Entregador que foi alvo de racismo tem emprego novo “dos sonhos”

“Você nunca vai ter nada”. Essa foi uma das ofensas ouvidas por Matheus Pires, 19, quando foi vítima de injúria racial enquanto fazia uma entrega num condomínio de alto padrão em Valinhos, cidade onde mora no interior de São Paulo. O ato de discriminação que viralizou na semana passada comoveu a internet e causou uma reviravolta na vida do motoboy.

Desde então, Matheus concedeu entrevistas, ganhou moto, computador e cerca de R$ 200 mil arrecadados em uma vaquinha online. Além de tudo isso, o garoto de Valinhos ganhou a oportunidade de trabalhar com algo que gosta para uma grande agência de publicidade de São Paulo: edição de vídeos.

O convite foi feito pelo empresário Rapha Avellar, 29, CEO da agência Avellar e da Cria School. Matheus já acompanhava o trabalho de Rapha nas redes sociais, e já tinha trocado mensagens com ele há mais de dois anos.

“O Matheus é um dos 27 mil DM’s que eu devo ter respondido nesses últimos anos. Ele era muito fã, seguia a agência antes mesmo de me seguir e era super interessado no conteúdo, apesar dos seus 16, 17 anos”, conta Rapha em entrevista a Ecoa.

Matheus é apaixonado por edição de vídeos e marketing digital. No fim do ensino médio, ele pegava pequenos jobs de edição num site para freelancers, chegando até a montar uma microempresa com outras profissionais para pegar mais trabalhos pela plataforma.

“Comecei a estudar edição de vídeo, sem curso, sozinho mesmo. Às vezes não conseguia fazer alguns trabalhos, então contratei uma pessoa, como sócio, para abrir o leque de oportunidades de trampo. Esse foi meu primeiro negócio”, conta o garoto, que mesmo com a pouca idade já sabe o que é uma experiência de “falência”.

“Eu não consegui pagar o computador, tive que vender, perdi o trampo fixo de jovem aprendiz que eu tinha. Vendi pelo valor das parcelas que estava faltando para pagar”, lembra Matheus.

Por conta disso, ele ficou apenas com o trabalho como motoboy, bico que fazia algumas vezes na cidade. Mas estas estão longe de serem as suas primeiras experiências profissionais: “já trabalhei em mercado, empacotando compra, já teve uma vez que entreguei panfleto, sempre informal.”

Convite surgiu após troca de mensagens no passado

No sábado (8), Rapha estava em casa quando viu a repercussão do vídeo que havia viralizado no dia anterior e percebeu que o garoto que rebateu as ofensas no condomínio era o mesmo com quem trocava mensagens pelo Instagram.

“Foi chocante. É o tipo de situação que não era para acontecer dentro de 2020, não era para isso ser possível”, conta o empresário, que depois mandou mensagem ao Instagram de Matheus para tentar oferecer um apoio ao garoto.

“Meu irmão, que loucura o que rolou contigo, só te digo uma coisa: nada acontece por acaso e a forma como você se comportou é exatamente o motivo das coisas maravilhosas que vão acontecer contigo agora. Conta comigo se quiser refletir algumas decisões importantes para você”, escreveu Rapha para Matheus.

Desde este contato após o episódio no condomínio, Rapha e Matheus começaram a conversar também pelo WhatsApp, até que surgiu o convite para o garoto vir a São Paulo e assinar uma oportunidade de emprego. Além disso, Matheus também ganhou uma bolsa de estudos para o curso de marketing da escola de Rapha, a Cria.

“Eu sinto que tenho muita propriedade para estar perto dele. Eu já o ouvia quando ele tinha 16 anos, cheio de planos, de dúvidas. Eu não quero nada dele, o convite para ele vir para a Avellar veio do fato que agora ele já é maior de idade, terminou os estudos. Antes ele estava empreendendo e agora ele definiu, depois dessa empresa falida dele, que precisa aprender um pouco mais antes de começar o negócio. E eu falei que a porta estava aberta para ele”, conta o empresário.

Além da “reunião de negócios” com o empreendedor que admirava, Matheus também pode estar em contato com outras figuras relevantes do meio corporativo, como Ricardo Dias, vice-presidente de marketing da Ambev, e o youtuber Thiago Nigro, do canal O Primo Rico, que oferecerá uma mentoria financeira ao, agora, ex-entregador.

Um futuro pela frente

Nessas reuniões, ficou decidido que Matheus não precisaria se mudar para São Paulo para trabalhar na agência. Ele poderá editar os vídeos em regime de home office em Valinhos, mesmo após o fim da pandemia. Também ficou para o jovem a opção de construir uma carreira dentro da empresa ou de usar a bagagem e experiência alcançadas ali para construir sua carreira também como empreendedor. A segunda opção agrada mais aos planos que Matheus tem para a carreira:

“Não tenho essa pretensão de mudar para São Paulo. Minha vida está aqui. Meu objetivo sempre foi trabalhar por conta, ter meu próprio negócio, seja qual for. Embora eu vá trabalhar como funcionário dele, ele está me abrindo portas para o crescimento profissional. O foco agora é aprender mais sobre edição de vídeo porque tudo que eu aprendi foi na raça, sozinho”.

Para Rapha, ter o Matheus como um possível concorrente no mercado publicitário daqui uns anos não seria nem um problema nem algo inédito em sua trajetória: “Se ele quiser ficar, fazer carreira, beleza, ele fica. Mas se ele quiser só ficar uns seis meses, aprender o que a gente faz e abrir uma própria agência, manda bala! Já fiz isso por outras pessoas, tenho vários funcionários que passaram por aqui, ficaram um ano comigo e depois abriram seus negócios”, conta o empresário.

Quanto à “fama” que alcançou durante a última semana, esta Matheus não faz questão de manter, apesar de estar colocando os dois pés no mundo do marketing.

“Muita gente fala que eu posso usar minha imagem, ser um influencer. Aconteceu isso de eu virar uma pessoa pública, mas não é o meu estilo. As pessoas me mandam e-mail para parceria, para participar de live, de programa, mas não estou aceitando nada. Estou analisando bem, com calma. Agora é uma corrida, cada passo que a gente tomar é um passo importante para tudo que vai acontecer no futuro”, conta Matheus, que alcançou a marca de 2 milhões de seguidores no Instagram. Muito mais que os quase 110 mil do seu novo chefe.

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