Secretária demitida por Damares denuncia suspeita de ilegalidade em ONG com contrato pela pasta

Antes de ser demitida pela ministra Damares Alves, na segunda-feira, a então secretária de Políticas de Promoção de Igualdade Racial Sandra Terena enviou um ofício à Assessoria Especial de Controle Interno da pasta informando irregularidades em convênios do Ministério com uma ONG do Sergipe.

No documento, ao qual o GLOBO teve acesso, Sandra Terena denuncia “situação de ilegalidade de malversação de recurso público” na atuação da Associação dos Jovens Aprendizes com Deficiência Visual (AJACDEVI), que, segundo a ex-secretária, é representada por uma única pessoa com 18 CNPJs diferentes e que tem usado o nome do ministério de maneira ilícita para captar recursos. Em resposta à reportagem, o ministério afirmou que pediu a interrupção dos repasses para a Associação.

Conforme revelou a colunista Bela Megale, na segunda-feira, Damares decidiu demitir Sandra Terena após o nome da secretária vir à tona em um relatório da Polícia Federal no âmbito do inquérito de atos antidemocráticos. Sandra é casada com o blogueiro Oswaldo Eustáquio, que é alvo de investigações. No mesmo dia, às 16h15, pouco antes de ser avisada da demissão, Sandra Terena enviou o ofício internamente. O caso foi revelado pela Revista Crusoé e confirmado pelo GLOBO.

No ofício, a ex-secretária menciona o termo de fomento firmado entre a pasta e a instituição para a execução do programa “Aprendizado Integrado” para a inserção de 120 jovens vulneráveis entre 14 e 24 anos no mercado de trabalho, incluindo pessoas de diferentes etnias e com foco na formação profissional, no Sergipe. O texto menciona ainda outros quatro processos semelhantes aguardando liberação de recursos.

A reportagem localizou no Portal da Transparência oito convênios em execução com a associação. Desses, foi efetuada até o momento a liberação do pagamento de uma emenda de autoria do ex-deputado Jony Marcos (PRB-SE) no valor de R$ 1 milhão para a instituição; e outra autorização de R$ 500 mil. Os outros seis convênios que ainda não tiveram liberação somam um valor de R$1,1 milhão. A responsável pela associação, segundo Terena, é Mafra Merys Ribeiro Lima Paz de Carvalho.

O GLOBO entrou em contato com o ex-deputado Jony Marcos, que afirmou que destinou recursos ao ministério e não para nenhuma associação. Ele disse, porém, que esteve duas vezes na secretaria Nacional de Juventude e que lá encontrou com Mafra. “Então, entendo que era servidora pública”, disse ao GLOBO.

“Apresentou-se uma situação de a convenente estar associada a uma série de Organizações da Sociedade Civil defendidas e representadas por uma única pessoa, com 18 CNPJs diversos e com várias emendas nesta Pasta, o que poderia representar uma situação de ilegalidade de malversação de recurso público”, diz o documento enviado por Sandra Terena.

O ofício relata que Mafra teria usado o nome do ministério para captar recursos:

“Somado a isso, a sede da Instuição, conforme apurado pela equipe técnica desta secretaria, é um pequeno imóvel que aparentemente não condiz com o volume de recursos encaminhados. Outro fato que chamou a atenção foi que a presidente da Instuição, Mafra Merys Ribeiro Lima Paz de Carvalho utilizou o nome do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de forma ilícita para captar tais recursos em benefício próprio, fato que é ciência da Polícia Legislava do Congresso Nacional.”

O documento menciona ainda que a situação foi tratada com a própria ministra Damares Alves em reunião no dia 17. A secretária afirma que, diante “desses indícios de ilegalidades”, não executaria o pagamento para a ONG a menos que houvesse parecer da assessoria especial.

Em junho, a Consultoria Jurídica do Ministério concedeu um termo referencial favorável à celebração de convênios com a AJACDEVI. Segundo relatos, o documento chegou a ser usado pela responsável pela ONG na tentativa de obter mais recursos junto aos parlamentares.

Em resposta ao GLOBO, o ministério afirmou que o ofício aborda um tema que “já estava sob apreciação pelo Gabinete Ministerial, junto ao Controle Interno, para examinar denúncias de incapacidade técnica por parte da organização citada”. A pasta diz que já solicitou a interrupção de repasses por parte da secretaria. O órgão afirmou ainda que vai apurar o vazamento do documento a partir de instalação de uma sindicância interna. [Foto de capa: Jorge William/O Globo]

PUBLICIDADE