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Brasileira campeã mundial pega 16 meses de gancho em escândalo de doping no handebol: “Podia ser pior”

Por GLOBO ESPORTE

A notícia passou despercebida para muita gente. Depois, acabou esquecida. Quatro jogadoras foram afastadas preventivamente das respectivas seleções nacionais de handebol cerca de 20 dias antes da disputa do Campeonato Mundial feminino no Japão, em novembro do ano passado. Duas romenas, uma montenegrina e uma brasileira, Elaine Gomes. Aos 28 anos, a pivô cearense disputava a primeira temporada pelo Corona Brasov, da Romênia. E o clube se envolveu em um escândalo de doping. Todas as 16 jogadoras do time foram preventivamente suspensas em 19 de novembro de 2019. Em uma clínica de Brasov, no fim de outubro, elas passaram por um tratamento, proibido segundo regras mundiais antidopagem, com aplicação de laser intravenoso para melhor recuperação física. O presidente e o médico do clube, porém, dizem que não sabiam que a terapia no sangue é considerada doping.

– Eles falaram que não sabiam. Dizem até hoje que não sabiam. Porém, eu, ninguém acredita nisso – afirma Elaine ao GloboEsporte.com

Era a primeira temporada de Elaine no Corona Brasov. Em agosto, a pivô brasileira tinha conquistado a medalha de ouro do Pan de Lima com a seleção brasileira, o que garantira a vaga do país nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mas três meses depois o rumo da história seria outro. Elaine já estava no Japão quando foi afastada da seleção brasileira que disputaria o Mundial, competição que ela foi campeã em 2013. A investigação sobre o clube mostrava que o médico do time tinha usado uma terapia intravenosa a laser no sangue das atletas, o que é proibido segundo as regras da WADA (a Agência Mundial Antidoping). Na última quarta-feira, dia 10 de junho, sete meses após o escândalo vir à tona, saiu a sentença da ANAD (a agência nacional antidoping do governo da Romênia): todas as jogadoras e os principais dirigentes do Corona Brasov foram considerados culpados e estão suspensos. Agora eles têm 21 dias para recorrer. Elaine pegou 16 meses de pena. Está proibida de jogar handebol.

– Eu fiquei feliz e triste ao mesmo tempo. Foi um alívio finalmente ter tido uma definição. Claro que a gente queria já estar liberada para jogar, mas o meu advogado tinha dito que poderíamos pegar até dois anos. Então isso quer dizer que ganhei oito meses. Eu sempre tento pensar pelo lado positivo da coisa. Sei que podia ser pior. Agora a gente parte para essa segunda etapa que é tentar o congelamento de uma parte da pena, porque assim estaria liberada para jogar a partir de setembro e conseguiria disputar a temporada 2020/21. Já fiquei muito tempo longe das quadras, foi e está sendo uma época muito difícil para mim, não só emocionalmente como financeiramente. Mas agora eu só quero pensar e vibrar positivo para que a gente consiga esse congelamento e eu possa fazer o que eu mais amo na vida – explica Elaine, diretamente de Fortaleza, onde passa a quarentena.

Elaine não quer deixar a notícia passar despercebida. Nem deseja que ela seja esquecida. Está sem receber salário do clube desde dezembro. E ficar um ano e quatro meses sem jogar handebol seria também dar adeus ao sonho de disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados para ter início em 23 de julho de 2021 por conta da pandemia do novo coronavírus. Se mantiver a punição anunciada na semana passada, ela poderia retornar às quadras apenas em março do ano que vem. Por isso a tentativa do advogado da brasileira e de outras cinco atletas, o romeno Mincu Paul Alexandru, é fazer com que a pena seja reduzida ou congelada. Se conseguir, a pivô já poderia jogar o segundo semestre por algum time europeu. A apelação à agência antidoping da Romênia precisa acontecer em 21 dias. Além de Elaine, outras 16 jogadoras pegaram entre 15 e 20 meses de suspensão. O ex-presidente do clube, Liviu Dragomir, pegou dois anos e seis meses de pena; a diretora técnica, Mariana Tarca, dois anos; e o médico Marius Capra levou a maior punição, com quatro anos de afastamento. O médico, porém, mantinha contato com a clínica para saber do tratamento desde 26 de junho. Ou seja, tempo suficiente para saber que era proibido pelas regras da WADA.

