A vida cinematográfica do filho secreto de Pablo Escobar

Phillip Witcomb acredita que um dia será feito um filme sobre sua vida. “Daria um filme fantástico, não acha?”, indaga aos 55 anos. No roteiro, truques de espionagem, suspense policial, saga familiar com várias reviravoltas – principalmente tragédia, mas com um final pacífico para o herói –, repleto de violência, glamour e drogas. O homem no centro dessa história atende por dois nomes. O primeiro, Phillip Robert Charles Witcomb, vem de seu pai adotivo, Pat, que era um agente disfarçado do MI6. É com esse nome que Witcomb vende pinturas hiper-realistas, principalmente retratando a área ao redor de sua casa em Maiorca, onde agora vive com sua segunda esposa, Julie. O outro, Roberto Sendoya Escobar, vem de seu pai biológico, Pablo, que foi o mais notório traficante de drogas e narcoterrorista do mundo, possivelmente o criminoso mais rico de todos os tempos, causador de horrores que duraram décadas dos quais a Colômbia ainda está se recuperando, e é a inspiração para inúmeros filmes, documentários e dramas – entre eles, Narcos, da Netflix. O nome de nascimento foi o escolhido para assinar o livro de memórias First Born: Son of Escobar, escrito por ele, contando sua extraordinária história (e é assim que vou me referir a ele).

O filho perdido de Pablo Escobar: Phillip Robert Charles Witcomb (Foto: divulgação)
O filho perdido de Pablo Escobar: Phillip Robert Charles Witcomb (Foto: divulgação)

Phillip Witcomb acredita que um dia será feito um filme sobre sua vida. “Daria um filme fantástico, não acha?”, indaga aos 55 anos. No roteiro, truques de espionagem, suspense policial, saga familiar com várias reviravoltas – principalmente tragédia, mas com um final pacífico para o herói –, repleto de violência, glamour e drogas. O homem no centro dessa história atende por dois nomes. O primeiro, Phillip Robert Charles Witcomb, vem de seu pai adotivo, Pat, que era um agente disfarçado do MI6. É com esse nome que Witcomb vende pinturas hiper-realistas, principalmente retratando a área ao redor de sua casa em Maiorca, onde agora vive com sua segunda esposa, Julie. O outro, Roberto Sendoya Escobar, vem de seu pai biológico, Pablo, que foi o mais notório traficante de drogas e narcoterrorista do mundo, possivelmente o criminoso mais rico de todos os tempos, causador de horrores que duraram décadas dos quais a Colômbia ainda está se recuperando, e é a inspiração para inúmeros filmes, documentários e dramas – entre eles, Narcos, da Netflix. O nome de nascimento foi o escolhido para assinar o livro de memórias First Born: Son of Escobar, escrito por ele, contando sua extraordinária história (e é assim que vou me referir a ele).

O filho perdido de Pablo Escobar: Phillip Robert Charles Witcomb, que hoje, aos 55 anos, vive em Maiorca.  (Foto: Arquivo Pessoal)
O filho perdido de Pablo Escobar: Phillip Robert Charles Witcomb, que hoje, aos 55 anos, vive em Maiorca. (Foto: Arquivo Pessoal)

“O que você precisa entender sobre o livro é que eu simplesmente sentei e disse ‘Era uma vez, la la la…’”, diz Roberto, fazendo mímica de digitar em uma máquina de escrever. Um homem corpulento de rosto enrugado, ele se considera colombiano, mas fala com voz de personagem de filme de Shakespeare. “La la la” presta um desserviço ao início do livro, que descreve as primeiras memórias de Roberto: “Tinta verde-limão descascando de uma parede, uma janela com grades, uma garrafa de leite no parapeito da janela, muitos barulhos e gritos altos, e uma mulher de vermelho”. É assim que imagino que a adaptação para a telona também começará.

