Secretário fala sobre os desafios da educação pública no AC em tempos de pandemia

Com a chegada do coronavírus ao Acre, diversas atividades tidas como não essenciais tiveram de ser suspensas. Uma delas foram as aulas da rede pública estadual de ensino. Porém, a não essencialidade da educação escolar em momentos de pandemia não diminuiu o ritmo de trabalho do secretário de Educação do Acre, Mauro Sérgio.

Assim que o governador Gladson Cameli publicou decreto com a suspensão das aulas, o gestor correu atrás de alternativas para evitar que os mais de 158 mil alunos matriculados em todos os 22 municípios do Acre ficassem ociosos em casa.

A saída encontrada ainda envolveu, de quebra, boa parte dos cerca de 14 mil professores estaduais em um projeto piloto na história da educação pública acreana: a gravação e veiculação em larga escala de videoaulas por ferramentas digitais e sistema público de comunicação.

Na entrevista concedida com exclusividade ao ContilNet, o também professor conta todos os detalhes do projeto e fala sobre como a Secretaria de Educação, Cultura e Esportes (SEE) tem se adaptado a esse momento inédito na vida de toda a população do planeta.

CONTILNET – Secretário, o mundo todo vive, hoje, um novo momento. O senhor concorda que esta seja a maior crise da nossa geração?

MAURO SÉRGIO – “Há muito tempo o mundo não presenciava uma crise dessas. É um vírus que está em um cenário de globalização, porque foi tudo muito rápido. Do final de dezembro até aqui o mundo parou. Você observa vários cenários e aí compreende que a gente está vivendo dentro de um contexto de guerra, ou seja, de luta pela vida. Tudo isso assusta muito. É uma doença que ataca de forma especial os mais idosos, mas também tem um número grande de jovens que acabam contraindo.”

CONTILNET – E como a Secretaria de Educação vem se adaptando a este momento?

“Nós estamos dialogando desde março com outras instituições de ensino e a prefeitura de Rio Branco, que tem sido uma grande parceira, além das secretarias de educação de todas as cidades do Acre. Por sermos uma secretaria maior, uma secretaria de Estado, os municípios dependem muito das nossas decisões, então nós fizemos a interlocução com diretores de escolas particulares e universidades e tomamos a decisão de parar as atividades escolares e acadêmicas. Não tínhamos como continuar dentro desse cenário. Escolas do Brasil inteiro pararam. Isso demonstra também todo um compromisso nosso em manter a vida.”

CONTILNET – Há alguma estimativa para o retorno das aulas?

“No primeiro momento, as aulas foram suspensas até o dia 3 de abril. Depois decidimos prorrogar esse prazo até o dia 13, mas nós acreditamos que o cenário ainda não é propício para o retorno. Sobretudo porque dizem que abril é o período de pico dessa doença, não só no Brasil, mas sobretudo aqui no nosso estado. A ideia agora é prorrogar tudo até o dia 30.”

CONTILNET – E o que a sua secretaria tem feito nesse período sem atividades escolares?

“A gente não pode parar de trabalhar. A nossa grande preocupação foi e continua sendo os alunos. A gente precisa criar estratégias. Nesse contexto de guerra pela vida, para que os alunos não saiam prejudicados dentro de sua formação educacional, encontramos, em sintonia com outras secretarias de estado, uma forma de nos aproximarmos dos estudantes. Criamos uma plataforma para celular e tablet com textos e videoaulas onde o estudante entra e tem à disposição todo um guia dirigido e relacionado aos componentes curriculares. Se ele quer algo sobre o que estudou no primeiro bimestre na disciplina de História, por exemplo, ele vai encontrar texto, imagens e o professor dele dando essas orientações.”

CONTILNET – E como vai ficar a situação dos estudantes que não têm acesso à internet ou um aparelho de celular?

“Nós tivemos a ideia de utilizar os estúdios da TV Aldeia para gravarmos as videoaulas e podemos exibir a programação também pela Amazon Sat, que tem toda uma estrutura que consegue chegar no interior mais distante do Acre. Se você sair nas áreas rurais, você consegue ver uma parabólica que capta o sinal dela. A educação à distância é uma realidade no país. Não podemos fechar os olhos para ela. O mundo inteiro adota. E a gente precisa levar esse suporte para que os alunos e professores da rede também possam utilizar até mesmo depois da pandemia, a fim de enriquecer suas atividades. Quem já fez curso à distância sabe o quanto é rico.”

CONTILNET – Como anda o projeto?

“Profissionais da comunicação e professores foram convidados a desenvolver conteúdos específicos em sintonia com as chamadas sequências pedagógicas, que é o plano didático do professor construído com a secretaria. Já tem algumas semanas que estamos trabalhando com essas gravações e temos alguns materiais pilotos. Por falta de investimentos lá no passado, a TV Aldeia permaneceu com o canal analógico e é por isso que a gente vem disponibilizando essas aulas através da internet também. Então, estamos terminando esses conteúdos, com uma produção 100% local, com zero custos. Gastamos apenas o combustível para chegar aos estúdios.”

