Um dos pilotos de avião mais prestigiados do Brasil nasceu em um seringal do Acre

Quando o comandante Batista recebe pelo rádio a autorização da torre de controle para iniciar o deslocamento do gigante Airbus A330 da LATAM de qualquer aeroporto do Brasil, onde trabalha atualmente, quase sempre passa um filme na cabeça dele. É que no comando daquele avião enorme, geralmente lotado de passageiros, vai um sujeito que está ali por uma extraordinária junção de força do destino com a persistência de quem decidiu correr atrás de sonhos. O comandante Batista é, na verdade, José Sebastião Batista da Silva, um dos 11 filhos do seu Pedro Pereira da Silva e da dona Ilda Batista, um acreano daqueles do famoso pé rachado, nascido no seringal Santa Fé, município de Xapuri, em 1960. Além das dificuldades naturais de uma família numerosa cujo patriarca tinha a frugal profissão de seringueiro, Batista sofre vários outros golpes da vida, sendo o maior deles a perda prematura da mãe para um câncer, em agosto de 1971. O destino parecia fechar as portas para aquele garoto fransino, empalidado pelo sol inclemente da colônia, que queria estudar a qualquer custo para escapar daquele destino comum dos filhos de extrativistas. É em meio ao caos que ele encontra força para virar um forest gump em busca de sonhos. A corrida valeu a pena. Ele é hoje um dos mais prestigiados pilotos do Brasil, com larga experiência internacional, conhecido como comandante Batista, dono de um currículo acadêmico invejável e de uma carreira que orgulha a empresa onde trabalha, orgulhou o Brasil quando esteve lá fora, pilotando aviões para uma companhia chinesa, e principalmente seus conterrâneos do Acre, terra para a qual ainda pensa em voltar em definitivo e para onde vem sempre que está de folga.

O comandante Batista pilota na atualidade os mais modernos aviões da LATAM, além de dar aulas em uma faculdade de Ciências Aeronáuticas. Já trabalhou na China e morou em várias cidades do mundo, claro por pequenos períodos, mas sua base mesmo é Brasília, onde é estabelecido desde 1984. Tem uma bela casa, carros e a moto dos sonhos. Os filhos, Paulo Eduardo, Julia e Letícia, já estão encaminhados na vida. O garoto como copiloto da mesma empresa onde o pai trabalha, e as meninas uma, Letícia, cursa medicina em Brusque, e a outra psicologia na PUC de Joinville, Santa Catarina. Mas para atingir esse patamar na vida teve uma longa estrada, cheia de atoleiros.

José Batista nasceu no seringal Santa Fé, em Xapuri, em 1960. Quando tinha dois anos a família se mudou para uma colônia no cinturão verde da então Vila Epitaciolândia, hoje um próspero município na fronteira do Brasil com a Bolívia. Aos 7 foi matriculado na escola Brasil Bolívia, ainda em funcionamento até hoje. Em 1969 a família vai para Rio Branco em busca de melhoras. A mãe do hoje comandante Batista, dona Ilda, morre de câncer em 1971. Deixa 11 filhos sob a responsabilidade do seu Pedro. Ele decide voltar para o seringal. Distribuiu a garotada na casa de parentes e volta com os três filhos mais velhos. Se apossa da colocação laranjeiras. Não demorou nada e o seringal é vendido para fazendeiros. O pai de Batista decide voltar para Rio Branco, em um tudo ou nada em favor do futuro dos filhos. Já era 1974, plena Copa do Mundo. “Eu ouvi duas copas do mundo seguidas. A de 1970 e a de 1974, porque nas duas a gente estava em Rio Branco, sempre recém-chegando”, lembra Batista.