Cena 1: madrugada no interior próximo a Facatativá, cidade nos arredores de Bogotá, 1965. O som dos rotores de dois helicópteros. Carregados de homens armados, descem em algumas residências rurais onde uma gangue criminosa está escondida. Um grupo é liderado por um agente inglês do MI6, que trabalha disfarçado em uma empresa de segurança chamada De La Rue; o outro, por Manuel Noriega, até então apenas um oficial do exército panamenho. A missão é recuperar dinheiro roubado. Em uma leva de tiros, todos os membros da gangue são mortos. Antes de ir embora, o homem do serviço secreto faz uma última varredura e encontra uma adolescente com um vestido sujo de sangue. Ela está morrendo, mas tem um filho bebê em um berço ao lado dela. Insistem que o agente os abandone, mas, preocupado que o bebê também morra, ele decide levá-lo a Bogotá.

O filho perdido de Pablo Escobar: o jovem Roberto (ou Phillip) em Londres, onde residiu por anos e registro da sua infância ao lado dos pais adotivos Pat e Joan Witcomb. (Foto: Arquivo Pessoal)

O filho perdido de Pablo Escobar: o jovem Roberto (ou Phillip) em Londres, onde residiu por anos e registro da sua infância ao lado dos pais adotivos Pat e Joan Witcomb. (Foto: Arquivo Pessoal)

O agente era Pat Witcomb, a mulher era Maria Luisa Sendoya e o bebê era Roberto. Pat inicialmente o doou a um orfanato católico, mas depois decidiu que poderia ser “benéfico” a todos se ele e sua esposa, Joan, adotassem Roberto. Ter um filho colombiano o incorporaria ainda mais à cultura, e se seu pai biológico – um garoto chamado Pablo Escobar – tivesse uma conexão com as gangues, melhor ainda. “A adoção foi uma armadilha. Fui usado como um peão em um jogo maior. Agora entendo o porquê”, diz.

O livro é um produto da memória, pesquisa, explicações de seu pai adotivo, e eu suspeito que há um pouco de licença artística. Mesmo agora, Roberto sabe pouco sobre sua mãe biológica, além do fato de que ela tinha cerca de 13 anos quando Pablo, então com 15, a conheceu em Medellín. Depois que sua família descobriu que ela estava grávida antes do casamento, foi mandada para o interior.

Então Roberto Escobar se tornou Phillip Witcomb e, com isso, teve início uma infância nada comum. Devido à profissão de seu pai adotivo, ele morou com empregadas domésticas e guarda-costas, viajou em carros blindados e fez viagens para a Disney.

Ele sentia o amor de seu pai, com quem costumava viajar, mas sua mãe era “fria e distante” – mesmo depois que ela e Pat adotaram outra criança, Monique, quatro anos depois. “Ela não estava interessada em nós. Mas papai era diferente, ele era muito aberto e honesto. Ele nos amava, isso eu conseguia dizer.” Roberto nunca soube que Pat trabalhava no MI6 e nunca notou nada de errado – apesar das visitas a dignitários estrangeiros e das bolsas de dinheiro. Às vezes, a família corria perigo. Quando Roberto tinha três anos, estava fazendo compras com Joan em Bogotá, então um homem saltou para tirar fotos dele e tentar “arrancá-lo da mãe”. Um guarda-costas atirou no agressor. “Você acha que foi …?” Roberto lembra de Joan dizendo. “Provavelmente”, Pat respondeu. “Nada permanece em segredo por muito tempo neste país.”

Neste ponto, Pablo Escobar estava rapidamente ascendendo de pequeno ladrão de rua a figura séria no complexo mundo das gangues de drogas colombianas. Presumivelmente, ele também soube que o filho que fez quando adolescente havia sobrevivido e sido adotado por um inglês.

É possível que ele tenha desejado o filho de volta. As múltiplas tentativas de sequestro que Roberto descreve certamente sugerem que sim. Para ele, uma se destaca: certa noite, estava lendo na cama, com cerca de 10 anos, quando o alarme disparou e o cão de guarda irrompeu. De repente, um sujeito grande e fedorento com mãos calejadas foi alvejado por dois tiros e caiu do telhado. “Estou totalmente insensível ao medo agora!”, diz Roberto, rindo. Era considerado mais seguro estudar em um internato na Inglaterra, então ele foi embora aos seis anos, mesma idade em que soube que foi adotado.

