Mesmo sendo importante discutir a temática em todos os dias do ano, trata-se de forma mais enfática neste Setembro Amarelo o suicídio – palavra que desperta inúmeros sentimentos e dúvidas entre a população mundial.
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o período. O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, mas a campanha acontece durante todo o ano.
São registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 01 milhão no mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias.
Para falar sobre o assunto, a convidada especial do ContilNet é a psicóloga e gestalt-terapeuta Kahuana Leite, que trouxe diversos conteúdos associados ao tema, como possibilidades de intervenção e pós-venção, além de serviços disponíveis no Estado e no Brasil para lidar com o sofrimento que atinge milhares de pessoas.
“Existem algumas recomendações da OMS para abordar o tema de suicídio de forma responsável, empática e ética. Dentre as orientações, destaco: não expor meios e formas em que suicídios aconteceram, evitar falar do tema de forma sensacionalista, evitar juízo de valores ou explicações baseadas em critérios religiosos. Acredito que não só nesse momento atípico, mas uma postura ética atrelada aos Direitos Humanos e cientifica é imprescindível no fazer profissional”, explicou a profissional.
Confira a entrevista na íntegra.
Qual a principal luta no Setembro Amarelo e pra quê ele existe?
O Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio. Foi criada em 2015 no Brasil pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), com a proposta de associar à cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro).
O índice de suicídio, de fato, tem aumentado com muita frequência em todo o mundo?
O suicídio é um problema de saúde pública em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, estando atrás apenas dos acidentes de trânsito.
Quais fatores, internos e externos, você considera que estão relacionados a esse aumento?
O primeiro ponto é compreender que o suicídio é multifatorial, cada pessoa é única e é atravessada por diversos fenômenos, como classe, raça, gênero, orientação sexual, e outros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) ressalta justamente isso, atrelando as causas à diversas situações, como ao abuso de álcool e outras substâncias psicoativas, desemprego, depressão, problemas financeiros, grupos vulneráveis que sofrem discriminação, como refugiados, imigrantes, população LGBTIQIA+, pertencer ao gênero feminino. Considerar que o suicídio é uma situação de saúde pública em todo mundo, me faz pensar como nossa sociedade contemporânea lida com a existência, existe um imperativo produtivista à serviço do capital, não há lugar para a tristeza, falha ou dor. Se não compreendermos que o sofrimento é multifatorial, patologizamos pessoas e reforçamos uma perspectiva de exclusão e marginalização. Se vemos que as causas atreladas pela OMS são demandas sociais, precisamos repensar urgentemente o modelo de vida que nos é ofertado e isso reverbera em olhar questões socioeconômicas, as diversas violências e discriminações, em como mulheres, pessoas LGTQIA+ e outros grupos minoritários se encontram em nosso país. Para se prevenir o suicídio, é preciso pensar também que tipo de vida essas pessoas estão podendo usufruir.
Neste período de pandemia, é mais provável que esse número de casos também sofra uma alteração significativa? A pandemia é um fato precipitante?
Ainda não existem dados científicos – estudos sistematizados – que façam essa relação entre a Pandemia por Covid-19 e suicídio no Brasil, o que vemos são algumas reportagens que apontaram um aumento do Serviço do Samu à casos de suicídio, por exemplo em São Paulo após o período de isolamento social. A pandemia, como eu disse, é uma crise de saúde pública, há estudos científicos que apontam que um evento como esse ocasiona alterações psicológicas e sociais que afetam a capacidade de enfrentamento de toda a sociedade, em variados níveis de intensidade e propagação. Ainda, estudos realizados em outras situações pandêmicas, apontaram que um evento como como esse contribui para o aumento de sintomas ansiedade, depressão e comportamento suicida. A Cartilha de Saúde Mental e Atenção Psicossocial lançada pela FIOCRUZ, reforça que frente a uma situação pandêmica é comum que nos sintamos impotentes, frequentemente em estado de alerta, preocupadas, estressados e confusos. Bem, se falamos que é uma crise de saúde pública é função do Estado a garantia e manutenção do bem-estar da população, através de estratégias de enfrentamento e Políticas Públicas, há evidências de que quanto mais rigorosa for a medida do governo para conter a Pandemia, menor a preocupação da população. A pandemia não é um fato isolado, acontece dentro de um contexto político, econômico, social e tudo isso contribui na forma com que vivenciamos esse fenômeno.
Como você considera que o tema deve ser abordado neste momento atípico que estamos vivendo?
Existem algumas recomendações da OMS para abordar o tema de suicídio de forma responsável, empática e ética. Dentre as orientações, destaco: não expor meios e formas em que suicídios aconteceram, evitar falar do tema de forma sensacionalista, evitar juízo de valores ou explicações baseadas em critérios religiosos. Acredito que não só nesse momento atípico, mas uma postura ética atrelada aos Direitos Humanos e cientifica é imprescindível no fazer profissional.
