O mês de julho começou com fortes emoções na fazenda São José, localizada a 50 km de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul. Tudo graças à aparição ilustre do maior felino das Américas: a onça-pintada.
“O pessoal da fazenda estava recolhendo o gado no pasto bem cedo e percebeu uma marca de que um animal havia sido arrastado, foram verificar e encontraram um bezerro abatido”, conta Joana Murano, proprietária do local.
Para descobrir quem poderia ter predado o animal, a equipe de guias que atua na pousada, onde é realizado turismo ecológico, instalou uma câmera próxima à carcaça do animal que sofreu o ataque. O equipamento foi colocado no mesmo dia em que a presa foi encontrada e o material foi verificado na manhã seguinte.
“Quando a gente recolheu a câmera tinham várias imagens da onça comendo, ela tinha atacado um bezerro que pode ser considerado relativamente grande. Ela tinha deixado o animal lá, instalamos o equipamento e logo depois ela voltou ao local para se alimentar”, comenta.
Após o flagrante a onça-pintada arrastou o bezerro para outro território e a equipe reposicionou a câmera. Para a surpresa de todos, mais registros foram obtidos.
Os ataques de onças ao gado são considerados comuns e os relatos são históricos em propriedades no Pantanal, seja na região Sul ou Norte. Para a grande maioria dos fazendeiros o felino é visto como vilão, pois a perda do gado resulta em um prejuízo da renda local. Sendo assim, muitas onças acabam sendo eliminadas pelos proprietários que procuram se vingar do animal pelo dano adquirido. Mas para Joana, apesar de ter um prejuízo, saber que o animal está pelos arredores é uma boa notícia.
“Esta questão do abate do gado pode ser prejudicial se ocorrer de forma descontrolada, mas por enquanto aqui não sentimos esse impacto e é sempre uma grande alegria poder ver e saber que têm animais como esse circulando pela nossa propriedade” acrescenta.
Apesar do Pantanal ser considerado a terra das onças, nem sempre é fácil encontrar o grande predador, ainda mais na região Sul deste domínio natural. Na área de 2.300 hectares da fazenda a equipe já captou algumas imagens do felino, inclusive cenas semelhantes de predação e é justamente a dificuldade de avistá-lo em campo que torna cada registro ainda mais especial.
“É um animal difícil de ver, para a gente observar uma onça durante passeios aqui é bem raro, e por isso a gente instala as câmeras sempre que tem algum indício como presa ou pegadas em algum lugar, para garantir a imagem dela”, diz.
Entre alguns momentos marcantes captados do felino na fazenda está uma imagem que mostra quatro onças-pintadas juntas se alimentando de uma carcaça, o registro foi feito em 2015.
A fazenda é um dos refúgios da vida selvagem no Mato Grosso do Sul. Recebe a visita de muitos bichos, como tamanduás, jaguatiricas e diversas aves, entre elas, o príncipe-negro e a arara-azul, um dos símbolos do Pantanal. Atualmente a propriedade está vinculada a dois projetos de conservação: o Instituto Tamanduá e o Instituto Arara Azul.
Onça x gado
No Pantanal Norte a onça-pintada tem um grande impacto na economia com o turismo de observação da vida selvagem. Pesquisas apontam que o felino movimentou milhões de reais nos últimos anos com a atividade. Não à toa, profissionais ressaltam que a vida do animal é extremamente importante para o equilíbrio do ecossistema e também para a renda da população local, inclusive dos fazendeiros.
“A predação por onça geralmente nunca é mais do que 1 a 3% do inventário do gado, existem outros fatores que causam muito mais mortalidade. É importante falar que matar a onça não vai resolver o problema porque muito provavelmente vai vir outra onça para predar, o que acaba se tornando um ciclo vicioso. O que é preciso fazer é romper este ciclo e adotar métodos para reduzir a perda do gado por predação de onça”, explica Rafael Hoogesteijn, supervisor geral da Panthera Brasil.
Para evitar maiores conflitos entre homem e onça, os pesquisadores da ONG Panthera Brasil estudam e divulgam medidas que podem ser adotadas por proprietários de terras pantaneiras para conviver sem problemas com o maior felino das Américas.
Estratégias incluem um manejo especial em relação às vacas prenhas e aos bezerros pequenos, que são os principais alvos do predador, uso de cerca elétrica para não permitir a saída do gado e a entrada da onça, e ainda usar o método do curral com fechamento noturno e luzes especiais.
As posturas são apropriadas, principalmente para fazendas pequenas e medianas. No Pantanal do Mato Grosso do Sul os pesquisadores já estão obtendo retorno positivo das estratégias aderidas.