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Flávio declarou à Receita que recebeu R$ 250 mil de assessores de Jair Bolsonaro

Por O GLOBO

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) declarou à Receita Federal ter recebido R$ 250 mil, entre os anos de 2008 e 2010, de dois assessores que à época trabalhavam no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Os repasses foram declarados ao Fisco como empréstimos obtidos por Flávio junto aos assessores de seu pai. Em valores atualizados pelo índice IPCA, esse montante equivaleria atualmente a cerca de R$ 440 mil. É o que apontam documentos da Receita obtidos com exclusividade pelo GLOBO. Procurado, o senador afirmou em nota que “não praticou qualquer irregularidade”, mas não respondeu sobre os repasses.

Os dados mostram pela primeira vez repasses financeiros diretos de assessores de Jair Bolsonaro para seu filho. O próprio senador declarou em depoimento que parte dos empréstimos foi em dinheiro vivo. Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio sob suspeita da existência de um esquema de “rachadinha” em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio – a investigação aponta que havia uma sistemática de devolução de salários de funcionários lotados em seu gabinete na Alerj, cujo operador financeiro seria o então assessor Fabrício Queiroz.

O primeiro empréstimo, no valor de R$ 80 mil, foi contraído em 2008 junto a Jorge Francisco, que era chefe de gabinete de Bolsonaro e trabalhou com a família por 20 anos. Jorge Francisco, morto em 2018, é pai do atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência Jorge Oliveira. Em seguida, no ano de 2010, Flávio ampliou o valor do empréstimo com Jorge, que passou a totalizar R$ 150 mil.

Outros R$ 100 mil foram obtidos em 2010 junto a Wolmar Villar Júnior, que era assessor do gabinete de Bolsonaro na Câmara. Wolmar também é um dos assessores mais antigos do presidente. Está com Bolsonaro desde 1992 e agora trabalha na assessoria especial da Presidência da República. Ele é casado com Miqueline Sousa Matheus. Ela também foi assessora de Bolsonaro na Câmara por 13 anos — entre 2005 e 2018.

Miqueline tinha um salário bruto de R$ 8 mil em agosto de 2009 quando se inscreveu no programa de habitação do Distrito Federal chamado Morar Bem, espécie de braço estadual do Programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. O marido ganhava, à época, R$ 8.040. Segundo o governo do DF,  o programa é voltado para famílias com renda bruta de até 12 salários mínimos. Foi um ano depois disso, em 2010, que Wolmar fez o empréstimo de R$ 100 mil para Flávio, segundo os documentos entregues pelo senador à Receita Federal.

Já no ano de 2008 constam no seu Imposto de Renda um empréstimo de R$ 55 mil concedido por Jair Bolsonaro e um de R$ 35 mil concedido por Carlos Bolsonaro. Ainda nesse mesmo ano, foi registrado um empréstimo de R$ 60 mil por Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, que é primo de Flávio Bolsonaro e constou como assessor do seu gabinete na Alerj entre novembro de 2006 e fevereiro de 2012, época do repasse.

Nas suas declarações de Imposto de Renda, Flávio Bolsonaro especifica que os empréstimos contraídos no ano de 2008 foram usados na aquisição de salas comerciais no Rio. Já os empréstimos contraídos em 2010 não tiveram sua destinação esclarecida nos documentos ou no depoimento ao MP.

Flávio declarou à Receita Federal ter quitado o empréstimo de Bolsonaro em 2009 e, no ano de 2011, ter quitado os empréstimos de Carlos e Wolmar. Já o repasse de Jorge Francisco só teria sido integralmente quitado em 2013, cinco anos após o empréstimo inicial.

‘Era em dinheiro’

Parte dos empréstimos registrados por Flávio foram mencionados por ele durante o depoimento prestado ao MP-RJ em julho deste ano, revelado anteriormente pelo GLOBO. Ele mencionou os valores ao explicar como adquiriu um conjunto de salas comerciais depois que as corretoras informaram aos promotores que ele pagou parte da aquisição, R$ 86,7 mil, em dinheiro vivo.

No depoimento, o MP relatou a Flávio que a Cyrella e a TG Brooksfield informaram que ele pagou R$ 86.779,43 com dinheiro em espécie, por meio de depósitos bancários, no ano de 2008, para a compra de 12 salas comerciais no Barra Prime Offices — um centro comercial de alto padrão na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Flávio foi questionado sobre a origem desse dinheiro e afirmou:

“Eu saí pedindo emprestado para o meu irmão, para o meu pai, eles me emprestaram esse dinheiro. Tá tudo declarado no meu imposto de renda, que foi comprado dessa forma (por meio de empréstimo). Depois, eu fui pagando a eles esses empréstimos. Acho que o Jorge (Francisco), que era chefe de gabinete do meu pai, também me ajudou”, respondeu Flávio aos promotores.

Ao longo do depoimento, o promotor também questionou Flávio sobre como foram pagos depois os empréstimos feitos junto a seus familiares para custear as salas. O senador disse que também retornou os valores em dinheiro vivo.

“Não. Era em espécie, em dinheiro”, afirmou Flávio, quando lhe foi perguntado se recebeu o empréstimo integralmente e se o pagou integralmente ou parcelado.

Ao todo, Flávio pagou naquele ano um total de R$ 268.311,75 pelas salas e financiou o restante. No total declarado, as salas chegavam a R$ 2,6 milhões. Antes de revender, Flávio pagou apenas 12% do financiamento. Menos de dois meses depois, no dia 29 de outubro, o senador vendeu as salas e cedeu o restante do financiamento a uma empresa chamada MCA, obtendo um lucro R$ 318 mil.

Senador nega irregularidades

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o senador Flávio Bolsonaro afirmou em nota que não cometeu irregularidades, mas não respondeu aos questionamentos enviados sobre os empréstimos. “A defesa do senador Flávio Bolsonaro está impedida de comentar informações que estão em segredo de Justiça. Todos os esclarecimentos foram prestados pelo parlamentar no foro adequado, quando o senador deixou claro que não praticou qualquer irregularidade. Flávio Bolsonaro é vítima de acusações falsas, movidas por interesses políticos de um grupo que constantemente tem vazado informações sigilosas”, afirmou em nota.

O GLOBO procurou ainda o Palácio do Planalto para ouvir a posição do presidente Jair Bolsonaro e do assessor Wolmar Júnior, e a assessoria de comunicação disse que não iria se manifestar.

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