Após ficar concentrado no perímetro urbano de Marechal Thaumaturgo, o coronavírus já afeta as comunidades indígenas do município isolado do Vale do Juruá, no extremo oeste do Acre. Nesta terça-feira, 26, foi confirmado o primeiro caso da Covid-19 entre os Jaminawa-Arara que moram nas aldeias da Terra Indígena Jaminawa/Arara do Rio Bajé.
O indígena apresentava os sintomas da doença ainda enquanto estava em sua comunidade e foi para a cidade em busca de auxílio médico acompanhado de outras três pessoas. Ao ser examinado, testou positivo para a doença. Os demais companheiros também passam por avaliação clínica.
“Segundo as informações, na comunidade já tinha várias pessoas [com sintomas] e trouxeram uma pessoa para fazer o exame e deu positivo. A situação agora é o que fazer com esse pessoal lá na aldeia”, diz o prefeito de Marechal Thaumaturgo, Isaac Piyãko (PSD), da etnia Ashaninka.
De acordo com ele, a chefia do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Juruá, sediada em Cruzeiro do Sul, já foi informada sobre a situação. A perspectiva é que um médico seja enviado até a aldeia para uma avaliação mais completa. “Com casos dentro de uma aldeia a gente sempre fica mais preocupado porque eles são mais vulneráveis, têm a imunidade baixa”, avalia o prefeito.
Acessível apenas por avião ou barco, Marechal Thaumaturgo tem uma situação preocupante por não contar com uma estrutura de saúde capaz de atender a população em caso de surto da Covid-19, como a falta de leitos de UTI. Segundo dados da Secretaria de Saúde, o município tem 42 casos confirmados da doença, com 35 descartados.
Os primeiros testes positivos para a doença ocorreram no dia 11 de maio, de três pessoas que foram a Cruzeiro do Sul fazer compras para abastecer seus comércios e contrariam o vírus na principal cidade do Vale do Juruá. Diante da resistência de parte dos moradores de seguir as medidas de isolamento social, o vírus tem se espalhado de forma rápida pela pequena cidade.
Uma das preocupações com a chegada do vírus ao município se dá justamente com os povos indígenas, por representarem parcela significativa dos 18 mil moradores; eles integram o chamado grupo de risco por apresentarem imunidade baixa. Entre os Ashaninka são maioria. As outras etnias a morar pelas aldeias espalhadas pelo município são os, Kuntanawa, Apolina-Arara, Jaminawa, Jaminawa-Arara, os Arara e os Huni Kuin.
Os Jaminawa do rio Bajé estão divididos em quatro aldeias: Buritizal, São Sebastião, Bom Futuro e Fazenda Siqueira. Elas estão distante entre uma hora e meia a três horas da sede urbana de Marechal Thaumaturgo.
Os povos que nelas habitam formam uma verdadeira união – ou mesmo casamento – de distintas etnias. Os Jaminawa-Arara formam a união de duas etnias: Jaminawa e os Arara (Shawãdawa). Os primeiros são originários das cabeceiras dos rio Acre, enquanto os Shawãdawa têm suas raízes no Alto Rio Juruá. Até hoje eles ainda ocupam terras em suas regiões de origem.
Essas uniões ocorreram durante as invasões da Amazônia pelos donos de seringais que chegavam à região para obter lucros por meio da extração do látex. “Devido à situação de escravização, mudança forçada e tudo mais a que os indígenas do Acre ficaram sujeitos durante o período das correrias, da exploração da borracha. Houve circunstâncias em que esses povos se viram tão diminuídos numericamente que, para não desaparecer, acabaram se juntando, realizando casamentos, E os Jaminawa-Arara são considerados o resultado do casamento destes dois povos”, explica a antropóloga Andréia Baia, que estuda as populações indígenas do Juruá e Purus.
Apesar desta união, ambos os povos fazem questão de manter as características de suas origens. Em alguns casos há aqueles que preferiram não recorrer a essa junção. “Existem algumas famílias que não se misturaram, que permaneceram sendo só Jaminawa ou só Shawãdawa. Elas formam os mesmos grupos, moram nas mesmas terras indígenas mas mantêm essa distinção”, completa a antropóloga.
Na região do Juruá estas populações vivem na Terra Indígena Jaminawa/Arara do Rio Bajé. Segundo dados do Dsei Alto Juruá, em Marechal Thaumaturgo elas somam 221 pessoas (dados de janeiro de 2020). Os Jaminawa-Arara também vivem em duas aldeias no município de Cruzeiro do Sul, na região do Igarapé Preto.
Por conta de seu elevado grau de mobilidade entre as aldeias e os centros urbanos, os Jaminawa estão entre os povos indígenas do Acre mais expostos à contaminação pelo novo coronavírus. Na semana passada, uma Jaminawa de Assis Brasil – na região do Alto Acre – foi detectada com a Covid-19. Segundo apurou o blog, desde o começo do ano ela vinha morando na cidade.
Em Assis Brasil, os Jaminawa vivem em aldeias das terras indígenas Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate. Em abril, o blog mostrou o desafio dos Jaminawa que moram no perímetro urbano de Sena Madureira para regressar às suas aldeias ao longo dos rios Iaco e Purus para ficar em autoisolamento, longe da cidade. Grande parte destas aldeias não estão em terras indígenas demarcadas, o que os impede de contar com atendimento médico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SesaI), do Ministério da Saúde.
No Acre há muita confusão sobre os números oficiais da Covid-19, já que a secretaria federal leva em conta apenas os casos dos índios aldeados, ou seja, aqueles que moram nas aldeias. Levantamento feito pelo blog indica que ao menos cinco índios já foram testados positivos, a maioria moradores da cidade.
O caso de Marechal Thaumaturgo pode ser o primeiro ocorrido em aldeia, mas com o vírus contraído a partir de uma ida ao centro urbano, foco da doença. Entre os casos confirmados eles se espalham entre os Huni Kuin, os Jaminawa e Jaminawa-Arara. Desde o início da pandemia os povos indígenas do Acre decidiram se proteger vivendo isolados em seus territórios, impedindo a entrada de não-indígenas, além de reduzir, ao máximo, as idas às cidades.
A Covid-19 e os povos indígenas
Oficialmente, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não apresenta casos de contaminações ou mortes no Acre. A realidade não é a mesma em toda a Amazônia. Os casos mais graves são registrados entre os povos indígenas do Amazonas. Segundo dados da Sesai, até esta terça (26) havia o registro de 905 indígenas testados positivos para a Covid-19, com 42 mortes. Há em análise 321 notificações.
Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estes dados estão subnotificados, pois a secretaria não leva em conta os índios que moram nas cidades, mais expostos ao contágio. Nas contas da entidade, 143 indígenas já perderam a vida para o vírus e outros 1.256 estão contaminados. Ao todo, 67 diferentes povos foram atingidos pelo novo coronavírus.
As principais vítimas são os Kokama, moradores da região do Alto Solimões, no Amazonas. Oficialmente, o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Alto Solimões registra a morte de 19 indígenas. Segundo as lideranças do povo, este número é muito maior pois muitos estão morrendo sem atendimento adequado nas cidades, em especial em Tabatinga, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
Mais informações no Blog do Fabio Pontes.