O que fazer diante de uma tentativa e/ou ideação suicida? Quais as diferenças entre os termos?
Quando nos debruçamos sobre o suicídio, podemos entendê-lo como um comportamento que se caracteriza por algumas atitudes, como: ideação (pensamento de que alguma ação autoinfligida resulte em sua morte), o planejamento, a tentativa e o ato. A tentativa é quando a pessoa coloca em prática seu planejamento, ou seja, saiu do campo das ideias, planejou e tentará executar, diante de uma situação em caráter de urgência como essa é necessário recorrer ao serviço de SAMU (192). Caso a pessoa tenha suicidado, os que ficam, familiares e amigos, precisam também de apoio psicológico para lidar com as reverberações da morte. Ao usarmos a terminologia ideação, estamos dizendo que a pessoa apresenta falas sobre a possibilidade de morrer, caso você tenha escutado de um amigo, amiga, familiar, a orientação é ouvi-la de forma acolhedora, despida de julgamentos e encaminhá-la a um serviço de atendimento psicológico. Se você for essa pessoa, é possível ligar para o Centro de Valorização à Vida (CVV) 188 e obter acolhimento gratuito e sem sair de casa. Destaco que, apesar de a morte ser um tabu e assunto velado em nossa sociedade, momentos em que ela emerge podem ser cuidados e prevenidos, falar sobre a morte é uma possibilidade de atribuir novos sentidos a ela e encontrar ajustamentos necessários para melhorar sua qualidade de vida.
O que é possível oferecer à pessoa diante do sofrimento dela, no primeiro momento?
Ao escutar uma pessoa em sofrimento, evite julgamentos de valor ou de cunho religioso, é imprescindível compreender que cada pessoa é única, então o que faz sentido para você, pode não fazer para ela e tornar-se violento. Uma pessoa em sofrimento, precisa ser acolhida, escutada sem julgamentos e encaminhada para um profissional de saúde especializado. Ainda que você tenha ótimas intensões, temas como o suicídio podem mobilizar situações que sejam difíceis para você e que demandam o acompanhamento de um profissional da área da saúde mental. Se você é uma psicóloga/o que acolhe uma pessoa com comportamento suicida na sua clínica, é preciso pontuar que uma escuta qualificada, conforme a Cartilha de Suicídio do Conselho Federal de Psicologia, desdobra-se em acolher a dor com atenção, sem julgamentos e com interesse, realizando os encaminhamentos adequados com auxílio de outros profissionais da saúde. Vale ressaltar que segundo nosso Código de Ética Profissional, é vedado a/ao psicóloga/a induzir convicções pessoais e reforçar discriminações.
Quais serviços no Acre estão disponíveis para atendê-la?
O suicídio é um fenômeno que pode ser prevenido, para isso existem serviços que podem acolhê-lo:
Centro de Valorização à Vida: ligue 188, serviço gratuito e sigiloso, que funciona 24 horas. Também é possível mandar um e-mail ou falar pelo chat, que podem ser acessados pelo site cvv.org.br. Você será atendida/o por pessoas treinadas para acolherem quem está passando por alguma dificuldade e que possa pensar em tirar sua vida.
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): ligue 192.
Núcleo de Prevenção ao Suicídio no Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco.
Centro de Atenção Psicossocial Samaúma (Caps II), nesse período está funcionando com equipe reduzida de segunda à quinta das 8h às 17h.
Como seria esse trabalho de prevenção do suicídio, em casa? Quais as orientações sobre isso?
A tecnologia é um recurso que pode ser utilizado como ferramenta útil para o acesso aos meios de cuidado, como o CVV. Contudo, esse recurso não abrange toda a população, principalmente quem se encontra em vulnerabilidade econômica ou em lugares mais afastados da cidade, como a população ribeirinha e indígena em que não à acesso ou sinal telefônico, e é por esse motivo que o tema suicídio precisa ser levado em consideração todos os meses do ano, pensando seus múltiplos fatores, precisamos de Políticas Públicas que alcancem todas os cidadãos. Pessoas não estão em intenso sofrimento apenas em setembro, penso que o maior convite que a Campanha Setembro Amarelo possa trazer, do lugar em que me coloco enquanto profissional de saúde mental, é que precisamos de ações contínuas, qualificação profissional, desmistificar tabus, entender que o sofrer também faz parte do existir, que cada vida é única e cheia de significados, que a prevenção é um fazer diário.
Kahuana é psicóloga formada pela Universidade Federal do Acre e gestalt-terapeuta habilitada pelo Centro de Capacitação em Gestalt-terapia de Belém do Pará (CCGT). Ela está no Instagram pelo @psi.kahuanaleite. Email: psi.kahuanaleite@gmail.com.