangabeira, então com 25 anos de idade, que prestava atendimento à tropa. A música, por sua vez, foi criada duas décadas depois pelo maestro amazonense Mozart Donizeti, que conhecia perfeitamente a realidade e historicidade da região, pois residira nas cidades de Tarauacá e Cruzeiro do Sul. Mas, como que para completar o cenário de terror, o autor dos belos acordes que deram vida à letra do hino revolucionário, amigo pessoal de ninguém menos que o também maestro Villa Lobos, matou-se, por enforcamento, em Cruzeiro do Sul, nos anos em 1936.
A história do teatro, no entanto, nem precisaria de cenas externas para compor seu cenário de terror. O Teatro, em estado de abandono, já não tem condições de uso, com janelas, poltronas, piso e tábuas deterioradas, além de telhas, aos fundos, caídas. Serve apenas para abrigo de pombos e urubus que infestam o centro de Tarauacá. Nada mais lúgubre do que mais esta imagem,
O historiador Isaac Melo, ganhador da medalha Mário de Andrade do IPHAN (Instituto Histórico do Patrimônio Nacional), conta que o Tetro foi inaugurado numa quinta-feira, debaixo de uma chuva torrencial, às nove horas da manhã, diante de uma plateia seleta. Era batizado como “Theatro Municipal” de Tarauacá, “obra grandiosa para Seabra e construída com todos os requisitos da moderna arquitetura”, conforme noticiou um jornal da época. Era o dia 26 de janeiro de 1933.
Ainda de acordo com o historiador, a obra surgiu para atender a do anseio da elite local, construída na administração de José Florêncio da Cunha, o “Cazuzinha”, prefeito do município de 1930 a 1934. Homem culto e apaixonado por artes, “Cazuzinha” fundara, em 1918, um dos mais duradouros e importantes jornais da cidade, “A Reforma”, que circulou até 1938. Ele também era avô do médico e escritor Djalma Batista, acreano ilustre que fez sua vida em Manaus e hoje dá nome a uma das avenidas mais importantes da Capital do Amazonas.
O então promotor e depois escritor de sucesso José Potyguara entra na história como autor do projeto arquitetônico do teatro. O prédio, de construção mista, era de madeira de lei sobre base de alvenaria, medindo, conforme dados da época, “40 palmos de frente por 100 palmos de fundo, contendo um vestíbulo (terraço aberto em arcadas) de 20 palmos; um salão de 50 palmos; caixa de Teatro com palco e camarins”, segundo reproduz Isaac Melo.
A construção, também sob a direção de Potyguara, foi executada na parte de alvenaria pelo “competente artista Sebastião Alves Maia”, português que viveu muitos anos em Tarauacá, responsável por construir os primeiros prédios em alvenaria da cidade, falecido em Manaus, em 1934.
Três dias depois da inauguração, a 29 de janeiro de 1933, estreou ali a primeira peça, chamada “Razões do Coração”, um “melodrama” de autoria de Potyguara, com os números musicais a cargo de Mozart Donizetti, Potyguara e Donizetti eram cearenses de Sobral, e foram personagens importantes da vida cultural, musical e literária de Tarauacá em fins da década de 1920 e dos primeiros anos da de 1930. O Teatro, na época, todavia, não ficou sob a responsabilidade da Prefeitura, que o arrendou em seguida à “Sociedade Sportiva e Dramática Taraucaense”, uma agremiação que havia sido fundada em 1925.
À época do surgimento do Teatro, Tarauacá não contava mais que dois mil habitantes. Já era tempo de crise da borracha, que só ganharia novo fôlego a partir de 1942, sob os efeitos da II Guerra Mundial e os chamados “Acordos de Washington”.
O Teatro, inicialmente, teria cobertura de palha, mas dada às críticas recebidas, “uma nota dissonante na plástica”, conforme se dizia, foi finalmente coberto de telhas. Ao longo dos anos, o Teatro tornou-se o principal ponto de convergência da pequena elite local, lugar onde se realizava os principais eventos, de saraus aos concorridos e animados bailes. Já na década de 1970 funcionou nas dependências do Teatro a “Rádio Educadora 15 de Junho”, que aí ficou até 1981. Também ali funcionou um cinema.
A partir da década de 1990, o Teatro começa a perder fôlego e a estrutura começa a ruir, mesmo tendo sido tombado, em 1994, como patrimônio histórico do Município, na gestão do então prefeito Cleudon Rocha. Só em 1999, na gestão de Jasone Ferreira da Silva, o Teatro foi recuperado, a partir de um convênio com o Ministério da Cultura. “Desde então, o teatro nunca mais recebeu uma recuperação geral, a não serem reparos paliativos, ao longo das administrações, que, em sua maioria, o ignoraram (e ignoram), tanto do ponto de vista cultural quanto histórico”, escreveu Isaac Melo.
Depois dos anos 2000, o Teatro ainda teve atividade, com a realização, inclusive, de festivais de teatros e apresentações musicais e de dança. Além, é claro, das costumeiras reuniões e convenções políticas. O Teatro Municipal de Tarauacá passou a ser denominado “Teatro José Potyguara” a partir de uma sugestão do historiador e empresário tarauacaense João Maia. O Teatro José Potyguara, obviamente, não é o primeiro, mas é o mais antigo teatro do Acre. Porém, não é tombado como patrimônio histórico do Estado e, apesar de sua importância cultural e histórica segue, ao longo dos anos, entre descasos e abandonos, correndo o risco de se acabar.
O presidente da Fundação Cultural “Elias Mansur”, que cuida do patrimônio histórico e cultural do Estado, Pedro Correia, o “Correinha”, disse lamentar a situação do Teatro mas lembrou que o Governo do Acre não pode intervir no local por se tratar de um imóvel da Prefeitura, sob responsabilidade municipal. “O Governo nunca foi provocado para intervir no local. A hora que formos, estamos prontos a ajudar. O que posso dizer que os recursos a gene consegue. O que falta é projeto”, disse Correia.