Os três pilares do ‘capitalismo sábio’ das empresas japonesas (e seu contraste com o capitalismo de Wall Street)

O professor da Escola de Negócios da Universidade de Harvard Hirotaka Takeuchi estuda há anos as políticas de inovação das empresas japonesas e como elas reagem em tempos de crise.

O foco é principalmente nos desastres naturais, já que o Japão está constantemente exposto a terremotos, tsunamis, tufões e erupções vulcânicas de grande magnitude, com altos níveis de mortalidade e com profundas consequências econômicas.

O país também enfrentou crises econômicas como a chamada “Década Perdida” dos anos 90, a Grande Recessão de 2008 e agora, assim como o resto do mundo, os efeitos da pandemia de covid-19.

A questão principal é: como as empresas japonesas sobrevivem a esses desafios e quais lições o Ocidente pode tirar dessa experiência?

“As empresas japonesas praticam o capitalismo sábio e não o capitalismo de Wall Street”, diz Takeuchi. Em poucas palavras, ele diz, há um investimento na comunidade e não apenas a concentração em obter lucro.

Em entrevista à BBC News Mundo, e em um tom mais filosófico do que financeiro, Takeuchi argumenta que o desenvolvimento das empresas geralmente se concentra em três aspectos profundamente enraizados na cultura:

 

1. Longevidade

O país asiático se destaca por sua longevidade corporativa: 40% das empresas que existem há mais de 300 anos no mundo estão no Japão, diz Takeuchi.

“Há empresas que ficam paralisadas no curto prazo e desenvolvem planos estratégicos de cinco anos, enquanto muitas empresas japonesas pensam nos próximos 100 ou 200 anos.”

O pesquisador utiliza o conceito de “criar o futuro” (“make the future”, em inglês), no sentido de olhar para um horizonte de longo prazo e construir um caminho sustentável.

Um exemplo dessa abordagem é a empresa de doces Toraya Confectionery, fundada no século 16 e que permanece nas mãos da mesma família há 17 gerações, ou a empresa farmacêutica Takeda, fundada em 1781.

Outras empresas japonesas mais conhecidas no ocidente, como Toyota, Canon, Komatsu, Suzuki, Panasonic ou Toshiba, são muito mais recentes e estão em operação há cerca de 100 anos.

Independentemente do momento de sua fundação, Takeuchi argumenta que a visão do futuro é uma das características do desenvolvimento corporativo japonês que marca uma diferença clara em relação aos planos de desenvolvimento que as empresas ocidentais costumam fazer.

 

 

2. Liderança

Outro ponto chave do sucesso das empresas japonesas é uma boa liderança corporativa.

Isso significa que não sejam guiadas por métricas externas ao medir suas realizações, explica Takeuchi, mas preferem “uma perspectiva de crescimento que nasce dentro da empresa” e se desdobra para o mundo externo; uma estratégia de dentro para fora (“inside out”, em inglês).

Seguir esse caminho implica que, em situações de emergência ou catástrofe, a empresa está disposta a seguir a intuição do líder da corporação.

“No Japão, a origem da estratégia é mais baseada no sonho do fundador ou do diretor executivo”, explica o pesquisador.

“Sua origem não está na análise de dados. Para nós, é importante ouvir o líder. Chamamos isso de conhecimento tácito. É uma abordagem centrada no ser humano, baseada em suas crenças”.

Essa intuição é particularmente útil, diz o especialista, quando são necessárias respostas rápidas a circunstâncias adversas, colocando em prática “o valor do bem comum”.

Quando ocorre um desastre, “um elemento-chave para o sucesso de uma empresa é sua agilidade”, diz ele, citando como exemplo a reação de empresas como Lawson, Yakult, Yamato ou Uniqlo após o terrível terremoto de 2011, guiadas por forte determinação de seus líderes.

“A primeira coisa que eles pensaram foi em como ajudar funcionários e clientes afetados, e não no lucro.”

Mas, em questões de liderança, do ponto de vista ocidental, várias empresas japonesas são criticadas por terem uma estrutura de comando excessivamente vertical, da qual os funcionários têm medo de discordar.

Sobre isso, Takeuchi diz que é muito difícil generalizar. “Existem exemplos como a Toyota, onde é aceitável confrontar seu chefe”, diz ele.

 

 

3. Empatia

“Muitas empresas japonesas se colocam no lugar umas das outras”, diz ele.

“A empatia faz parte da tradição do nosso país, porque somos constantemente atingidos por desastres naturais.”

Takeuchi diz que as mães no Japão ensinam empatia às crianças desde cedo.

“Então, quando chega uma crise, somos capazes de nos colocar no lugar dos funcionários que estão sofrendo”, afirma.

“A última coisa que você quer fazer é demitir os trabalhadores afetados pelas consequências da crise.”

Como exemplo de “empresas sábias” que praticam empatia, o acadêmico menciona algumas como Toyota, Komatsu e Honda, que têm boa reputação.

Takeuchi argumenta que, quando ocorre um desastre natural, esses tipos de empresas tentam evitar demissões.

No entanto, ele sabe que nem todas as companhias japonesas seguiram o mesmo caminho.

“As empresas japonesas agiram de forma irresponsável e cometeram erros no passado, mas estão tentando não cometê-los novamente”, diz ele sobre práticas de abuso no ambiente de trabalho e poluição ambiental.

Além dos casos mencionados pelo professor de Harvard, a Agência de Serviços de Imigração do país recebeu várias queixas nos últimos anos sobre abuso de trabalhadores migrantes.

Outro ponto obscuro no mundo do trabalho japonês é um fenômeno chamado “karoshi”, que se refere à morte por excesso de trabalho. Não é de se surpreender que o país asiático seja famoso por sua extensa jornada de trabalho.

 

 

‘Não são muito populares em Wall Street’

A despeito disso, “muitas empresas japonesas não são muito populares entre as pessoas em Wall Street porque não estão focadas em ser mais lucrativas e maximizar o valor para os acionistas”, diz o acadêmico.

“Uma empresa é um instrumento da sociedade”, pontua Takeuchi. “A sociedade permite que você exista desde que você ofereça algum tipo de valor à comunidade.”

O problema surge quando as crises chegam e as perspectivas econômicas se complicam.

“A boa notícia é que, durante crises econômicas, os acionistas das empresas japonesas não exigem os mesmos benefícios que tinham antes”, diz o pesquisador.

E é essa atitude que permite ao diretor executivo ter uma abordagem diferente dos problemas, segundo ele.

“Os acionistas no Japão entendem que há uma crise e diminuem suas expectativas. Isso não acontece em Wall Street.”

Mas, à medida que as fronteiras nacionais são cada vez mais desfocadas, as empresas se internacionalizam e o fluxo de capital de um país para outro aumenta. Nesse contexto, um número crescente de investidores estrangeiros está entrando em empresas japonesas.

“Eles estão exigindo retornos mais altos para os acionistas, mas ainda são uma minoria no Japão.”

Essa pressão existe, mas há uma grande diferença, diz Takeuchi. “Apreciamos a sabedoria. O conhecimento se torna obsoleto, mas a sabedoria passa de geração para geração.”

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