Por trás da imagem de uma família perfeita e cristã, Flordelis escondia mais mistérios e segredos do que sua comunidade fiel acreditava. Em meio à conclusão das investigações que determinou que a pastora e deputada federal foi a responsável por mandar matar o marido, Anderson do Carmo, novos detalhes de sua vida estão vindo à tona.

Uma reportagem do “RJTV 2” dessa segunda-feira (24) revelou a chocante árvore genealógica da família, em que Flordelis chegou a ser mãe e sogra do pastor Anderson antes de se casar com ele. Segundo o jornal, Anderson foi adotado pela parlamentar e, junto com outros cinco filhos, fazia parte da “primeira geração”.

O pastor, então, acabou se tornando genro de Flordelis quando começou a namorar uma das irmãs dele, Simone, filha biológica da deputada, que também foi presa por envolvimento no assassinato. Só mais tarde, ele foi “promovido” a marido e gerente do grupo que chegou a 55 filhos.

A família feliz, no entanto, só ficava nas redes sociais e nos cultos. Depoimentos mostraram que a família era dividida entre os preferidos da mãe e “os outros”. O grupo aliado à Flordelis era composto por três filhos biológicos e mais quatro adotados no início do casamento. Todos estão presos.

De acordo com informações do “RJTV 2”, o grupo favorito tinha direito a uma alimentação diferenciada e acesso a uma geladeira que ficava no quarto da mãe. Para os outros filhos, nada disso. Eles não recebiam presentes especiais, nem ganhavam cargos na igreja e na política.

Flordelis tinha “favoritos” entre os filhos (Foto: Reprodução/TV Globo)

O delegado que comandou a investigação do caso revelou, nessa segunda (24) que a motivação de Flordelis ao mandar o assassinato do marido seria porque ela estava insatisfeita com a forma que o pastor tocava a vida e fazia a movimentação financeira da família.

Segundo o jornal, Anderson era o “gestor” da casa e controlava todo o dinheiro que entrava e saía. Além disso, ele comandava as carreiras política, religiosa e artística de Flordelis. Pouco antes de morrer, ele ainda teria decidido cancelar os planos de saúde dos filhos mais velhos.

Casa de Swing

Os novos desdobramentos da história ainda trouxeram o relato de uma antiga fiel da igreja fundada pela deputada federal. Em um depoimento para a Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí durante a investigação em setembro do ano passado, ela afirmou que o casal de pastores era frequentador de uma casa de swing, local onde há troca de casais, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.

A empresária, de 32 anos, declarou que soube da informação em 2007, quando levou sua supervisora a um culto no Ministério Flordelis. Ela relatou à polícia que sua amiga ficou surpresa ao ver a pastora e comentou que Flordelis frequentava a mesma casa de swing que ela, que teria um número como nome.

A supervisora, então, contou que a pastora “tinha até um quarto exclusivo lá e que isso era muito caro”. Ela acrescentou que além de Flordelis e Anderson, Simone (filha biológica da deputada e ex-namorada do pastor) e o marido dela, André, que era diácono na época, também frequentavam o local. Não só isso, ela afirmou que havia os encontrado no sábado anterior e, na ocasião, a parlamentar estava “extremamente bêbada”.

A fiel relatou que, em um primeiro momento, chegou a desconfiar da versão de sua amiga, mas que passou a ter certeza da história após conversar com Anderson e Simone. Ela disse que fingiu ter visto a família na Barra da Tijuca, mas o pastor negou que tivesse estado no bairro. No entanto, ao questionar Simone, ela confirmou a ida da família ao bairro e também a roupa que Flordelis usava, conforme descrito pela supervisora.

Trecho do depoimento da fiel em setembro de 2019 (Foto: Reprodução/Jornal Extra)

Foi então que a fiel relembrou que, em uma das vezes em que esteve na casa de Flordelis, viu o momento em que a deputada, Anderson, Simone e André saíram todos do mesmo quarto, de toalha branca. Segundo o depoimento da mulher à polícia, naquele dia o acesso de pessoas da igreja na casa era proibido. No entanto, a informação da casa de swing logo se espalhou na comunidade.

