No momento em que escrevo este artigo, eu imagino essa menina no leito de hospital enfrentando um procedimento de aborto, que marcará a vida dela para sempre.
Como mulher, e porque já fui menina tenho um compromisso de me unir à dor dessa criança. Imagine-se no lugar dela. Ainda, imagine se ela fosse sua filhinha ou sobrinha. Esse exercício de empatia é necessário antes de qualquer julgamento sobre o caso.
O caso da criança capixaba veio a público após ela dar entrada no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus no Espírito Santo, com mal-estar. Os médicos constaram que a menina estava com barriga inchada. Após exames, os médicos constataram uma gravidez de 22 semanas na menina.
A menina relatou que foi abusada sexualmente desde os seis anos de idade pelo seu tio de trinta e três anos. Apesar de haver uma decisão judicial em seu favor, o hospital se recusou em realizar o aborto, sob a justificativa de que não havia protocolo para a interrupção de gravidez em estado avançado.
Acompanhada pela avó, a menina foi levada para a cidade de Recife em Pernambuco. Ela foi recebida com protestos de grupos conservadores no aeroporto e no hospital da cidade. Imagino que ela, simplesmente não estava entendendo tão claramente todo aquele tumulto acontecendo ao seu redor.
Segundo o médico responsável pela equipe entrevistado pelo jornal Tribuna Online, “manter a gravidez na sua idade teria muito mais riscos de complicações e de morte que em um adulto”.
Disse o médico que “além disso, ela não queria de jeito nenhum a gravidez. Ela verbalizava que não aceitava de jeito nenhum. Quando acontece isso, obrigar uma criança é uma tortura muito grande, destrói a vida da pessoa.”
Relatou ainda, que “não é comum gravidez com 10 anos. É mais comum a gente realizar procedimentos de aborto após estupro com gravidez em meninas de 13, 14, 15 ou 16 anos. Não é comum, pois geralmente com 9 ou 10 anos a criança não ovula. Mas acontece. Já tivemos caso de uma menina de 8 anos, em 2008, de Alagoinha (Pernambuco) grávida de gêmeos. A repercussão foi ainda maior”.
Vale lembrar, que o artigo 128 do Código Penal Brasileiro permite a prática do aborto realizada por médicos em dois casos: se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto terapêutico), ou se a gravidez resulta de estupro e há consentimento da gestante (aborto sentimental). Direito esse garantido desde 1940, quando entrou em vigência o Código Penal
A antropóloga Débora Diniz, escreveu em sua coluna no El País que “é nosso dever nos unir à dor desta menina. Sua tortura não pode ser esquecida. O dia seguinte ao aborto deve ser o dia em que tocaremos mais uma vez à porta do Supremo Tribunal Federal do Brasil para lembrar aos onze ministros que a peregrinação desta menina poderia ter sido evitada se eles tivessem a coragem da justiça para descriminalizar o aborto no país”.
No momento em que escrevo este artigo, eu imagino essa menina no leito de hospital enfrentando um procedimento de aborto, que marcará a vida dela para sempre. Questiono: será que o Estado e a sociedade têm o direito de obrigar essa menina a enfrentar uma gestação tão traumática? É justo impor que uma criança seja mãe aos dez anos de idade? A quem importa a integridade física e mental dessa menininha?
Fontes:
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-08-17/uma-menina-de-dez-anos-aborta-e-e-nosso-dever-nos-unir-a-dor-dela.html
https://veja.abril.com.br/brasil/justica-autoriza-aborto-de-menina-de-10-anos-estuprada/
https://tribunaonline.com.br/risco-do-aborto-era-menor-que-o-parto-explica-medico-sobre-menina-de-10-anos