Aos 80 nos de idade, quase surdo, vista cansada e de caminhar lento, o vigilante aposentado Raimundo Paula, natural do Rio Grande do Norte (RN) e ex-guarda da empresa de segurança A. Merched, no Acre, nem de longe é um homem mofino ou desses que se acanham e se entregam por causa da idade avançada. Muito pelo contrário, este nordestino que chegou ao Acre com a família, pais e irmãos, na migração dos chamados Soldados da Borracha, quase no fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, tem disposição de gente jovem – tanto que está ameaçando se autoacorrentar numa greve no centro da cidade, nos próximos dias.
A data da greve ainda não foi definida, mas os cadeados e as correntes com os quais ele pretende se autoaprisionar, já foram comprados, e o local do protesto também já foi escolhido: será a porta principal de acesso do edifício sede da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), no centro da Capital Rio Branco. Afinal, com o ato desesperado o ancião quer chamar a atenção de ninguém menos que o secretário de Saúde, Alysson Bestene, e protestar contra o sistema de saúde do Governo do Estado pelo o que ele considera ser um descaso com a situação de gente na chamda terceira idade.
Seu Raimundo Paulo entrou em rota de colisão com o sistema de saúde do Estado desde o mês passado, em 2019, quando começou a sentir dores e perceber que sua mama direita estava inchando a cada dia. Morador do bairro Raimundo Melo, na Travessa Manuel Julião de Souza, 62 (vizinho ao início do bairro das Placas), ele disse que iniciou, literalmente, uma peregrinação por postos de saúde e hospitais em busca de uma consulta para saber o que ele tem no peito. “Tenho medo de ser câncer”, revelou.
No Posto de Saúde das Placas, o bairro vizinho de onde ele mora, o encaminharam para o Posto do Adalberto Sena. “Lá também não me atenderam e me mandaram para o Hospital de Base. De lá me mandaram para o Hospital do Amor, no Segundo Distrito. Lá no Hospital de Amor me disseram que não atendem homens, só mulheres. O resultado é que continuo assim com o peito inchando, sentindo dores e sem ser atendido”, disse, visivelmente chateado. O mais grave é que toda esta peregrinação em busca de atendimento ele a faz a pé, já que não tem paciência para pegar ônibus.
Raimunda Paulo sabe bem o que é acorrentar-se para chamar atenção das autoridades. No ano passado, ele chegou a se acorrentar na frente do fórum local em protesto contra a prisão de um de seus três filhos, que ele considerou ilegal. A manifestação chamou a atenção da sociedade, principalmente do Judiciário, cujo juízes reviram a prisão do filho do ancião. Com o filho liberta, o levou para sua casa, para morar com ele. “Mas o ingrato acabou fugindo e levando todo o dinheiro do velho”, contou uma amiga do ancião, abordando um assunto sobre o qual ele não quer mais falar. “Ele passou um mês inteiro em dificuldades e a situação só não foi pior porque os amigos o ajudaram”, contou a amiga.
O ancião diz que não tem medo de realizar o protesto. “Se eu não for atendido logo, vou me acorrentar lá e só saio quando for atendido”, disse. “Tenho mais de 80 anos e não acredito que alguém tenha coragem de me bater”, disse.
Informado da disposição do ancião, o secretário Alysson Bestene disse que não seria necessário extremo. “Ele será atendido. Basta termos acesso ao cartão do SS dele que vamos procurá-lo”, disse. O cartão do ancião foi enviado ao secretário.