Quando isso aconteceu, a mulher contou que foi questionada por Anderson e Flordelis. Ela disse ainda que, depois da repercussão da história, passou a ser “perseguida” e parou de frequentar a igreja de Flordelis. No depoimento, ela ainda chamou a parlamentar de psicopata e mentirosa.

O relato veio à tona em junho deste ano, em uma publicação do Jornal ‘Extra’. Flordelis se pronunciou, através de uma live, negando a presença na casa de swing. “E se fosse verdade? Infelizmente não é verdade. Poxa…Está aí um negócio que eu e meu marido não fizemos. O marido era meu, a mulher era dele. Mas não fizemos não”, disse a deputada.

Na live, ela ainda citou o nome da antiga fiel e disse que ela deveria se cuidar muito esses dias, pois iria atrás dela. “Aliás, eu não. A Justiça. Tudo que se fala tem que provar”, corrigiu-se. A parlamentar disparou ainda que a mulher teria que lhe pagar por danos morais. “Tem dinheiro não? Comece a fazer faxina”, ameaçou.

Entenda o Caso

Um ano e dois meses após a morte do pastor Anderson do Carmo, as investigações concluíram que a viúva dele, a deputada federal Flordelis, foi a mandante do assassinato. Nesta segunda-feira (24), equipes da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI) e do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro cumpriram 11 mandados de prisão e outros de busca e apreensão contra a deputada, filhos e neta do casal e outros familiares.

Como tem foro privilegiado, a parlamentar não será presa agora, mas outras pessoas já foram levadas pela polícia: Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva do casal, Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica, André Luiz de Oliveira, filho adotivo, Carlos Ubiraci Francisco Silva, filho adotivo, Adriano dos Santos, filho biológico, Rayane dos Santos Oliveira, neta, o ex-PM Marcos Siqueira e a esposa dele, Andreia Santos Maia.

“Ela foi surpreendida com a nossa chegada. Chorou um pouco. Tem muita gente dentro da casa. O importante é que as prisões foram cumpridas e a investigação chegou ao fim hoje”, descreveu o delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, chefe do Departamento de Homicídios, em entrevista ao “Bom Dia Rio”. “O parlamentar tem a sua imunidade. Ele só pode ser preso em flagrante, por crime inafiançável. Então, ela responderá pelo crime, como mandante. E nós também pedimos medidas cautelares”, completou ele, ressaltando que encaminhou o caso para o Superior Tribunal de Justiça.

“A investigação chegou a esta conclusão: que ela planejou esse assassinato covarde. Motivação é porque ela estava insatisfeita com a forma que o pastor Anderson tocava a vida e fazia a movimentação financeira da família”, explicou o delegado. Além dela e dos familiares já mencionados, a primeira fase da investigação identificou Flávio dos Santos Rodrigues, filho biológico da deputada, como executor do crime, e Lucas César dos Santos, filho adotivo do casal, como a pessoa que comprou a arma utilizada no assassinato. Os dois já estão presos.

“Chegamos a 11 pessoas que serão responsabilizadas criminalmente por esse crime. Crime bárbaro, crime covarde. E hoje conseguimos finalizar essa investigação”, apontou Antônio Ricardo. “Todos eles têm uma participação que ficou comprovada no decorrer da investigação. Com todas as buscas que foram feitas, os depoimentos e as contradições chegamos a essa conclusão. Temos 11 pessoas respondendo criminalmente, levando em conta que a família são 55 (pessoas), nós temos 20% respondendo por esse crime”, declarou ele.

Anderson do Carmo de Souza foi assassinato no dia 16 de junho de 2019. De acordo com o depoimento prestado pela pastora na época, ela voltava de uma confraternização com o marido quando percebeu que o veículo estava sendo perseguido por duas motos. Quando já haviam chegado em casa, o pastor disse que voltaria para buscar algo que havia esquecido no carro.