CONTILNET – A experiência é inédita?

“Para aqueles municípios todos isso é uma experiência piloto. A educação trabalha com o princípio da equidade e é isso que nós queremos. A gente tem que oferecer condições para todo mundo. Acreditamos que lá na frente vamos poder atingir mais e mais alunos, sobretudo os mais distantes, que muitas vezes acabam não tendo acesso a tudo. Quem mora em ramal, na zona rural, sofre muito em relação a isso, mas se você criar um instrumento como esse, com acesso pelo celular, televisão ou rádio, fica mais fácil chegar até eles.”

CONTILNET – Todos esses recursos contarão como aula normal?

“A gente não pode contar como aula normal porque não tem legislação no Acre que permita contabilizar esse formato como aulas que venham a estar na carga horária de 800 horas. Essas ferramentas servem apenas como suporte no que diz respeito à questão de revisão. Os alunos precisam estar sempre em contato com esses conteúdos. É uma forma de a secretaria dizer: “olha, vocês não estão sozinhos e nem abandonados; mesmo com suas escolas fechadas vocês têm todos esses conteúdos”. Assim, quando o professor voltar, vai ganhar uma turma mais preparada porque se anteciparam em determinados conteúdos.”

CONTILNET – Então é praticamente certo que o ano letivo vai atrasar, correto?

“Infelizmente, sim. A gente vai precisar readequar nosso calendário, junto ao Conselho Estadual de Educação, que é quem normatiza tudo isso. Os demais estados do Brasil também deverão fazer o mesmo.”

CONTILNET – Sabemos que o Acre é um estado pobre e que muitos alunos deixam para fazer pelo menos uma de suas refeições na escola. Como vocês estão se planejando para suprir essa carência?

“De fato, essa é uma grande preocupação não só da secretaria, mas sobretudo do governador Gladson Cameli. Essa busca em querer proteger a população foi muito forte nas orientações que o governador passou para todos os secretários. Para você ter ideia, antes dessa epidemia a gente estava oferecendo duas alimentações por turno, inclusive o almoço, e isso estava sendo um sucesso nas escolas. Aí de repente paramos de forma abrupta. E aí veio a nossa preocupação sobre como não deixar de atender essas pessoas. Dos mais de 150 mil alunos da rede estadual de ensino, 111 mil são de famílias beneficiadas por programas sociais, como o Bolsa Família, por exemplo.”

CONTILNET – 111 mil? É muita gente.

“Sim, 111 mil. Ou seja, alunos que estão em uma situação de pobreza e vulnerabilidade. Então é sobretudo para esse público que a gente estava aí muito preocupado. Inicialmente, a gente não podia pegar o recurso da merenda e comprar sacolão para doar aos alunos porque não havia fundamentação jurídica nisso. A gente tinha o desejo de ajudar, mas não podia fazer nada sem levar em consideração a base legal, para que lá na frente não se cometa nenhum tipo de ilícito. Então o próprio Congresso Nacional aprovou um projeto de lei já sancionado pelo presidente que autoriza a utilização de recursos da merenda escolar para aquisição de alimentos. O nosso governador antecipou essa decisão aqui no estado. Ele fez um decreto dando esses fundamentos jurídicos para que a gente pudesse utilizar a fonte Estadual de recurso para aquisição de cestas básicas.”

CONTILNET – Como vai ser essa distribuição?

“Primeiramente, nós iremos contemplar 125 mil alunos em todo o Acre. Serão milhares de cestas básicas com diversos utensílios, como leite em pó, arroz, feijão e outros itens que uma família precisa para sobreviver por cerca de duas semanas. Esse processo exige uma burocracia jurídica para que todos os trâmites possam ser bem transparentes. Comerciantes locais e regionais participam também, por meio de licitação. Teremos como espaço para poder guardar esse sacolões o antigo depósito da Conab. O Exército Brasileiro vai estar conjuntamente com a Defesa Civil e Bombeiros à frente dessa distribuição. Os itens serão encaminhados para as escolas e os alunos fazem a retirada nas unidades onde estudam, sem nenhum tipo de aglomeração, e depois voltam para casa.”

CONTILNET – O pagamento dos professores vai sofrer algum tipo de alteração durante esse momento de suspensão das aulas?

“Não vai acontecer absolutamente nada com o salário dos nossos professores. Quem conhece, sabe que os professores da rede pública são muitos compromissados. Eu desconheço um professor que não tenha contato com seus alunos. Todos têm. Então essa relação próxima do professor com o aluno na nossa rede de ensino sempre foi muito intensa. O aluno manda mensagem para o professor, pede sugestão de estudo ou até mesmo para desabafar. O estudante precisa disso. Muitas vezes ele acaba não tendo esse tipo de presença constante de um familiar, mas ele tem um professor que o conduz por um bom caminho para que o aluno não acabe se perdendo. Nós temos muitos professores que estão aí produzindo. Recebo diariamente vídeo de professores. Então a gente percebe que a maioria dos nossos professores, mesmo em casa, continua ativa.”

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