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Douglas: ‘Quero ser lembrado como o 1º homossexual a jogar vôlei em alto nível no Brasil”

Por UOL

Campeão olímpico (2016), campeão da Superliga (2018/2019) e vice-campeão Mundial (2018). Tudo isso com menos de 23 anos. O ponteiro Douglas Souza, agora com 24 anos, participou de uma live promovida no perfil oficial do Taubaté e respondeu as perguntas dos fãs e da torcida. Em um bate-papo de 45 minutos, ele falou sobre a emoção dos títulos na carreira, admitiu que não fez uma boa temporada (2019/2020); falou do sonho de jogar no exterior, disse que não gosta de ser chamado de “Magrinho” e que quer ser lembrado, no futuro, como o primeiro jogador de vôlei declaradamente homossexual a jogar em alto nível, servindo de espelho e exemplo para quem se sente fora dos padrões sociais.

No meio da live, a mãe, Elisângela, perguntou se ele estava se alimentando bem durante a quarentena e ele respondeu, com bom humor: ” Claro, mãe. Inclusive já comi os três ovos de Páscoa que você me mandou”.

O Web Vôlei acompanhou a live e registrou abaixo os principais trechos da conversa:

Quarentena

Sou desses que paga o pay-per-view do BBB e fica olhando tudo o que acontece o dia inteiro na casa (risos). Nessa quarentena, fico mais jogando videogame, assisto a séries, filmes, durmo de tarde (rs) e amo reallity shows. Também tento me exercitar como dá, claro que não é a mesma coisa, porque não tenho os equipamentos de malhar pesado, mas me mantenho ativo. E passeio bastante com a minha cachorra. Mas estou sentindo falta da interação com as outras pessoas, do convívio com o grupo. É estranho ficar tanto tempo sozinho e não ter interação.

Já foi central

Eu comecei a jogar vôlei como central. Minha primeira equipe grande foi na base foi o Pinheiros. Mas, no ano seguinte que eu comecei como meio de rede, eu chamei meu treinador e falei que não queria mais, que não tinha me adaptado e que queria jogar como ponteiro. Não gostava de ter de sair de quadra quando estava no fundo. Queria ficar o tempo todo em quadra.

Dante como espelho

Sempre me espelhei no Dante, porque ele batia bem a minha bola preferida, que é era a pipe. Eu me identificava muito com ele, sempre foi um ídolo, até mesmo pelo tipo físico, muito magro (rs) e alto. Era uma época em que todo mundo preferia o Giba, mas eu me inspirava no Dante.

Início da carreira

Comecei jogando na minha escola em Santa Bárbara D´Oeste (SP) com os meus amigos. Eu tinha bronquite e já tinha testado outros esportes. Até que eu cheguei no vôlei e virou uma paixão. Quando eu fiz 13 anos, pedi para a minha mãe para fazer um teste em um clube em São Paulo e falei com ela que se passasse, gostaria de seguir em frente. Aos 14 anos eu passei num teste no Pinheiros, fiquei lá até 2013. Em 2013, mesmo sendo infanto, eu saí de lá e fui jogar como profissional no São Bernardo.

Mercado em crise

Se você for um jogador de Seleção Brasileira, renomado, é mais difícil estar num grande time, por causa da crise e da condição de incerteza dos clubes atualmente. Temos uns 4, 5 times com grandes orçamentos hoje em dia. Mas, para quem está começando agora, é uma oportunidade boa de jogar.

Superliga paralisada

Estávamos (Taubaté) numa crescente, tínhamos jogando os dois jogos decisivos na temporada, vencendo o Sesc RJ e o Sada. Como aconteceu na temporada passada, nosso time chegou na fase decisiva e cresceu, para ficar com o título. Estávamos muito focados e iríamos com certeza brigar pelo bicampeonato. Acho que a Superliga já deveria ter sido encerrada desde a primeira reunião, assim como aconteceu com a Superliga Feminina. Não tem mais condição de retomar. Todos os clubes dispensaram os seus atletas. Naquela primeira reunião já tinha clube que tinha dispensado seus jogadores. Não tem a menor condição de voltar. Tem muito tempo que a gente não toca na bola, nossa condição física não é a mesma. É inviável. Não existe, na minha cabeça, a possibilidade de o campeonato continuar.

Hipotética final

Acho uma possível final da gente seria com o Sada Cruzeiro. Eles lideraram a Superliga um bom tempo e estavam bem embalados também.

Vôlei de Praia

Adoro ver vôlei de praia, mas é um jogo totalmente diferente. Precisa de um treinamento físico muito explosivo. Parece que você não sai do chão. Mas eu tentaria no futuro. Acho que seria divertido.

Planos de jogar no exterior

Tenho vontade de jogar no exterior. Sempre falo que gostaria de encerrar a minha carreira no Japão. Sempre gostei muito da cultura japonesa. Já fui lá, já vi como funcionam as coisas e sonho em ter uma passagem lá.

Vida em Taubaté

Estou na minha segunda temporada e totalmente adaptado. Gosto muito daqui, porque me sinto em casa, já que eu vim do interior. Além do interior, tem tudo que precisa do lado de casa, tem shopping… em Santa Bárbara não tem toda essa estrutura de Taubaté…. A torcida aqui é fantástica, nos apoia, participa, lota o ginásio. Me sinto muito bem jogando em Taubaté.

