*Por Joanna Maria Franca Mansour. Auditora Fiscal e Mestranda em Educação UFAC; Professora Universitária e Especialista em Direito Civil. Membro Efetivo da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC e Associada IBDFAM.
“(…) Durante um ano, Renato deixou de depositar a pensão. Maria Paula não executou a dívida. (…). Pior não era a falta do dinheiro. A ausência de Renato machucava Luísa. Era o único momento em que Maria Paula se permitia um contato com o ex-marido para quase implorar a sua presença. Sabia da intensidade do sofrimento da filha. Ele prometia e não aparecia” – Trecho da obra A VIDA NÃO É JUSTA, de autoria da Juiza Andréa Pachá.
A questão do abandono afetivo no ordenamento jurídico brasileiro não é fato incomum na história, muito menos alguma novidade na realidade das famílias espalhadas por todo o nosso país. No ano em que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) completa seus trinta anos de existência, é comum observar que muitas crianças e adolescentes ainda sofrem com essa situação.
É interessante ressaltar que o abandono afetivo para os Tribunais Superiores, consiste na falta de cuidados materiais dos pais em relação aos seus filhos, ou seja, no ato de privar-lhes da educação, guarda e companhia, alimentos, vestimentas, dentre outras obrigações diretamente ligadas ao exercício do poder familiar; mas em nenhuma delas encontramos o verbo amar!
O direito não tem um dispositivo expresso que determina que amemos aos nossos pais, filhos e cônjuges/companheiros, mas que temos somente o dever de cuidado, solidariedade em decorrência do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, insculpido na Constituição Federal. E é aqui onde eu quero entrar. É claro que precisamos da ajuda material para termos uma vida mais digna, todavia, o amor, é a força que nos motiva a sermos mais fortes e a seguirmos em frente quando muitas vezes nos falta o chão. É o amor, o carinho e a atenção que, juntos, auxiliam no desenvolvimento saudável daquele menor, de forma a trazer-lhe segurança, conforto e saúde mental.
Mas, infelizmente nem toda criança tem a sorte da convivência com seus pais. Muitas são abandonadas e esquecidas, sendo criadas por apenas um de seus genitores (ou por outro membro de sua família). E esta situação tem se agravado absurdamente nesse novo cenário que estamos vivendo: o isolamento social. Muitos pais que não têm a posse direta dos filhos, mas mantém o direito de visitas, aproveitando-se desta caótica situação imposta pela COVID-19, têm reduzido drasticamente a quantidade de visitas aos seus filhos, ou aproveitado para cortar de vez os laços de convivência com eles.
Dessa feita, na explosão de casos em que os pais pleiteiam a retomada da convivência com os filhos – por vezes, suspensa em razão da pandemia – um caminho alternativo encontrado pelos magistrados tem sido justamente a determinação do contato por ligações ou chamadas de vídeo – isto é, o chamado contato virtual.
Diante disso, por conta desse novo momento, podemos identificar o abandono afetivo como o afastamento de convivência, não somente pela forma presencial, agora também, pela modalidade virtual, já que com os meios adequados não há porque escusar-se de manter tal contato.
No mais, é bom lembrar que o abandono afetivo é considerado um ilícito civil, passível de indenização. A doutora em Direito e membro do IBDFAM, Giselda Hinoraka, destaca que “a ocorrência da responsabilidade civil por abandono afetivo decorre da culpa do genitor, por imprudência ou negligência, sendo assim mais difícil a sua configuração. E, mesmo que comprovada a culpa do pai, é necessário que ocorra a perícia psicológica para que se comprove e esclareça a patologia sofrida pela prole abandonada, há a necessidade de se estabelecer ainda o nexo de causalidade existente entre os danos ocorridos e a culpa do genitor”.
Por isso, é no âmbito do Direito Civil que se encontra o meio legal de se buscar essa reparação, no art. 186, CC, sem, contudo, fundar-se no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e no dever cuidado dos pais para com seus filhos, além da convivência familiar todos previstos na Constituição Federal; e, ainda, há respaldo no Estatuto da Criança e na jurisprudência de muitos tribunais espalhados pelo país.
De outra banda, como tal indenização não é calculável em números concretos, é necessário que o Juiz, atuando com bom senso, arbitre o valor a ser pago a título indenizatório, devendo tal montante ser baseado no binômio necessidade-possibilidade, além do equilíbrio das prestações, tendo um caráter meramente pedagógico. O Estado-juiz deve buscar o balanceamento na aplicação do quantum indenizatório, para que o afeto não vire algo mercantilizado, observando caso a caso com a devida cautela e bom senso processual.
Por fim, registro aqui a existência do abandono afetivo inverso, que também vem aumentando suntuosamente, e consiste no abandono dos pais idosos por seus filhos, que os deixam sem condições de sobrevivência, retirando-lhes o direito de envelhecer dignamente.