Sem a possibilidade de encontros devido à pandemia, pessoas recorrem a nudes e conteúdo pornô nas redes sociais como forma ‘descarregar a tensão sexual’ e se ‘sentirem desejadas’, dizem especialistas.
“Nudes e um copo de água não se nega a ninguém”. Assim a estudante de medicina Luma*, de 19 anos, deu pistas, em uma rede social, de como lidaria com vontades sexuais neste período de isolamento social.
Sem sair de casa há 25 dias por causa da pandemia de coronavírus, a jovem paranaense que costumava frequentar baladas no fins de semana e manter parceiros sexuais regulares não teve muita opção.
“É o tal do tesão acumulado. Como não tem como ver a pessoa pessoalmente, a melhor coisa é interagir pela internet, mandando foto, entrando numa ligação. Dá para matar um pouco a vontade”, conta a jovem, que passa o período de quarentena em casa com a irmã, em Foz do Iguaçu.
A atitude de Luma dialoga com os conselhos que estão vindo de todos os cantos do mundo.
Em Nova York, a prefeitura divulgou um guia em que sugere a masturbação como melhor forma de evitar o contágio. “Você é seu parceiro sexual mais seguro”, diz o comunicado.
O Ministério da Saúde da Colômbia, por sua vez, orientou pessoas que não estão em um relacionamento fixo para adiar os encontros ou optar pelas relações virtuais.
No Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, liderado pela ministra Damares Alves, divulgou uma cartilha em que aconselha profissionais do sexo a fazer atendimento online.
Com um isolamento que atinge bilhões de pessoas no mundo inteiro, o consumo e o compartilhamento de conteúdos sexuais vêm aumentando.
Acessos ao site PornHub, por exemplo, uma das principais plataformas de vídeos adultos do mundo, chegaram a crescer 28,9% no Brasil em relação à média diária, no último dia 29 de março, que registrou o pico na curva de ascensão. No índice mundial, o crescimento foi de 24,4%, segundo dados do próprio PornHub.
No Twitter, uma das poucas redes sociais que permitem o compartilhamento público de conteúdo adulto, hashtags que estimulam o compartilhamento de fotos sensuais, nudes ou a paquera apareceram entre os assuntos mais comentados da plataforma no Brasil, nas últimas semanas.
“Vamos agitar essa quarentena, me enviem fotos para avaliar”, comentou uma jovem que pedia imagens a usuários masculinos da rede social.
Descarregar a tensão
Para a sexóloga Ana Canosa, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana (SBSH), esse movimento é natural.
“A sexualidade é uma fonte de prazer importante para a vida humana e você pode obtê-lo sozinho, não precisa do outro. Num momento como esse, de isolamento, usar as ferramentas de tecnologia para essa busca é comum”, diz.
O uso de celulares para fins de paquera e sexo não é um fenômeno novo, alertam os especialistas. Mas, sem opção do encontro “carne e osso” devido à pandemia, pessoas que até então não se interessavam por esse tipo de uso da tecnologia acabam experimentando.
“As pessoas já usavam a tecnologia para a descarga da tensão sexual e algumas até preferem mesmo as relações virtuais. Mas a satisfação é individual. Para quem gosta do encontro offline com o parceiro, não vai ser uma substituição, apenas uma forma de descarregar a tensão sexual daquele momento”, lembra Canosa.
É o caso de Luma. Na quarentena, a jovem está fazendo com frequência algo que não fazia parte de sua rotina. Antes, ela conta que não compartilhava tanto conteúdo sexual com seus parceiros.
“Agora, quando bate a vontade, eu já chamo para aquele papinho mais quente. Nada supera a conexão do calor humano, mas já ajuda a não surtar”.
O sociólogo Richard Miskolci, professor no Departamento de Medicina Preventiva e em Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ressalta que, por trás do isolamento social há uma questão de saúde pública que afeta o imaginário das pessoas, inclusive em termos eróticos e sexuais.
“O medo de se contaminar tende a ser maior que o desejo de contato físico, mas não inibe tampouco supre a necessidade de ser reconhecido como atraente ao outro”, explica.
