Fã de games, Guilherme Nogueira, 23, ficava com os nervos à flor da pele durante os jogos e passava muito estresse na frente do computador. Também dormia mal e pouco, além de comer muito fast-food e ser sedentário. Aos 19 anos, ele sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) e precisou de nove meses para recuperar os movimentos do lado direito do corpo e a fala. Após o problema, mudou o comportamento durante os jogos, adotou hábitos mais saudáveis e hoje usa a própria história para conscientizar outros jovens dos perigos de uma vida estressante e sedentária
“Comecei a jogar videogame com 10 anos e minha rotina era chegar da escola, me trancar no quarto e passar longas horas em frente ao computador. Nas férias, meu tempo era quase todo ocupado com esta atividade, com sessões que duravam das 20h às 10h da manhã do dia seguinte. Esta foi minha vida até os 19 anos, e calculo ter dedicado mais de 5.200 horas aos games.
Em um sábado de novembro de 2016, acordei tarde, comi rápido um pouco de macarrão e fui direto para o computador. Eu disputava um jogo muito competitivo e estava com os nervos à flor da pele. Do nada, comecei a sentir um pouco de dor de cabeça, mas já estava acostumado a ter isso durante as sessões. Só que daquela vez, ela veio muito forte e nem com remédio passou. Também comi um pouco de sal, pois achei que estivesse com a pressão baixa. Até que senti um estouro na cabeça, uma pulsação.
Apesar do incômodo, fui até o fim na competição. Enquanto jogava, pedi para minha namorada, por mensagem, que avisasse minha mãe que algo estava errado comigo.
E senti que não estava bem ao perceber que minha mão direita, que achava estar sobre o mouse, batia os comandos do jogo no ar e que meu braço direito começou a formigar. Estava sozinho em casa e ainda consegui chegar até a sala, deitar no sofá e esperar por ajuda.
Minha mãe tentava conversar comigo por telefone, mas eu já tinha perdido a fala e não conseguia responder. Então, ela se desesperou e ligou para meu irmão mais velho, que estava perto de casa. Foi ele quem chegou primeiro, me pegou no colo e me levou para o hospital.
Lá, descobriram que eu havia tido um AVC isquêmico e que o lado direito do corpo estava completamente paralisado. Os médicos desentupiram a artéria obstruída com um cateter.
Fiquei três dias na UTI. Depois, passei um mês internado, fazendo fisioterapia e fonoterapia, até ser liberado para ir para casa, onde segui com o tratamento por mais oito meses, até recuperar por completo a fala e os movimentos. Cheguei a trancar um semestre da faculdade de sistemas da informação.
Vida mais saudável e nova relação com os videogames
Não gosto de demonizar o uso de videogames, tanto que, apesar de nunca pensar em ser um gamer profissional, atuo na área. Atualmente, trabalho no time de parcerias e criadores de conteúdo na VOQIN’, agência que atende a Xbox Brasil.
Mas admito que tive uma relação sem controle quando era adolescente, que me fez deixar de ter vida social, jogar bola com os amigos, dormir mal e comer cada vez mais fast-food.
O AVC me fez voltar a praticar exercício físico, comer melhor e cuidar do sono. Aprendi que a gente é muito frágil e que eu poderia ter morrido. Nunca usei drogas e bebo muito pouco álcool.
Depois do acidente vascular cerebral, passei a ver a vida de outro jeito. Viajar, ver o sol e não me estressar na frente do computador. Continuo jogando, mas de maneira mais equilibrada e saudável. Como os médicos explicaram, meu problema não ocorreu por conta do tempo que eu passava jogando e, sim, por causa dos maus hábitos alimentares, do sedentarismo e da maneira como me comportava durante os jogos, sempre com os nervos à flor da pele. O estresse elevado e por tempo prolongado, seja de uma pessoa que passa horas jogando games, seja de quem fica horas trabalhando em um escritório, é prejudicial ao organismo.
Por ter aprendido isso, procuro usar o canal de YouTube que eu tenho, o PhoenixBR, para produzir conteúdos para alertar sobre os riscos desta doença entre os jovens e motivar quem está passando por uma situação difícil de saúde”.
Entenda o AVC nos mais jovens
O problema de Guilherme Nogueira é cada vez mais comum entre jovens. Segundo levantamento da Rede Brasil, o AVC é a segunda doença que mais mata no Brasil e no mundo, e só perde para o infarto.
Dos cerca de 400 mil novos casos registrados no país em 2019, cerca de 2% deles, ou seja, 8.000, estão na faixa etária compreendida entre os 18 e 29 anos. Uma pesquisa da faculdade de medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, aponta que o crescimento no número de casos nesta faixa etária está ligado a atividades que gerem estresse e exaustão, como no uso sem controle de videogames e em um estilo de vida mais sedentário.
Há dois tipos de AVC: o isquêmico e o hemorrágico. No primeiro caso, o entupimento de um vaso sanguíneo pode causar perda da força, formigamento de uma parte do corpo, tontura, dificuldade na fala e na compreensão. Já no segundo caso, considerado mais agressivo, acontece o rompimento de um vaso sanguíneo ou artéria, com vazamento de sangue para o organismo e causa uma hemorragia interna.
É preciso ficar atento a alguns sintomas, como a diminuição ou perda súbita da força na face, braço ou perna de um lado do corpo; alteração súbita da sensibilidade com sensação de formigamento na face, braço ou perna de um lado do corpo; perda súbita de visão; alteração aguda da fala; dor de cabeça súbita e intensa sem causa aparente; náuseas ou vômitos.
Como prevenção, recomenda-se levar uma vida saudável, com prática regular de atividade física, evitar o consumo de fumo e álcool, dormir bem e controlar a pressão.
Fontes: Priscila Gasparini Fernandes, psicóloga clínica e psicanalista com doutorado em neuropsicologia e neuropsicanálise pela USP (Universidade de São Paulo) e Sheila Martins, doutora em neurologia pela USP e presidente da Rede Brasil AVC.
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