Nos últimos dias, conforme a final do BBB se aproximava, Gleici Damasceno confessa que ia ficando nostálgica: nesta mesma época, em 2018, ela deixava de ser uma estudante de psicologia e ativista social de Rio Branco, no Acre, e completava três meses confinada. Depois de desentendimentos e um paredão falso, ela se consagrava como vencedora do reality — e ganhadora do prêmio de R$ 1 milhão e meio.
Na disputa contra Ana Clara e Ayrton Lima (pai e filha que participaram juntos) e contra o sírio Kaysar Dadour, ela foi a favorita do público com 57,28% dos votos.
Você tem o costume de acompanhar o programa? O que achou da escolha dos participantes?
Vejo muita coisa pelo Twitter, mas quando posso assisto também na televisão. Percebi que o elenco dos homens foi bastante machista, enquanto o feminino foi perfeito. Isso trouxe um debate interessante para o programa.
Você sente que, com o passar do tempo, os realities vêm perdendo a fama de serem programas ‘fúteis’ e estão promovendo cada vez mais discussões sobre temas relevantes?
Acredito que nós estejamos cada vez mais conscientes de muitas questões. Ainda estamos longe do ideal, mas cada vez mais nos incomodamos com falas e pensamentos machistas e racistas. Não dá mais para tolerar isso. Em todas as edições, sempre existiram pessoas que tocavam nesses assuntos, mas nos últimos tempos a sociedade como um todo está mais ligada. Acredito que isso ainda cresça muito, que os debates se intensifiquem cada vez mais.
Para quem vai a sua torcida? Por quê?
Eu torço pela Thelma, acho que ela fez um jogo digno e justo. Em nenhum momento passou por cima dos próprios valores para ter alguma vantagem na disputa. Fora que é uma mulher negra, com uma história superbonita de resistência e de luta. Tem muito de representatividade na Thelma e isso pode dar ainda mais brilho para esta edição, que foi tão boa. Seria incrível.
Como Marcela, você também viveu um romance dentro do jogo [com o participante Wagner Santiago, com quem namorou até o início deste ano], mas isso não tirou seu protagonismo [enquanto Marcela virou um pouco “mãe” do Daniel]. O que acha que existiu de diferente nas duas histórias?
Acho que toda mulher está sujeita a passar por isso, independentemente de se considerar feminista. Nós somos vulneráveis, infelizmente, porque o machismo é estrutural. A diferença é que quem sai do BBB tem a oportunidade de avaliar como tudo aconteceu. Mas muitas mulheres não têm essa oportunidade de ter uma perspectiva mais ampla sobre a relação e demoram a perceber como podem ter sido afetadas. Acho importante a gente buscar se conhecer e estar sempre perto dos amigos e da família, para tentar minimizar danos, que, nunca se sabe, podem acontecer.
No sábado dia 18, o programa “Altas Horas” reprisou o episódio em que você participou com outros vencedores do BBB. Tanto na exibição original quanto agora, ele repercutiu nas redes porque você foi interrompida muitas vezes. Isso a incomodou?
Lembro de ter percebido nas gravações que estava sendo interrompida o tempo todo, tanto que fiquei constrangida, mas não consegui identificar na hora do que se tratava exatamente. Espero que outras mulheres não passem por esse tipo de situação, que sejam respeitadas no seu momento de fala e que consigam concluir seu raciocínio.
O público sentiu diferença entre a sua edição e o BBB 19, uma vez que a vencedora, Paula von Sperling, teve a participação marcada por acusações de racismo e outras formas de preconceito. Por que acredita que houve essa virada no perfil do vencedor de um ano para o outro?
Eu acho que pode ter uma questão política forte, porque muitas vezes o BBB é um reflexo da sociedade. Ao mesmo tempo, me pergunto se esse elemento pode não ter sido decisivo. Eu sempre procurei entender e já debati sobre isso com outras pessoas. Não consigo explicar, por exemplo, por que alguém que torceu para mim no ano seguinte torceu por alguém que não tem nada a ver comigo. Existem algumas questões no Big Brother que são difíceis de decifrar.
Você mantém contato com outros ex-BBBs?
Sim, da minha edição falo muito com a Ana Clara e o Mahmoud [Baydon]. Das outras, tenho contato com a Elana [Valenária, do BBB 19] e com a Cacau [Macedo, BBB 16]. A gente acaba sempre se encontrando nos lugares.
Qual foi a mudança de vida mais importante desde que você ganhou o reality?
Foi ter dado um conforto para a minha mãe, ter mudado a nossa história.
Quais são seus projetos profissionais no momento?
Desde que eu saí do programa, venho me dedicando ao teatro e à televisão — inclusive foi para isso que vim morar em São Paulo. Tem sido algo muito bom. Ao mesmo tempo em que eu sei que é difícil, adoro passar por novos cursos, novas descobertas e encontros com colegas. Meu sonho é continuar ativa nesse meio.