Você poderia pensar que Roberto foi mantido longe de seu pai verdadeiro durante todo esse período. Na verdade, eles se encontraram, através de seu pai adotivo, várias vezes. Pat aparentemente precisava de uma moeda de troca na batalha com Escobar, e este queria conhecer seu primogênito. Em cada ocasião, Pat escolhia um local movimentado, cheio de curiosos, para evitar que Escobar e seus comparsas viessem com qualquer façanha dramática. A primeira apresentação foi em uma festa em Medellín. Roberto, então com apenas quatro anos, sentou-se ao lado de seu pai biológico e, quando se separaram, ele disse: “Adeus, meu filho, te verei de novo. E lembre-se sempre, homenzinho – você é um Escobar.” Alguns anos depois, reencontrando-se, Escobar indagou sobre seus estudos e lembrou-lhe que sua casa ficava “em Medellín”.  Ele sempre sentiu um “estranho amor vindo desse homem em Medellín. Havia algo estranho naquilo que eu nunca tinha entendido até mais tarde na vida”, diz Roberto.

Pablo Escobar, que foi o mais notório traficante de drogas e narcoterrorista do mundo, e – supostamente – pai biológico de Roberto Sendoya Escobar (Foto: divulgação)

Pablo Escobar, que foi o mais notório traficante de drogas e narcoterrorista do mundo, e – supostamente – pai biológico de Roberto Sendoya Escobar (Foto: divulgação)

Somente em 1989, quando Roberto tinha 24 anos, viria a conhecer seu passado. Ele e o pai moravam na Espanha – Roberto se tornou designer de campos de golfe, era casado com sua primeira esposa, Sue, e tinha dois filhos pequenos; Pat, entretanto, mudou para outro emprego, o de “segurança” em Madrid. Pai e filho haviam ido ao cinema e iam comer em um bar quando Pat começou a revelar a verdade. Ele iniciou dizendo que era na verdade um agente do serviço secreto. De repente, “tudo começou a se encaixar” na cabeça de Roberto. O pai mostrou alguns papéis. “Era minha certidão de nascimento contendo o nome dos meus pais verdadeiros, Pablo Escobar e Maria Sendoya. E ele disse: ‘O problema é que esse cara é muito ruim. Ele é um traficante de drogas e seu império está caindo aos pedaços’. Não entendi direito. Isso foi antes da internet, então eu realmente não sabia quem era Escobar.”

Escobar estava em seu auge monstruoso – ele havia se tornado um bilionário por meio do contrabando de cocaína, havia matado mais de 30 juízes e estava atrás de poder político, mas seu império estava desmoronando e ele tinha inimigos. A ameaça de alguém tentando fazer mal a Roberto pairava no ar. Quando voltou para casa, havia guardas armados do lado de fora. Ele explicou tudo para a esposa, mas manteve seus dois filhos pequenos protegidos da verdade. “Houve um tempo em que fiquei com medo, pensei que alguém viria e me mataria; isso me lembrou de quando eu era criança”, diz.

Quatro anos depois, sua esposa Sue foi diagnosticada com um tumor cerebral. Com seus dois filhos, Jonathan e Anna, hoje com 35 e 32 anos, se mudaram da Espanha de volta para o Reino Unido, onde Pat, seu pai adotivo que também estava doente, e Joan, sua mãe adotiva moravam. Sue morreu em julho de 1993, no mesmo hospital onde, seis meses antes, Roberto segurara a mão de seu pai adotivo enquanto ele também morria. Então, em dezembro daquele ano, Pablo Escobar foi morto em um tiroteio com a polícia,  televisionado ao vivo. “Que ano foi aquele…”, diz Roberto. “Não entendi por um tempo. Tive depressão e fiquei muito doente. Fiz algumas tentativas sérias de suicídio, mas se você quiser saber se é possível sair do lado de lá, estou aqui.”