– Primeiro de tudo, ninguém pode obrigar as jogadoras a fazerem algum procedimento proibido. De acordo com as regras da WADA, o culpado é aquele que faz o procedimento proibido. Esta é a grande pergunta: por que ninguém da equipe, diretor técnico da equipe, treinadores, equipe médica, jogadores não disseram nada? Como ninguém não sabia que esse procedimento é proibido? É o grande mistério. As jogadoras foram levadas a fazer um procedimento proibido. E esse procedimento foi proposto pelo médico da equipe – afirma ao GloboEsporte.com o então presidente do Corona Brasov, Liviu Dragomir, que cumpre pena de dois anos e seis meses de suspensão. O médico não respondeu ao contato feito pela reportagem.

Além das atletas, os responsáveis pelo time de handebol do Corona Brasov foram considerados culpados também. O médico da equipe pegou a maior pena por ter indicado a aplicação de uma terapia na qual um cateter é posicionado na veia e um laser é utilizado para expor o sangue a um feixe luminoso com intensidades específicas. O procedimento faria com que a recuperação de atletas e a cura de lesões seja acelerada. O clube alega que não visava o aumento de desempenho esportivo. A WADA proibe “qualquer forma de manipulação intravascular do sangue”.

Elaine conta que foi levada apenas uma vez à clínica em Brasov para a aplicação junto às outras jogadoras, mas fizeram o tratamento separadamente. No depoimento, por escrito, disse que pediu explicações ao médico, que disse não ser doping. A brasileira ainda disse que não percebeu efeitos, além de uma dor de cabeça. A denúncia foi feita por uma equipe rival do Corona Brasov na Romênia, depois que uma jogadora postou foto do procedimento em uma rede social.

Ainda segundo Elaine, foi informado que era um tratamento que as jogadoras fariam apenas como recuperação física. A brasileira contou que exitou inclusive no dia da aplicação, chegou a perguntar a funcionários da clínica se aquilo não era doping, pois não tinha conhecimento do que o clube estava propondo. Foi dito que não era proibido. Ela, como as outras jogadoras, assinou um documento de consentimento em romeno, apesar de não falar a língua.

O último jogo que a brasileira disputou foi em 18 de novembro de 2019. Em seguida viajou para se apresentar à seleção no Japão. Apenas durante a preparação com a seleção brasileira foi avisada que seria desligada da delegação e não disputaria o Mundial. Em 2 de dezembro recebeu a carta com a suspensão preventiva. Ainda de acordo com Elaine, a expectativa era receber uma punição de seis meses. A pivô diz ter duas propostas de clubes da Romênia para jogar após a suspensão. O contrato com o Corona Brasov foi rompido e as jogadoras não receberam mais salários. A alegação, claro, foi o doping. Mas a brasileira segue com a esperança da redução da pena até o fim do mês e, consequentemente, a chance de disputar a Olimpíada de Tóquio, no ano que vem.

– Pensando em treinamento, eu irei me preparar muito mais forte porque agora eu tenho chances claras de jogar uma Olimpíada. E óbvio que eu já estou pensando na minha pré-temporada na Europa. Os times começarão a treinar em julho. Então é focar nisso, continuar grata e esperar me preparando muito enquanto o meu advogado dá entrada na parte do congelamento pensando que será possível jogar em setembro. Em relação às contratações, eu e a minha empresária já estamos vendo as melhores propostas, onde seria melhor estar nessa temporada tão importante antes da Olimpíada. As propostas já existem, e o que eu mais quero é poder aceitar e continuar a viver a minha vida. Estou mais motivada do que estava antes. Meu único desejo é que tudo se esclareça logo e eu possa voltar a jogar defendendo meu clube e a seleção brasileira. Quero continuar levando o nome do meu estado e do meu país para o mundo inteiro – diz Elaine, que não conta com nenhum rendimento financeiro há sete meses.

Elaine passou por testes antidoping depois de o caso estourar e em nenhum deles testou positivo. O clube romeno também possui equipes profissionais de futebol, polo aquático, hóquei no gelo e esqui alpino. No handebol feminino, era uma potência no país e brigava para entrar no seleto grupo dos melhores da Europa. A Romênia, assim como o Brasil, já foi campeã mundial. O país europeu ainda possui outros três pódios em mundiais. As brasileiras já estão classificadas para os Jogos Olímpicos de Tóquio. As romenas ainda buscam a vaga olímpica em uma qualificatória mundial em março de 2021.

QUE TRATAMENTO É ESSE E POR QUE É DOPING?
Segundo a clínica Iomed, de Brasov, que realizou o tratamento nas jogadoras do clube Corona, nessa terapia alternativa o sangue é exposto diretamente a um raio laser de baixa intensidade para tratar distúrbios osteomusculares, mas também é preventivo para distúrbios causados ​​por esforço contínuo (no caso de atletas) ou como resultado do processo de envelhecimento. A clínica indica 10 sessões, com duração entre 20 minutos e uma hora. As jogadoras dizem ter feito apenas uma.

