Fim do Farmácia Popular pode elevar custos do governo com internações no SUS

O plano de reformulação de políticas sociais — que pretende substituir o Bolsa Família pelo Renda Brasil — colocou novamente o programa Farmácia Popular na mira dos cortes de orçamento dos técnicos do governo. O sistema foi responsável por atender 21,3 milhões de pessoas somente no ano passado, oferecendo medicamentos gratuitos ou com descontos de até 90% para a população.

No elenco, estão remédios de uso contínuo para tratamento de hipertensão arterial, diabetes, asma, dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma, incontinência urinária e anticoncepção. Um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) mostra que o Farmácia Popular diminuiu em 27,6% as internações e em 8% dos óbitos por hipertensão arterial e diabetes no SUS, entre 2003 e 2016. Apesar disso, o programa —, em vigor desde 2004, e com orçamento anual de R$ 2,5 bilhões — é considerado ineficiente pela equipe econômica por contemplar todas as pessoas, independentemente da renda mensal.

A avaliação diverge até do entendimento do Ministério da Saúde, que no Plano Nacional de Saúde considerou o Farmácia Popular como o mais bem-sucedido projeto de saúde pública do país. Em todo país, são mais de 28 mil farmácias cadastradas.

Sérgio Mena, presidente-executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), lembra ainda a análise do economista Pedro Américo de Almeida Ferreira de que o Farmácia Popular salvou mais de 113 mil vidas e reduziu em quase R$ 150 milhões os gastos com internações, em 2016.

“Sua extinção seria lamentável e comprometeria a adesão ao tratamento com medicamentos, o que geraria um custo ainda maior. O programa corresponde a apenas 1,4% das nossas vendas, mas para a população carente, representa 100% de sua chance de tratamento. Para quem precisa dele, é a diferença entre viver e morrer”, avalia Sérgio Mena Barreto.

A presidente da ProGenéricos, Telma Salles, diz que o Farmácia é “essencial” para reduzir gastos da União com a saúde, pois controla especialmente doenças crônicas.

“É até cruel encerrar um programa que oferece remédios para doenças complexas. Elas foram escolhidas porque podem derivar complicações graves. Diabetes não tratada pode levar à cegueira ou à amputação. Extinguir um programa com essa capilaridade e com esse tipo de resultado é um erro”, afirma.

Em novembro de 2017, o governo já havia sinalizado a intenção de acabar com o programa, chegando a fechar 400 lojas da rede própria. No ano seguinte, cogitou reformular o modelo de pagamento para estabelecimentos particulares credenciados. Para a pensionista Araci de Jesus, de 69 anos, o programa significa uma economia de quase R$ 100 mensais:

“Uso o Farmácia Popular há pelo menos sete anos. Compro um medicamento com desconto, o Busonid, para tratamento de rinite. Na farmácias, uma caixa custa R$ 48. Pago R$ 38 pelo programa. E ainda pego outros três de graça: Losartana e Atenolol, para controle de pressão, e Clenil, para asma. Vale muito a pena”, explica Araci.

Reflexo nos hospitais

O aposentado Luiz Moreira Oliveira, de 55 anos, que é deficiente visual, ficou aborrecido com a ideia de pôr fim ao Farmácia Popular. Ele usa o programa há cinco anos para pegar corticoides, medicamentos para controle de diabetes e colesterol, além de remédios para afinar o sangue:

“Isso é a mesma coisa dar com uma mão e tirar com a outra! Como tenho que tomar esses medicamentos para a vida toda, com certeza faria diferença no meu orçamento.”

A geriatra e psiquiatra Roberta França acredita que a medida traria prejuízo à saúde de muitos brasileiros, principalmente os que integram a terceira idade:

“Na maioria das vezes, esses idosos tomam cerca de seis medicamentos por dia, além dos que eles pegam no Farmácia Popular para doenças crônicas, como hipertensão. Muitos ainda tomam remédios para outras doenças, como Parkinson, osteoporose e artrose. Isso pode representar, mensalmente, um custo superior a mil reais. Imagina se ainda tiverem que pagar pelos remédios que pegam de graça?”, comenta a médica. “Tem paciente que me pergunta qual medicamento pode deixar de comprar por falta de dinheiro. Quando não há tratamento de controle, há mais intercorrências e internações.”

Para Chrystina Barros, pesquisadora do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a decisão de acabar com o Farmácia Popular refletiria em um maior custo para o estado a longo prazo, com o maior uso do SUS.

“É provável que as pessoas que controlam suas doenças com medicamentos vão deixar de fazer e, por consequência, terão mais derrames, enfartes e internações decorrentes de complicações de doenças crônicas, gastando mais ao invés de economizar”, opina.

Prioridade além de remédios

Todo programa do governo demanda uma avaliação sobre sua efetividade, ou seja, se ele cumpre o que promete, alcançando resultados com eficiência e usando os recursos da melhor maneira possível. No caso do Farmácia Popular, a professora de economia do Ibmec-RJ Vívian Almeida explica que a equipe econômica teria justificado que pessoas que não têm baixa renda também estariam se beneficiando. Dessa forma, a intenção seria dar uma valor maior, por meio do Renda Brasil, para que os beneficiários tenham a liberdade de escolher como usar esse dinheiro: com comida, medicamentos ou moradia.

A economista, no entanto, diz que também é preciso observar externalidades:

“A ideia de fornecer medicamentos impacta uma melhora da saúde dos indivíduos, principalmente em um país que está empobrecendo. É claro que eficiência importa, mas é preciso observar outros fatores. Quais serão as necessidades e as prioridades dessa família? Vai sobrar dinheiro para medicamento?”

A médica Roberta França faz ponderação semelhante:

“Nesse momento de pandemia, em que milhares de brasileiros que são arrimo de família perderam empregos, questiono como milhares de idosos vão conseguir comprar seus medicamentos.”

[ENTREVISTA]

‘Em 2 anos, reduziu em 20% as internações’, diz Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma

Por que o programa Farmácia Popular entrou na mira do governo?

Falta conhecimento técnico ao Ministério da Economia sobre o programa. Eles disseram que o custo é de R$ 12 bilhões, quando na verdade o investimento do governo é de R$ 2,4 bilhões. Acho que falta ao tecnocrata compreender os benefícios que o Farmácia Popular traz. Entre 2016 e 2018, reduziu em 20% as internações por hipertensão arterial e diabetes. Uma pessoa internada deixa de ser contribuinte da Previdência Social, por exemplo, e passa a ser beneficiário. Ou seja, é mais um custo para o governo.

O programa precisa de reformulação?

Pode ser melhorado. Mas melhorar o programa não significa extingui-lo. Pode retornar a obrigatoriedade de receita do SUS ou coparticipação. É algo a ser estudado.

Qual é o êxito do programa?

Evita que as pessoas fiquem doentes. Garantindo a facilidade no acesso aos remédios, as chances de o doente continuar com um tratamento contínuo é maior. O preço médio de uma caixinha de medicamento para o governo sai a R$ 5,50. Uma internação no SUS é algo perto de R$ 380 por dia, sem UTI. Uma internação de um dia provavelmente vai pagar o tratamento de uma pessoa por vários anos.

O que aconteceria com as pessoas se o programa fosse encerrado?

Elas deixariam de ter acesso facilitado aos remédios. Teríamos o retorno ao que era antes. As pessoas teriam esses medicamentos disponíveis somente em postos de saúde. Elas madrugavam na fila e, muitas vezes, os remédios estavam em falta. Os do Farmácia Popular são aqueles que combatem as chamadas doenças silenciosas da população.

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