“Mãe não morre nunca”: Homenagem do jornalista Jaidesson Peres à sua mãe, Elenir

Hoje será o primeiro Dia das Mães sem minha mãe. Há uma semana ela resolveu entrar em um sono profundo, o evento final que os gregos antigos diziam fazer parte do nosso fado, a sorte a que nos submetem forças maiores que teceram nossa existência antes de chegarmos ao mundo. A teia da vida é construída de passagens, e a morte, que nos iguala no gênero humano, pode não ser o fim. De tal modo que hoje não é dia de tristeza. Senão dia de lembrar e exaltar as qualidades de uma mulher pequena, chorosa, mas que não se dobrou às intempéries de uma estrada de 70 anos. Quatro anos após o fim da II Guerra Mundial, a qual reacendeu a marcha de trabalhadores para outra batalha, a da borracha no Acre, nascia no Seringal Piedade, no Rio Purus, Elenir Gomes de Oliveira, filha de um casal de seringueiros que gerou sete rebentos. Desde cedo, Lenir, seu nome hipocorístico, soube o que é labor e (re)elaboração da vida, palavras de origem latina que aludem a dor, fadiga, trabalho. Para estudar, ela me dizia que enfrentava estirão de rio adentro a remo, acompanhada dos irmãos pequenos. Demorava meia hora até chegar à escola, onde só conseguiu frequentar até a quarta série, quando teve que parar por causa de doença. Na mocidade, desenvolta na dança, os raros momentos de lazer eram as festas dos seringais, animadas pela sanfona, que iam até o romper da aurora. Foi nesse tempo que conheceu o fumo, hábito que lhe custou a vida. A porronca, disse-me ainda doente, era distração nos ensolarados dias de faina nos roçados que lhe calejavam as mãos, após o pai abandonar a família. Teve dois filhos, cujos pais renegaram a paternidade, o que lhe obrigou a criá-los sozinha. No meu primeiro ano de vida teve a felicidade de encontrar um companheiro que me adotou como filho. Tornei-me gente sentindo o balançar dos banzeiros e o cheiro de madeira. Lembro-me das pescarias nos igarapés em busca das piabas, um de seus alimentos preferidos, e das histórias aterradoras do malvado “caboquinho da mata”. Preocupada com o futuro do filho, mudou-se para a cidade de Sena, para matricular-me em uma escola e soletrar as primeiras letras. Lá nos instalamos em um bairro onde se apinhavam migrantes que saíam do campo, na perseguição por horizonte melhor. As moradias eram erguidas nos barrancos e a cheia logo atingia as famílias. O sonho dela era que o filho tivesse as oportunidades que se lhe esvaíram. Como boa devota, ensinou-me as primeiras orações e alimentou esperanças de que o filho se tornasse padre, tanto que chegou a apresentar-me ao seminário. Lenir, como tantas mães pretas, pobres, das periferias do mundo, acreditava na educação para mudar o destino de famílias sofridas. Nas cozinhas alheias, como empregada doméstica, não se descuidava de mim e me colocava para ler, ao passo que ela lavava louça, limpava o chão e fazia a comida do patrão. Então vim morar em Rio Branco, onde consegui uma bolsa de estudo, e na despedida ouvi dela antes de entrar no táxi: “Nunca desista de seus sonhos”. Com estas palavras, empenhei-me nos estudos, cursei duas faculdades e busco concluir mestrado.

QUERIDA MÃE, hoje, sem ti, quero homenagear-te e manifestar gratidão. Foste a primeira morada, o primeiro amor, a amiga incondicional. Que o amor seja teu peso, tal como ensina Santo Agostinho, e que ele te acompanhe por onde fores. Em teu nome, também lembro todas as mães chefes de família, mães pobres que sofrem com a violência, mães ribeirinhas, caboclas, parteiras, benzedeiras, índias, seringueiras, pescadoras e todas as mulheres da Amazônia. Faço da poesia de Drummond de Andrade minhas palavras:

Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca

Te amo. Do teu Jaido.

***

O jornalista Jaidesson Peres, que atua na Comunicação do Ministério Público do Estado, escreveu uma homenagem à sua mãe, Elenir Gomes de Oliveira, falecida no último domingo (3), em Sena Madureira, vítima de câncer de pulmão. Natural do município, o jornalista tem formação na área e também em Letras/Português e fala um pouco da história da mãe e a importância dela para a construção da trajetória em Rio Branco.

PUBLICIDADE