Prepare-se para a reviravolta final. Em seu leito de morte, Pat gesticulou para que Roberto lesse uma anotação em um diário no bolso do paletó. Algum código, supostamente de um dos ex-colegas de Pat, escrito à mão em um pedaço de papel. “O dinheiro… lembre-se”, disse Pat. Ele estava se referindo a parte dos lendários “milhões desaparecidos” que Escobar teria escondido. Pat havia mostrado a Roberto sacos de dinheiro em um cofre em Madri alguns anos antes, mas eles haviam sido removidos e escondidos. Pat aparentemente sabia onde. “É aqui que está o dinheiro?” Roberto perguntou. Pat simplesmente sorriu.

Em seu livro, Roberto pede aos leitores que o ajudem a decifrar o código – uma mistura de números, letras e coordenadas – e encontrar o dinheiro. Em parte, é para deixá-lo aberto para uma sequência, diz ele. “Diga-me, quantas cópias de O Código Da Vinci foram vendidas até agora?” ele pergunta. Eu não sei – muito. “Vá em frente, pesquise no Google agora.” Eu faço isso e confirmo que é muito. “As pessoas adoram uma caça ao tesouro! E este é real. São cerca de U$ 110 milhões. Se eu conseguir encontrar, talvez em uma série de documentários de TV, brilhante, mas isso demanda dinheiro…”

Nas pesquisas para o livro, Roberto descobriu que cerca de uma dúzia de pessoas em todo o mundo afirmam ser filhos ilegítimos de Escobar. Oficialmente, Pablo tinha apenas dois filhos, Sebastián Marroquín, 43, e Manuela, 36. Os dois supostamente moram na Argentina. Roberto diz que adoraria reunir todos para um documentário. Eu pergunto se algum deles fez um teste de DNA. “Todo mundo sempre me faz essa pergunta no final. Obviamente, o que você quer mesmo saber é se eu fiz um teste de DNA?” Ele me pegou. “O negócio é o seguinte, vou te dar uma resposta, mas farei uma pergunta de volta: você fez um teste de DNA para verificar quem é seu pai?” Eu não fiz. “Por quê?” Bem… “Porque ele lhe disse quem ele era e você tem uma certidão de nascimento?” Sim, mas ele também esteve presente durante toda a minha infância. E na minha idade ele se parecia exatamente como sou agora. Embora Roberto tenha semelhança com o filho de Pablo Escobar, também parece que pode ser do Super Mario. Mas eu entendo o ponto dele. “Tenho a certidão de nascimento e ela estará impressa no livro. Estou satisfeito por ser quem sou”, afirma. “Dito isso, se as garantias legais corretas estiverem em vigor, se os dados com os quais minha amostra foi comparada à dele forem legítimos, então devemos fazer algo. Mas há muito dinheiro em jogo com o nome Escobar, e você tem que ter cuidado.”

A mãe adotiva de Roberto, Joan, faleceu em 2014, e Monique, sua irmã adotiva, morreu de derrame três anos antes. Agora, ele vive uma vida relativamente tranquila. “Não sou Pablo Escobar, sou Phillip Witcomb”, diz . “E minha vida tem sido um contraste exato do que ela poderia ter sido e do que meu pai verdadeiro teria desejado para mim. Eu pinto quadros utópicos do paraíso, e não quero ter nada a ver com minha família real. Eu sou o oposto completo daquilo. Uma das únicas coisas que Sebastián – filho reconhecido de Pablo Escobar – e eu concordamos é sobre o que há de errado com Narcos”, continua ele. “É um monte de besteira. Não estou impressionado com a falta de pesquisas genuínas feitas para sua produção. Mas a indústria do cinema é baseada na América, então o que você esperava?” Ele entra em pânico. “Eu posso estar me ferrando com um contrato de filme agora…” Está confiante no sucesso do seu livro. Sua previsão é de lançá-lo “na estratosfera das turnês mundiais e documentários”. Então, quem vai interpretá-lo? Ele ri. “Se ele contasse toda a minha vida, você teria uma série de pessoas. Quando eu for um bebê, um bebê irá me interpretar.” Isso parece razoável. “Daí, conforme eu envelheço, várias pessoas. E no final, vou me interpretar.” E como cena de encerramento? “O cara real, sentado em seu estúdio, apenas pintando.” Isso não daria para ser inventado. Role os créditos.

PUBLICIDADE