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Pesquisas realizadas no Acre indicam que bambu permite construção sem fiação elétrica

Por TIÃO MAIA, PARA O CONTILNET

O leitor, mesmo os que têm conhecimento de engenharia e de construção civil, pode imaginar uma casa totalmente construída sem fios ou qualquer outro tipo de encanamentos ou cabos? Pois isso é totalmente possível e até reduziria os custos da obra porque o material capaz de substituir as peças industriais seria o bambu, vegetal do qual a Amazônia e o Acre em particular detém as maiores reservas do mundo. Só o Acre deteria 4,5 milhões hectares de reservas nativas de bambu, a maior do mundo.

“Nós temos bambu em abundância, mas aqui este ainda é um produto subutilizável”, diz o engenheiro florestal paranaense Alan Sbardelotto, formado pela Universidade Federal do Paraná e radicado no Acre há 15 anos, que vem acompanhando o desenvolvimento das pesquisas. Segundo ele, cientistas brasileiros desenvolveram conectores de bambu capazes de conduzir eletricidade e líquidos por meio dos microcanais da espessura de um fio de cabelo localizados na estrutura da planta. A ideia é que no futuro conjuntos desses canais sejam agrupados e aplicados na construção civil para construir paredes.

Os estudos mostram que a utilização desta tecnologia causa menos impacto ambiental, principalmente quando a atividade poderia ser associada também à energia solar. Os estudos científicos neste sentido estão bastante adiantados. Com verba destinada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), os autores do estudo patentearam a ideia em agosto de 2019 e ainda publicaram um artigo sobre o assunto no Journal Material Chemistry A, da Royal Society of Chemistry, no Reino Unido.

Engenheiro florestal Alan Sbardelotto mora no Acre há 15 anos

A ideia dos estudos é analisar as estruturas do bambu e surgiu quando o pesquisador Omar Pandoli, do departamento de química da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio, fazia um pós doutorado na China, há dez anos. Na época, ele conheceu o professor pioneiro em usar a planta como elemento de reforço leve e sustentável ao concreto na construção civil, inclusive no lugar do aço.

O professor pediu para que Omar tentasse preencher os microcanais internos do bambu com algum material em escala nanométrica. A intenção era aumentar a durabilidade e torná-lo mais resistente a ataques de micróbios e à própria decomposição natural.

Durante os estudos, os pesquisadores perceberam que o bambu, ao contrário de outras plantas estudadas, possui microcanais dispostos em linhas naturalmente isoladas. Isso possibilita que sejam transportados materiais diferentes lado a lado sem que eles entrem em contato entre si. Uma vareta de bambu seria capaz de conduzir corrente elétrica e água sem que eles tenham contato. Algo complexo e caro, ele explica, caso fosse produzido industrialmente.

Aos poucos, foram feitos os testes químicos nesses microcanais por onde originalmente passa a água que alimenta a planta. Nesse momento, foi identificado que a estrutura desses vasos naturais reage bem a outros elementos, inclusive com boa aderência. O estudo rendeu três artigos científicos, dois publicados em 2019 e um em 2020.

Os estudos provaram ser possível fazer os canais de o bambu formarem um circuito elétrico e fornecer energia capaz de acender um led ou qualquer outro dispositivo que precise de corrente elétrica. Uma das barreiras encontradas pelos cientistas para construir futuramente painéis sem fio capazes de conduzir eletricidade, dados e até líquidos são os nós que existem nos bambus.

Cada planta pode ter até dez nós que interrompem os canais. Os cientistas agora estão trabalhando para encontrar uma maneira de ligar um bambu ao outro mantendo o fluxo dos canais. Eles disseram já ter identificado possíveis caminhos.

Os pesquisadores também conseguiram desenvolver uma maneira de esquentar e manter aquecido o líquido dentro do condutor. Com isso, é possível programá-lo para que a água entre fria de um lado e saia quente do outro ou até permaneça quente no sistema, funcionando como um aquecedor. Esse sistema também poderia ser aplicado a um chuveiro, por exemplo.

Estudos apontam que o Brasil possui 250 espécies de bambu e o Acre tem a maior floresta nativa da planta do mundo. A maior vantagem é a facilidade de plantio e o rápido desenvolvimento. Algumas genéticas podem crescer até 1 metro por semana.

Os artigos publicados pelos cientistas sustentam que a alta disponibilidade da biomassa lignocelulósica do bambu permite o desenvolvimento em grande escala de uma produção industrial dos dispositivos testados.

Um dos argumentos que sustentam essa tese é que dos 9 milhões de hectares plantados de bambu na América Latina, metade está localizado no Estado do Acre. Hoje, eles afirmam que não há um plano industrial para o desenvolvimento de uma economia sustentável capaz de explorar os potenciais usos do bambu para torná-lo um material com alto valor agregado.

Apesar da abundância de bambu no Brasil, a espécie usada no estudo é de origem chinesa, conhecida popularmente como bambu gigante (Dendrocalamus giganteus). Essa cepa tem um diâmetro de até 30 centímetros, mas o mais importante para os cientistas são apenas as paredes da estrutura, onde estão concentrados de 20 a 50 microcanais.

Estudos apontam que o Brasil possui 250 espécies de bambu e o Acre tem a maior floresta nativa da planta do mundo

Erguer casas de bambu e madeira não é novidade na construção civil no Brasil. A Embrapa e outros órgãos de pesquisas já vêm estudando isso no país. Mas usar um material altamente inflamável como condutor de eletricidade e calor é a maior preocupação dos cientistas brasileiros.

Por esse motivo, outros pesquisadores já iniciaram estudos para implantar algo que iniba a fonte de calor e evite que esses materiais possam oferecer qualquer risco de combustão.

O engenheiro Alan Sbardelotto, que também é empresário e presta consultoria ambiental para empresas públicas e privadas, está muito otimista com as pesquisas. “O Acre pode vir a ser a grande referência nacional para a engenharia nesta área caso essas pesquisas se confirmem, como até aqui vêm sendo confirmadas”, disse.

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