A fala de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira, influencia pouco na percepção de investidores internacionais, “que sabem identificar um discurso político, descolado da realidade” e estão mais preocupados com “ações efetivas”, afirma o representante da maior rede global de gestoras preocupadas com questões ambientais.
“(Eles) estão aguardando ações para combate ao desmatamento, que envolve a estruturação dos órgãos de controle e supervisão”, explica Marcelo Seraphim, representante no Brasil dos ‘Princípios para o Investimento Responsável’ (PRI, na sigla em inglês), iniciativa global associada à ONU e que reúne investidores que cujas carteiras utilizam critérios de ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança).
O PRI surgiu em 2006 com apenas 63 signatários, que tinham US$ 6,5 trilhões sob gestão. Hoje, a iniciativa reúne 3.300 gestores, com US$ 103 trilhões em ativos. No Brasil, já são 70 signatários.
Há um ano, o PRI participou ativamente na coordenação de 230 investidores, com portfólio de US$ 16,2 trilhões, que emitiram comunicado conjunto pressionando empresas investidas a implementar políticas contra o desmatamento no Brasil. Mais recentemente, a iniciativa acompanhou o movimento de gestores globais que pressionaram o governo sobre a questão ambiental. [Foto de capa: Victor Moriyama/AFP]
Como evoluiu a percepção dos investidores estrangeiros sobre a política ambiental brasileira desde aquela carta em junho?
Em termos práticos, esse diálogo só começou. Iniciou entre julho e agosto, tanto com o vice-presidente, Hamilton Mourão, como com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Então, foi só o início. Mas, infelizmente, também por uma conjunção de fatores, não temos visto avanços. Como o tempo foi muito curto, não sabemos o quanto foi pela severidade da seca, e quanto foi por negligência dos órgãos de fiscalização. Então, o tempo ainda é curto para os investidores poderem afirmar se foi feita alguma coisa para melhorar a situação.
Mas há um cronograma acordado?
Os investidores devem fazer uma reunião de “follow-up” até o fim do ano com membros do governo, e, até lá, eles vão ter um pouco mais de tempo para avaliar melhor essas questões. Agora, do ponto de vista prático, de atuação do Estado, tivemos um anúncio muito importante do Banco Central. Eles anunciaram uma agenda de sustentabilidade que, até 2022, vai passar a exigir das instituições financeiras a divulgação dos impactos financeiros das mudanças climáticas, a inclusão de testes de estresse para avaliar o quanto o mercado pode ser atingido por essas questões… Logo, teve esse ponto positivo do Estado brasileiro. As coisas positivas sempre vêm do Estado mesmo… Mas, do governo brasileiro, sempre são essas coisas no mínimo polêmicas, como foi o discurso do presidente hoje.
Sobre o discurso, Bolsonaro disse que o Brasil é “vítima” de uma “campanha de desinformação brutal”. Como os investidores receberam essa reação? Ela atrapalha o diálogo?
Sinceramente, eu acho que não. Porque é um discurso político, descolado da realidade. E os investidores sabem identificar isso. Eles estão mais preocupados com ações efetivas que só vão ser verificadas no médio prazo. Por exemplo, os investidores valorizaram a agenda do BC. Embora não seja diretamente ligada ao combate ao desmatamento, porque é uma ação muito mais de fomento ao investimento responsável, ela foi vista com muito bons olhos… Agora, estão aguardando ações para combate ao desmatamento, que envolve a estruturação dos órgãos de controle e supervisão. Até mesmo porque parece que a atuação do Exército não teve muito sucesso.
Como as queimadas no Pantanal e no Cerrado influenciam a pressão dos investidores?
Os últimos acontecimentos, tanto no Pantanal como no Cerrado, fizeram com que a atuação dos investidores passasse a ser mais abrangente. Antes, a pressão dos investidores, embora também citasse o Cerrado, estava muito mais concentrada na Amazônia. Eles estão colocando esses dois biomas adicionalmente para também fazer com que a atuação seja mais efetiva e abrangente. Com certeza, isso serviu para expandir o escopo da pressão dos investidores.
Foi a pressão vinda de fora que motivou ação semelhante vindo de bancos locais?
Eu diria que a atuação dos investidores chamou a atenção de alguns players locais. E você vai ver esses players locais cada vez mais atuantes daqui pra frente. Não posso abrir a relação dos investidores que estão participando desse movimento dos investidores que começou na Europa, mas você vai ver instituições grandes (locais) participando dele também. Até para servirem de interlocução entre instituições estrangeiras, tratando de assuntos que têm obviamente interesse nacional. Você vai ver mais adesão de instituições locais nessa agenda.
Eles vão assinar aquela carta, então?
O mais importante não é exatamente a carta, mas, sim, o diálogo que foi aberto, o projeto de engajamento com o governo. Não foi uma coisa estanque. Desencadeou um projeto para atuação mais efetiva dos investidores, incluindo os locais, com o governo brasileiro para avançar de maneira propositiva e tirar esse ranço de, como foi visto por alguns, ameaça de boicote. Isso tem que ser retirado da conversa agora. A intenção realmente é que sejam implementadas medidas para combater o desmatamento. Essa visão de boicotar, de sair do país em termos de investimento, é uma escolha individual de cada investidor. Eles têm os seus valores, os seus critérios. Lá na frente, se virem que esse engajamento não deu resultado e continua deixando os investimentos arriscados, eles poderão tomar essa decisão. Mas não se fala disso durante esse processo de engajamento.
Logo, ninguém quer banir o Brasil, apenas algumas ações específicas, como houve recentemente?
Exato. Não existe esse movimento conjunto de investidores em relação a isso. Nesse momento, pelo menos, eu não vejo isso.
A preocupação ambiental está pesando na saída líquida de investidores estrangeiros de títulos públicos e ações brasileiras no ano?
Sim, porque as questões de ESG são componentes do risco de qualquer investidor. Então, de alguma maneira, isso pesa nas decisões. Mas não podemos esquecer que acabamos de sair de uma crise aguda e isso também impactou na decisão dos investidores de procurarem economias e moedas mais estáveis.
A condução da pandemia pelo governo, também alvo de críticas, influencia na percepção desses investidores que já estavam atentos ao risco ambiental?
A postura dessa administração não ajudou a diminuir a percepção de risco do investidor estrangeiro. Se tivesse havido uma coordenação entre o governo central e os estados e municípios, essa coesão que era esperada na pandemia, isso obviamente traria um ambiente de negócios muito mais propício. Então, obviamente, isso não ajudou.