Receitas caseiras, cadastros para receber dinheiro do governo federal ou informativos falsos sobre o novo coronavírus. O avanço da Covid-19 no país trouxe também um aumento na disseminação das “fake news” nas redes sociais.
E foi a partir desse cenário que o professor de direito Charles Brasil decidiu criar, junto com os alunos, um grupo de combate às notícias falsas, o #FakeCovid19.
A carreira de Charles Brasil se confunde com a luta pelos direitos humanos no Acre. Formado há oito anos, ele fez mestrado em direito constitucional, é professor de Teoria Geral do Estado e Ciência Política em uma universidade particular de Rio Branco; esteve por três anos à frente da comissão da diversidade sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Acre e também compõe o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da Universidade Federal do Acre (Ufac).
Ele diz que, ao perceber a crise criada pela Covid-19, precisou de um tempo para pensar em como poderia ajudar neste momento. Como um defensor do direito à informação e cidadania, notou que as notícias falsas criadas nas redes sociais afetavam diretamente o combate à doença e também o posicionamento das pessoas diante da situação.
Hoje, o grupo #FakeCovid19 conta com mais de 20 alunos que se dedicam à desmentir as chamadas “fake news”, e este combate é feito também pelas redes sociais, propagando a notícia verdadeira.
“No mundo automatizado que vivemos é comum recebermos notícias e apenas repassar sem se preocupar com a fonte. Por isso, esse projeto tem dois objetivos: o primeiro é fazer o combate direto e franco da ‘fake news’, porque a gente entende que ela prejudica os direitos fundamentais e humanos das pessoas, inclusive, pode levar à morte. E o segundo é trabalhar a questão da saúde mental. As pessoas estão recebendo informações de todos os lados e isso estressa, incentiva, até mesmo, a não acreditarem no que está sendo posto e que é real”, pontua o professor.
Ao receber uma “fake news”, o grupo leva de 2 a 5 minutos até consultar, em fontes indicadas pelo professor, se aquela notícia é verdadeira ou não. Brasil diz que em muitos casos, as notícias falsas contêm alguma verdade, o que pode dificultar ainda mais esse trabalho.
Semanalmente são feitas reuniões por videoconferência, onde o grupo debate o que foi feito na semana anterior e define ações para a próxima semana. Nesse encontro, eles fazem um balanço de como chegaram até as “fake news” ou a forma como as receberam. O professor diz que, por semana, são checadas ao menos 10 notícias falsas diferentes.
Além disso, também avaliam os canais de checagem usados no processo e avaliam o alcance do trabalho nas redes sociais.
“Fazemos planejamentos semanais de como melhorar esse combate, de como criar ações coordenadas para dar uma resposta mais rápida, aí ensino os alunos onde pesquisar, como pesquisar. E a gente avalia se as ações estão sendo efetivas, se o público está sendo alcançado”, detalha.
Corrente do bem
Para os alunos de Charles Brasil, o projeto já tem surtido efeito. Alguns deles dizem até que não sabiam das graves consequências que podiam ser geradas pela propagação de algo falso.
Mônica Nunes, de 40 anos, é uma delas. Ela conta que agora, antes de repassar qualquer notícia, se sente obrigada a checar se realmente aquilo é verdade.
“Eu tinha o hábito de receber informações e, da maneira que recebia, eu replicava, não tinha o cuidado de buscar em fontes confiáveis se aquela informação era verídica ou não. Então, isso mudou na minha vida, e eu também tenho passado para as pessoas de minha família. Tenho divulgado esse cuidado para que eles possam ter também, porque isso é algo que influencia na vida das pessoas.”
E assim é criada uma corrente do bem. Aos poucos, os alunos e suas famílias e amigos vão trocando a desinformação pela verdade em grupos de aplicativos de mensagens e outros perfis nas redes sociais.
“Além de desmistificar as coisas erradas, ensinamos aos nossos familiares e amigos mais próximos a verificarem as informações antes de repassar, porque temos que ensinar os danos que isso podem causar. Os danos são irreparáveis. Pelas redes sociais, a gente viu que alcançou muitas pessoas. É um trabalho de formiguinha mesmo”, conta Lorrana Santos, de 25 anos, que também faz parte do projeto.
Podcast e saúde mental
Essa ação criada pelo professor incentivou o grupo a se dedicar em pesquisas de comportamento social diante da criação de notícias falsas. O estudo revela, pelo menos, três hipóteses do que acaba incentivando a produção e disseminação das falsas notícias.
“São vários fatores, mas, podemos traçar pelo menos três principais – isso de acordo com a nossa pesquisa empírica. O primeiro é o cometimento de crimes, hoje com um clique em um link que te passam como um cadastro, por exemplo, você pode perder todos os seus dados. O segundo é promoção pessoal, política ou de alguma marca. E terceira é que isso movimenta dinheiro. Porque você cria, por exemplo, uma receita caseira de combate ao vírus, alguém pode criar um produto e vender aquilo como uma solução. Então, podem espalhar ‘fake news’ para vender determinados produtos que não têm confirmação científica alguma”, alerta.
Para validar essas pesquisas, os artigos devem ser publicados já nas próximas semanas. Outro plano é criar um podcast para ajudar as pessoas. Essa iniciativa tende mais para o lado do entretenimento, compartilhando algumas dicas para ajudar as pessoas a enfrentarem a quarentena.
“Nossas ações são educativas, com a finalidade de promover os direitos humanos, mas são, sobretudo, ações humanitárias. Não queremos confrontar ações que estejam sendo feitas de forma correta pelos governos, o que fazemos é uma disputa do direito, onde combatemos a mentira com a verdade. É uma ação que se soma às ações governamentais corretas que estão sendo feitas.”
O projeto vai além da academia. Como já adiantou o professor, é uma proposta de tentar alertar as pessoas sobre as sequelas deixadas pelas “fake news”. Por isso, na próxima semana, o grupo deve estrear o podcast “Afeto”.
“Vamos nos comunicar com o público que estiver na quarentena, usando a música, filmes e poesias para fazer uma reflexão filosófica e poética neste momento e levar ações que possam atingir positivamente a saúde mental das pessoas, já que muitos conflitos estão em curso com o isolamento social”, justifica.