Momentos depois, ela teria ouvido tiros e encontrado Anderson ferido na garagem. Ele chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos causados por mais de 30 tiros. Em um primeiro momento, a morte pareceu um caso de latrocínio, quando há homicídio com objetivo de roubo. No entanto, de acordo com a investigação, tudo não teria passado de uma simulação planejada pela deputada do PSD.

Segundo a denúncia, Flordelis planejou o homicídio e foi responsável por arregimentar e convencer o executor direto e demais acusados a participarem do crime. A parlamentar também financiou a compra da arma e avisou da chegada da vítima no local em que foi executada. Ela foi indiciada pelo crime de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa majorada.

Flordelis foi a mandante do assassinato do marido (Foto: Reprodução/Instagram)

A DHNSGI (Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo) vai encaminhar à Câmara dos Deputados Federal uma cópia do inquérito com resultado da investigação para adoção de medidas administrativas cabíveis. Apesar da imunidade parlamentar, o procedimento poderá levar ao afastamento da parlamentar para que ela responda pelo crime na prisão.

Em relação aos demais denunciados, as investigações apuradas pelo ‘UOL’, descrevem as ações deles em diferentes etapas, incluindo planejamento, incentivo e convencimento para a execução do crime. Além disso, eles estão envolvidos em tentativas de homicídio anteriores ao fato consumado, através da administração de veneno na comida e bebida da vítima ao menos seis vezes, sem sucesso.

Todos ainda são acusados de usar documento falso por tentarem, através de uma carta redigida por Lucas, atribuir a autoria e ordem para o assassinato a outras pessoas diversas. Nesse documento, o executor do crime, Flávio, e Flordelis tinham por objetivo se livrar da responsabilização do crime, ao mesmo tempo em que se vingariam de dois filhos adotivos da deputada que não teriam aceitado as ordens de se calar ou faltar com a verdade nos depoimentos. Os réus responderão também por associação criminosa.

PSD suspende Flordelis e vai adotar medidas para expulsar deputada

Os novos desdobramentos do caso tiveram impacto sério na carreira política de Flordelis. Na tarde de hoje (24), o Partido Social Democrático anunciou que decidiu suspender a filiação da deputada federal e que ainda pretende tomar medidas para expulsá-la do partido. Em nota, o presidente da sigla, Gilberto Kassab, afirmou que defende o andamento do processo após a cantora gospel ter se tornado réu.

“O PSD esclarece que desde o início acompanhou o caso citado e defendeu o andamento e aprofundamentos das investigações. Diante do indiciamento da parlamentar, o corpo jurídico do partido adotará as medidas para a suspensão imediata de sua filiação e, a partir dos desdobramentos perante a Justiça, serão adotadas as medidas estatutárias para a expulsão da parlamentar dos seus quadros”, informou Kassab.

A deputada Flordelis poderá ser expulsa de seu partido e até mesmo ter seu mandato cassado. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Segundo reportagem do “Jornal Hoje”, a Delegacia de Homicídios encaminhou uma cópia do inquérito à Câmara dos Deputados, para que a Comissão de Ética avalie a possibilidade de uma cassação do mandato de Flordelis. Por conta da chamada imunidade parlamentar, a deputada só poderá ser presa caso perca seu mandato, ou se for condenada em última instância.

Defesa de Flordelis se manifesta

Na delegacia, o advogado Anderson Rollemberg disse a jornalistas que Flordelis não tinha ingerência sobre o dinheiro da família, e acredita que há um “equivoco” na história. “Ela é cantora gospel, líder religiosa e parlamentar federal. A questão dela sempre foi dar o melhor para os necessitados. Por isso tinha mais de 50 filhos. Na opinião da defesa, está havendo um grande equívoco no desfecho desta investigação”, alegou a defesa da deputada.

Rollemberg também se disse surpreso com a decisão da polícia de prender denunciados. “A defesa foi surpreendida com essas prisões preventivas das cinco filhas da deputada e da neta. Tomaremos conhecimento do que há de indícios para que essas prisões fossem feitas e para o indiciamento da deputada, já que na primeira fase da investigação, passou longe de qualquer prova que a apontasse como mandante”, disse ele.