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Cientistas alemães organizam show para testar disseminação do coronavírus

Por O GLOBO

O cantor pop alemão Tim Bendzko dava o seu melhor para empolgar a multidão na Quarterback Immobilien Arena, em Leipzig, na Alemanha, na manhã do último dia 22. Cercado por instrumentistas e backing vocals, ele saltava por um palco montado no espaço (fechado e coberto), numa tentativa bem-sucedida de fazer a plateia, com cerca de 1.400 pessoas, cantar junto.

A resposta foi um zumbido abafado — o que não surpreende, visto que o público estava sentado num calor sufocante, usando máscaras. Ainda assim, Bendzko agradeceu e disse: “Neste dia, vocês são os salvadores do mundo”.

Seus espectadores não eram frequentadores de concertos típicos, mas voluntários de um estudo elaborado por uma equipe da Universidade Martin Luther Halle-Wittenberg. Cada participante, equipado com um rastreador digital de localização e desinfetante de mão misturado com corante fluorescente, foi cuidadosamente posicionado nas cadeiras como parte de um experimento para rastrear os riscos de infecção por coronavírus oferecidos por grandes eventos em locais fechados.

Para minimizar o risco de infecção, todos os voluntários foram testados para o coronavírus com antecedência e tiveram suas temperaturas verificadas na chegada. Equipados com seus rastreadores, máscaras e desinfetante fluorescente, eles foram então solicitados a simular diferentes cenários de shows ao longo de 10 horas: um sem distanciamento social, outro com medidas de segurança moderadas e um terceiro com medidas rígidas.

Cada repetição incluía performances de Bendzko e um intervalo, durante o qual os participantes simulavam idas a vendedores de comida e bebida e iam ao banheiro. Através de rastreadores, a equipe monitorou o número de vezes que os participantes chegaram perto uns dos outros e, mais tarde, utilizaram lâmpadas ultravioleta para determinar quais superfícies estavam cobertas com o desinfetante mais fluorescente ao final do dia.

O estudo está sendo conduzido por Stefan Moritz, chefe do departamento clínico de doenças infecciosas da universidade. Em entrevista por telefone, ele diz que o experimento foi uma resposta à escassez de literatura científica disponível para os legisladores sobre os perigos de eventos como o de sábado. Moritz concluiu que a melhor maneira de reunir dados confiáveis seria organizar um concerto de verdade.

“Sabemos que os contatos pessoais em shows são arriscados, mas não sabemos onde eles acontecem. É na entrada? Na arquibancada?”, questiona.

Moritz afirma que a descoberta mais intrigante provavelmente está relacionada à disseminação de aerossóis. Recentemente, cientistas confirmaram que o vírus pode permanecer suspenso no ar em ambientes fechados, possivelmente por horas.

Para simular a propagação de aerossóis na arena no sábado, os funcionários usaram uma máquina de fumaça para emitir uma nuvem de névoa, que subiu antes de espiralar e se espalhar para o público. A propagação das partículas no espaço foi medida pelos membros da equipe, que irão compará-la com os dados coletados por sensores de dióxido de carbono durante o estudo.

Segundo Moritz, os resultados do estudo, patrocinado pelos estados da Saxônia e Saxônia-Anhalt, devem ficar prontos no início de outubro. Ele afirma que as descobertas provavelmente poderão ser aplicadas a eventos e locais semelhantes em todo o mundo. Cientistas da Austrália, Bélgica e Dinamarca que planejam realizar estudos semelhantes já procuraram o pesquisador.

Resultado é esperança para setor

A equipe que conduziu o experimento espera usar os resultados para determinar quais elementos de eventos como este representam maior risco de transmissão do vírus. A resposta pode ajudar na criação de diretrizes que minimizem a possibilidade de contágio e permitam, assim, o recomeço seguro de apresentações ao vivo em todo o mundo.

Afinal, o setor de música ao vivo e eventos está entre os mais atingidos pela pandemia do coronavírus. Só na Alemanha, ele gera 130 bilhões de euros (mais de US$ 153 bilhões) em receita a cada ano, de acordo com um estudo recente encomendado pelo IGVW, um grupo da indústria local. Mas os espaços destinados a shows e eventos musicais estão entre os primeiros que foram fechados para diminuir a propagação do vírus, e seu futuro no permanece incerto em vários países.

Nos Estados Unidos, especialistas em saúde afirmaram que concertos em arenas provavelmente não aconteceriam em grande escala até que uma vacina estivesse disponível. Na Alemanha, as apresentações em locais fechados voltaram, mas as regras variam de estado para estado. Muitos operadores de espaços culturais e organizadores de eventos argumentam que as limitações ao tamanho do público e os requisitos de higiene impostos pelas autoridades tornam economicamente inviável a volta das atividades em locais que não são subsidiados pelo governo.

Leipzig fica no estado da Saxônia, onde são autorizados eventos internos com até mil participantes — em meio a regras rígidas de higiene e distanciamento. Mas Philipp Franke, gerente da arena que hospedou o estudo, afirma que o número ainda é muito baixo para que ele possa reabrir. O estado programa ampliar o limite de público em setembro, mas o número crescente de infecções na Alemanha têm levantado cada vez mais questionamentos ao plano.

Franke diz esperar que os resultados da pesquisa permitam aos políticos tomar decisões fundamentadas sobre o retorno de shows e esportes internos. “Os eventos culturais são socialmente importantes. Uma sociedade precisa deles para encontrar alguma plenitude e uma saída.”

Para muitas pessoas na plateia, o voluntariado valeu a pena pela experiência de finalmente ir a um show após meses de privação.

Bianca Tenten, uma estudante de 21 anos de Colônia, Alemanha, disse que ouvir música em casa não era capaz de reproduzir a sensação de união e os encontros espontâneos que ela costumava experimentar em eventos de música ao vivo. Ela acrescentou que, para organizadores de shows e artistas, “há uma paixão e um amor ali”.

[Foto de capa: Gordon Welters/NYT]

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