A aplicação é feita por meio da inserção de cateter com fibra óptica em canal vascular, normalmente no antebraço. Desta forma, ocorre a irradiação do sangue por luz de baixa potência, gerada por laser, para provocar os estímulos na circulação, com fins terapêuticos. A terapia intravenosa foi desenvolvida na Rússia, nos anos 1980, para tratamento de doenças cardiovasculares. Atualmente é usada para melhorar o fluxo sanguíneo e ter um efeito positivo no sistema imunológico e no metabolismo celular. Também poderia ser usado no tratamento de dores crônicas por causa de seus efeitos anti-inflamatórios.

De acordo com a WADA, desde 2013, é proibida “qualquer forma de manipulação intravascular do sangue ou de componentes sanguíneos por meios físicos ou químicos”. A proibição está descrita na seção M1, que trata da “manipulação de sangue e componentes sanguíneos”.

SELEÇÃO BRASILEIRA
O técnico da seleção brasileira feminina, o espanhol Jorge Dueñas, diz não ter sido informado sobre o tratamento realizado pelo Corona Brasov nas jogadoras.

– Foi o clube que lhes disse para fazer um tratamento para se recuperar melhor, porque eles tiveram muitos jogos e viagens – diz, ao GloboEsporte.com, o treinador que não descarta a convocação da atleta que manteve no grupo do Mundial do ano passado até dias antes da estreia.

– Todas as jogadoras brasileiras podem ser selecionados. Se ela continuar jogando e estiver em um bom nível, posso contar com ela. Você sempre tem que pensar que outras jogadoras podem estar bem, mas ela já está trabalhando com o grupo. Vamos ver como a sanção dela evolui. Se ela estiver em condições em 2021, pode estar na equipe nacional – conclui Dueñas.

Em nota, a CBHb (Confederação Brasileira de Handebol) disse que não sabia do tratamento quando Elaine o realizou e que está acompanhando a atleta durante a quarentena.

– A situação foi inesperada. A Confederação Brasileira de Handebol, através dos membros da comissão técnica da seleção feminina, ofereceu todo o suporte e apoio possíveis a Elaine durante os dias que sucederam o resultado, em dezembro de 2019. Até o presente momento, a equipe multidisciplinar da seleção tem assistido a atleta na prescrição de treinos e dieta. Foram 16 meses de suspensão, determinados na última quarta-feira com retorno previsto para março de 2021. Contudo, há a possibilidade de ‘congelamento’ de ¾ o que anteciparia o retorno para setembro de 2020. Elaine não está e não esteve fora da lista-larga da seleção brasileira. O contato com a comissão técnica e com as colegas de equipe continua, mas, por enquanto, é esperar a ação dos advogados – diz a CBHb em nota.

A DEFESA
O advogado romeno Mincu Paul Alexandru defende a brasileira Elaine Gomes e as jogadoras Cristina Laslo , Daciana Hosu , Bianca Bazaliu, Ivona Pavicevic e Marilena Neagu. Ao GloboEsporte.com, ele disse que foi pedido que não houvesse suspensão, pois as jogadoras foram “vítimas”. No entanto, a agência nacional romena entende que a tolerância com doping é zero. Assim, o passo seguinte que deu representando as atletas foi pedir que a pena seja reduzida, com o congelamento de 3/4 da suspensão. Desta forma, as jogadoras voltariam a atuar no segundo semestre de 2020.

– Apenas para fazer uma comparação, para entender melhor a situação em que as meninas estão neste momento: quando você se machuca no campo de jogo, mesmo sem a sua culpa, você ainda terá que fazer uma pausa para a recuperação. É algo que você não pode evitar e precisa obedecer compara o advogado.

Eliza Buceschi, a atleta do Corona Brasov e da seleção da Romênia, também está na expectativa da redução da pena. A companheira de clube de Elaine Gomes reforça que o discurso dos dirigentes e médicos sempre foi de que a terapia não era doping.

– Não acho que alguém soubesse que esse tratamento era considerado dopado. O próximo passo é pedir que eles “congelem” a punição na metade, para que possamos jogar a partir da próxima temporada. Colaboramos com eles (da agência antidoping) e eles provavelmente sabem que não fizemos isso de propósito. E temos advogados que cuidam do caso e tentam tornar essa situação a melhor possível para nós – diz Eliza ao GloboEsporte.com.

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