O COMANDANTE QUASE VIRA JORNALISTA

A volta à capital parece ainda não prometer muito. José Batista, já garotão, precisa trabalhar. Sem estudo, sem influência e sem outra opção, vai engraxar sapatos ali pelo centro de Rio Branco, baseado na avenida Epaminondas Jácome. Era esperar um pouco para ver no que ia dar, segundo o próprio Batista. Em 1978 melhora de vida. Consegue o primeiro emprego formal. É contratado pelo ainda nem inaugurado jornal A Gazeta do Acre. É orgulhosamente um “faz tudo”. Depois que o jornal inaugurou, Batista também acumulou a função de entregador. Um dia, na ausência de repórteres, quase virou repórter. A ponte metálica Juscelino Kubitschek caiu, no final de 1978. Ele foi mandado ao local para colher as informações. “A polícia não deixou. Exigiram meus documentos de jornalista. Eu não tinha. Voltei pro jornal. Mais tarde o governo mandou a versão oficial e minha informações foram dispensadas”, conta o episódio que quase o transforma em jornalista.

No ano seguinte José Batista se apresenta na 4° Companhia para servir ao exército. É selecionado e três meses depois é mandado à Manaus para fazer o curso de cabo armeiro. Lá, longe da família, e morando em um alojamento quente, decidiu estudar nas madrugadas. “Resultado: acabei sendo o primeiro colocado no curso”, conta. De volta ao Acre, já com a dívisa de cabo e fama de 01, Batista ganha um prêmio pelo feito que mudou seu destino: o direito de se inscrever para um curso de sargento. É enviado para Belém. Formado sargento, volta para o Acre e é mandado para servir em Guajará Mirim. Lá conheceu um colega sargento que no alojamento não tinha outro assunto senão as lamúrias pela frustração de ter iniciado, mas não concluído, o curso de piloto de avião. Falta de dinheiro e a idade de 40 anos encerraria o sonho daquele amigo, mas acendia a chama no coração do sargento Batista.

Segundo o próprio Batista, o sonho de ser piloto estava plantado em seu coração, mas igual ao colega frustrado lhe faltava o fundamental: dinheiro. Chegou a hora de ousar. Batista pede baixa do exército e se muda para Brasilia, perto do aeroclube. Para juntar dinheiro e pagar o curso Batista tem a ideia de montar um restaurante. Junta o dinheiro, paga o curso e vira piloto em 1984. Passa um ano lecionando no clube, até arranjar o primeiro emprego na Total Linhas Aéreas, uma então promissora empresa de aviação de Minas Gerais. Fica um ano e vai para a Transbrasil até esta falir. É contratado pela Gol. Com a crise da aviação no Brasil em meados de 2010, faz o caminho de muitos pilotos brasileiros: vai para a China. Batista aparece em uma reportagem do Fantástico em entrevista à repórter Sonia Bridi, que mostra a saga de pilotos naquele mercado. Como nunca esquece o Acre, fez um pedido a repórter, que ela mencionasse a naturalidade dele. Ela cumpriu. Contou que José Batista saiu de Xapuri, no Acre, para voar nos céus da China. “Adoro meu Acre e tenho orgulho de dizer que nasci lá”, diz ele. No momento Batista tem feito vôos para Miame, nos Estados Unidos, mas a rotineira tem sido na América do Sul. Caracas, na Venezuela, Santiago, no Chile, além de Argentina, tem sido as linhas mais frequentes do comandante Batista, aquele que um dia foi o piloto de avião mais improvável do Brasil, por ter nascido de família humilde dentro da selva do Acre. “Sonho é para se buscar”, entusiasma ele outras pessoas em suas palestras ou aula no Cespe, em Brasília, onde é professor com mestrado em segurança de vôo.

O comandante Batista no manche do Airbus; com o jornalista Alexandre Garcia, seu amigo pessoal; na famosa foto de lembrança escolar; e pilotando com o filho, o copiloto Paulo Eduardo, no Dia dos Pais, trabalhado juntos pela primeira vez para ilustrar uma campanha publicitária da companhia; as filhas Letícia e Julia.

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