O prazer de ser desejado
Foi numa brincadeira em que pedia “nudes para avaliação” que o estudante de rádio e TV Luiz*, de 28 anos, começou a receber centenas de imagens de pessoas nuas em seu perfil no Twitter, em 2016.
Naquela época, impressionando com a quantidade de homens que queriam se expor, o mato-grossense resolveu criar um perfil para concentrar e divulgar essas fotos. “É um jogo de avaliação e prazer”, diz o criador da hashtag que vem aparecendo com frequência entre as mais comentadas na rede social.
Luiz conta que, desde início do período em que as pessoas começaram a adotar o isolamento social, os números do perfil dispararam. Se antes recebia cerca de 100 fotos quando lançava a hashtag para a “disputa”, agora recebe mais de 400. Os seguidores cresceram quase 100%, chegando a mais de 250 mil.
“Parece que está todo mundo à flor da pele, muita gente pedindo para a gente compartilhar conteúdo. A minha ideia tem a ver com a exposição, e as pessoas gostam de receber avaliação”, explica Luiz.
Para o sociólogo Richard Miskolci, as conclusões fazem sentido. “É um desejo de ser desejado, amado, confortado em tempos de incerteza e solidão que nos fragiliza e faz sentir mais vulneráveis, inclusive em termos afetivos”, opina.
O antropólogo Horácio Sívori, coordenador do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Clam) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), vai além e destaca que “no meio da catástrofe, o flerte, o sexo online, o pornô, a própria troca de nudes, podem não ser apenas formas de entretenimento, de combater a solidão, mas também de cuidar uns dos outros como coletivo.”
Os especialistas ressaltam, entretanto, que o significado da troca de nudes será bem diferente para pessoas de diferentes gerações, idade, gênero, orientação sexual e raça. “Nem todo mundo estará em condições de participar de determinadas práticas do mesmo modo”, lembra Sívori.
Internet e o ‘sexo seguro’
A busca de meios tecnológicos para paquera, parceiros sexuais e amorosos também tem a ver com o histórico de epidemias.
De acordo com Richard Miskolci, as pesquisas mostram que foram os segmentos sociais que sofriam mais restrição a paquerar em público no passado que primeiro usaram a internet com esse fim, como homossexuais e mulheres.
Na época da epidemia da Aids, nos anos 1980 e 1990, homens gays passaram a se utilizar bastante de meios de paquera como os classificados nos jornais e revistas e os serviços telefônicos. Com a chegada da internet comercial, em 1995, os bate-papos e os sites de busca de parceiros também ganharam impulso.
“Isso se devia principalmente por que homens ‘fora do meio’ evitavam frequentar espaços de sociabilidade LGBT.”
“Agora também há um incentivo – não mais restrito a apenas um ou outro segmento social – a usar os meios tecnológicos disponíveis para vivenciar o erotismo com segurança em tempos em que o contato físico está interditado. Trata-se de algo compreensível e com precedente histórico”, explica Miskolci.
O fenômeno que seria mais recente, diz o sociólogo, é a expansão do uso de serviços de rede social não especializados para o mesmo fim. Ou seja, em vez de usar o Tinder, por exemplo, mais pessoas usam o Instagram, o Twitter e até o Facebook para paquera.
A sexóloga Ana Canosa alerta, entretanto, que não pode esquecer que “não há controle sobre o conteúdo compartilhado com os contatos”. “Tem que ter cuidado para quem manda foto, com fotos mostrando rosto e com os dispositivos compartilhados com a família”.
Para o cenário pós-pandemia, a especialista visualiza a oportunidade de se aproximar – e fazer sexo – com pessoas com quem foram criados laços mais fortes. “As pessoas estão alimentando esse tesão e têm a oportunidade de se fazer conhecer mais intimamente”.
Já para Miskolci, o tempo de conversas online pode mostrar um “outro caminho” nessas relações. “Isso pode restaurar o interesse por afinidades para além das eróticas e sexuais, de maneira que o adiamento do encontro sexual traga até vantagens. Mas, apenas pesquisas a posteriori poderão avaliar o que agora se passa agora”, conclui.