Avaliação da temporada

Eu não fiquei contente com a minha temporada. Sou uma pessoa rígida comigo mesmo. Nessa Superliga, eu fui bem a baixo do que apresentei na anterior. Mas, no turno, principalmente, eu estava extremamente focado em passar, em ajudar o time no passe.Tanto, que o Renan chegou a falar que no primeiro momento eu era o melhor passador do time, com aproveitamento até melhor que o Thales. E esqueci um pouco no ataque. No segundo turno, eu sofri um abalo, me senti um pouco pesado. Mas o grupo estava num crescimento e eu acredito que a gente iria para a final.

Título da Superliga 2018/2019

Aquela temporada foi extremamente importante em vários sentidos. Foi o meu primeiro título de Superliga. Eu fiquei muito feliz com tudo o que aconteceu. Foi uma temporada de superação. Só quem estava no time sabe o que aconteceu. A gente teve troca de técnico, sofreu com brigas internas, eu nunca tinha vivido nada assim. Mas aí o time se superou, cresceu e conquistou o título. Pra mim, ficou a lição de que, se você continuar focado, mesmo no meio da confusão, você vai conseguir.

Mãe Elisângela Sales

A mãe, Elisângela Moraes entra na live e pergunta se ele está se alimentando direito: “Mãe, estou bem, lógico que sim. Inclusive já comi os três ovos de Páscoa que ela me mandou” (rs).

Rio-2016

Foi incrível, não tenho como explicar a sensação de tudo o que a gente viveu. Foi um filme, cada jogo era uma história. Foi realmente um sonho. Cada esforço, cada suor valeu a pena. Não foi só o campeonato. A gente jogou antes a Liga Mundial…. Foi todo um trabalho que acabou coroando essa linda trajetória que a gente estava fazendo em 2016. Sou muito grato por ter feito parte da história do vôlei brasileira daquele jeito. A medalha olímpica fica guardada no cofre (rs). Num lugar seguro, porque a gente lê situações de roubo e tal.

Bloqueio mais difícil

O mais difícil de enfrentar é o da Rússia, com certeza. Eles são muito altos e é especialidade da seleção deles.

Adversário mais difícil

Polônia, sem dúvida. Perdemos para eles na final do Mundial de 2018, mas depois ganhamos deles em 2019… Vão ser sempre uma pedrinha no nosso sapato

Tóquio 2021

Não estou pensando muito no que vai acontecer no ano que vem. O mais importante, para nós atletas, é focar no dia a dia, no treino e, se rolar uma convocação, beleza. A Seleção Brasileira tem uma base que realmente funciona e dever ser mantida. Mas, uma surpresa ou outra sempre tem né.

Passe

O passe vem muito da confiança do jogador, além da técnica. Para mim, pesou a experiência de jogar o Mundial passando, o Pan… Isso me deu muita experiência.

Primeira convocação adulta

Eu estava no Sesi, era a minha primeira temporada no Sesi como titular, era muito novo, tinha 19 anos. A gente estava num projeto numa escola. Aí passou a convocação na Globo e de repente meu celular começou a tocar sem parar no meio da criançada. O Escada (líbero Escadinha) sabia, ele já sabia quem iria, mas não falou nada, estava esperando a convocação oficial. Aí todo mundo veio me cumprimentar, foi bem legal.

Melhor campeonato com a Seleção

O Mundial 2018 foi marcante. Foi o primeiro campeonato que eu tive a chance de jogar como titular depois que o Renan assumiu. Eu fui premiado. Embora a gente não tenha sido campeão, o vice Mundial foi muito marcante.

Torcida no Feminino

No Feminino eu sempre torci muito para o Rio, independente de quem está lá. Não sei porque. A maioria dos meus meninos torce para Osasco, mas não sei porque eu gosto mais do Rio.

Como quer ser lembrado?

Como o Douglas que fez história como primeiro homossexual no vôlei que conseguiu jogar em alto nível. Quero ser um espelho de pessoas fora do padrão. Eu sou fora do padrão. Sou também extremamente margo e isso assusta no nosso meio. Se eu, um garotinho magrinho, pequeninho do interior de São Paulo conseguiu, você também vai conseguir. É assim que eu quero ser lembrado.

“Magrinho”

Eu odeio que me chamem de “Magrinho” (rs). Eu até falei com um narrador na época que a gente se encontrou na abertura da Superliga ano passado (Sérgio Maurício) e falei que não gosto. A pessoa depois do jogo me chama para tirar foto e me chama de “Magrinho” e não gosto (rs). Não gosto que chamem as pessoas pelas características dela, tipo, olha aquele “narigudo”. As pessoas do time me chamam muito de “Douglinhas” e a família me chama de “Dô” só.
Futuro

Sem sombra de dúvidas eu quero muito ser bicampeão olímpico e depois disso sinceramente, não sei, só quero viver um dia após do outro. Quero de repente seguir em Taubaté, construir a minha família…

O que espera do Taubaté em 2020/21

Espero pódio. O time ainda está se estruturando. É uma questão de treinar, de entrosar e ver como funcionará a nossa sinergia. Até então estou bem confiante, a gente vê aí pelas notícias que as peças que estão chegando vão deixar o time muito bem encaminhado.

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