Cães farejadores podem indicar a presença do novo coronavirus em seres humanos. Essa é a hipótese de uma pesquisada realizada no Brasil e que teve sua primeira fase concluída com sucesso.
Os resultados da análise da UFRPE (Universidade Federal Rural do Pernambuco) estão em fase final e devem ser publicados em breve em artigo apontando a capacidade superior a 90% do animal identificar quem está com Covid-19.
A pesquisa é um desdobramento do projeto Nosaïs, da França, que iniciou essa mesma pesquisa no país europeu. No Brasil, os cães que estão sendo utilizados são da empresa Amarante, que já realiza treinamento de animais para farejar drogas e explosivos.
Na primeira fase dos testes foram 100 amostras enviadas para o Centro de Treinamento de Cães, em Campo Limpo Paulista (SP). Lá, dois cães foram designados para começar a identificar o odor em chumaços de algodão com suor extraído da axila de pessoas com e sem Covid-19.
Os pacientes para essa pesquisa foram captados pela prefeitura de Paudalho, zona da mata de Pernambuco, que também é parceira do projeto.
Resultado animadores
Segundo François Czyba, diretor da Amarante, os primeiros resultados brasileiros são animadores. “Você coloca os chumaços dentro de recipientes de vidros e os põe em oito suportes de metal: o cão passa e senta em frente, indicando de maneira clara o que tem o vírus”, diz, citando que o pré-requisito na escolha dos animais foi ter vontade de brincar e um comportamento manso.
Czyba explica que a expertise da empresa em treinar cães para farejar explosivos e entorpecentes o motivou a dar um passo adiante nesse caso e entrar em contato com o projeto francês.
“Hoje não há no mundo um lugar que o cão cheire a pessoa para identificar doença; só há para drogas e explosivos. Esse é o desafio que a gente tem: fazer com que esse faro chegue a pacientes potenciais. Não é algo simples, é uma coisa complicada, porque é inédita”, diz.
O diretor conta que, para tocar o estudo, o projeto francês informou que seria necessário ter uma universidade com experiência em pesquisas na área. “Em março, entramos em contato com o projeto para perguntar quais eram os requisitos para participar desse projeto no Brasil, e disseram que a primeira coisa era identificar uma universidade para participar do projeto. Foi aí que convidamos a UFRPE”, explica
Pesquisa em Pernambuco
Segundo o biólogo, professor e pesquisador da UFRPE, Anísio Francisco Soares, a primeira etapa está com a parte prática concluída, agora em fase final de preparação para publicação — que vai validar cientificamente as análises.
Ele explica que foram mandados para São Paulo 40 amostras de pacientes com resultados de teste PCR negativos e 60 positivos. “Os resultados foram muito bons. Estamos agora na fase de tabulação dos resultados e estatísticas para submeter à publicação de um artigo com os resultados preliminares”, revela.
Para a pesquisa, foi solicitado aos voluntários que ficassem 24 horas sem banho e sem uso de perfume para colher o suor. Entretanto, pelo menos uma das amostras tinha nítido odor de perfume. “Mesmo assim o responsável deixou submeter o cão à busca, e ele detectou tranquilamente. Isso é importante porque se formos pensar em uso desses cães em abordagens em estádios, shows, ele vai estar diante de vários tipos de odores”, pontua.
A fase dois será prática: os cães virão para Pernambuco e irão para Paudalho realizar o teste em seres humanos. A previsão é que isso ocorra já a partir do início de outubro.
“Estamos vendo agora a parte logística. Vamos montar uma estrutura em Paudalho e para que os cães possam ser alojados nas mesmas condições que estão em São Paulo. Os testes com eles serão no hospital. Assim, quando as pessoas chegarem ao local, passarão em uma sala para que os cães possam sentir o odor diretamente ou por um chumaço de suor da axila retirado na hora para fazer essa análise”, diz.
O pesquisador explica que todo cão tem a característica inata de identificar odores no ser humano. “Ele já é utilizado há anos, independente da raça. Nessa pesquisa os dois cães usados são da raça Doberman e um vira-lata, chamado Sinatra. E temos outros 11 que estão aguardando crescimento para entrar na fase um e começar treinamento também”, conta.
Ideia é sintetizar cheiro
Paralelamente a essa segunda etapa, a universidade também vai atuar agora na análise de biomarcadores para saber as moléculas que estão presentes na reação do vírus com a sudorese humana. As análises estão sendo feitas em laboratórios dos Departamentos de Morfologia e Fisiologia Animal e de Medicina Veterinária da UFRPE.
“O vírus não tem odor. Mas a pessoa infectada vai gerar um odor no suor que o cão identifica. A gente quer descobrir aqui quais são os compostos químicos dessa sudorese humana. No momento que a gente identificar, vai poder sintetizar”, explica.
Para seguir o projeto inédito no país, os pesquisadores agora precisam de mais recursos e apelam por parceiros para doações. “Tivemos alguns apoios de parceiros nessa primeira fase, mas precisamos de mais ajuda. Se alguém puder ou se interessar, pode auxiliar na compra de reagentes equipamentos”, diz.
Se confirmada a capacidade de cães farejarem pessoas com o novo coronavírus, o professor Anísio acredita que haverá um grande método capaz de ajudar na prevenção em eventos com grandes públicos. Segundo ele, cada cão tem capacidade de farejar 500 pessoas por hora.
“O que a gente imagina que é que as pessoas nesses eventos vão a lanchonetes, vão ao banheiro, e as assintomáticas vão contaminar outras pessoas, já que quem está se sentido mal não vai sair de casa. Essa é a proposta em que estamos apostando: um método não invasivo, de muito baixo custo e eficiente”, finaliza.