Alta do dólar tem relação com situação fiscal, diz presidente do Banco Central

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou nesta terça-feira que a desvalorização do real nos últimos meses tem relação com uma situação fiscal mais frágil do país, por conta dos gastos feitos no enfrentamento à pandemia. A fala foi feita durante entrevista para o canal CNN Brasil.

— Tem alguns trabalhos que mostram que existe uma relação muito clara entre a sua situação fiscal e o quanto você desvalorizou como moeda nos últimos três ou quatro meses. Isso mostra claramente que a situação do Brasil que hoje tem uma colocação fiscal mais frágil, também é a moeda que mais desvalorizou.

Segundo Campos Neto, a desvalorização da moeda brasileira vem ocorrendo desde o ano passado em fases. Na primeira, explica o presidente, aconteceu uma troca de dívida externa por dívida interna por causa dos juros mais baixos no país. Dessa forma, o devedor fazia uma dívida interna para pagar a dívida com o exterior, comprando dólares e pressionando a valorização do dólar.

Em um segundo momento, o real desvalorizou em conjunto com outras moedas de países emergentes, como um efeito da crise. A terceira fase é justamente essa preocupação maior com a situação fiscal. Desde o início do ano, o real se desvalorizou 37%.

A questão das contas públicas foi ressaltada mais uma vez pelo presidente da autarquia ao falar da preocupação de investidores estrangeiros com a situação do país. Ele explica que o Brasil já vinha de uma fragilidade fiscal antes da crise, que apenas se agravou com os gastos extras, que, ressaltou, foram necessários para o combate ao coronavírus.

— O que vai dar o maior sinal positivo possível é mostrar que nós conseguimos fazer tudo que o Brasil precisa dentro de uma trajetória fiscal sustentável.

De acordo com Campos Neto, os investidores entendem que é difícil fazer reformas durante uma pandemia e que as eleições podem trazer atrasos para essa agenda.

— O que as pessoas querem enxergar do governo é entender que, uma vez passada a pandemia, qual o plano daqui pra frente, qual o cronograma das reformas.

Em evento com instituição financeira, também nesta terça-feira, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, disse que não há espaço para erro na condução da política fiscal no período pós-pandemia. Ele lembrou que, com uma relação dívida sobre o PIB projetada em 95%, para cada 1 ponto percentual de aumento da Selic, resulta em um gasto de R$ 50 bilhões no custo de carregamento da dívida pública.

Funchal também explicou que a preocupação com o ajuste das contas pública resulta em aumento dos juros futuros, negociados no mercado. É a taxa futura que determina o custo dos investimentos, e elas têm aumentado de forma acentuada nas últimas semanas, o que desencoraja a tomada de decisões de investimento.

Mas Funchal se disse otimista, pois o desenho fiscal está na direção correta, com um governo e um Congresso reformistas, apesar da agenda de reformas e ajustes não corra na velocidade desejada.

Com os atuais parâmetros de crescimento e endividamento, Funchal voltou a dizer que o país só volta a registrar superávit primário em 2026 ou 2027. O superávit primário considera a receita menos a despesas sem considerar o pagamento de juros da dívida.

Resultados primário superavitários é o que ajudam a reduzir o endividamento do país

Meio ambiente

Campos Neto também ressaltou que, além da situação fiscal, há uma preocupação maior no mundo inteiro sobre a sustentabilidade ambiental. Segundo ele, há uma percepção que está fazendo com que os fluxos de investimentos que saíram do país durante a crise não tenham voltado na mesma intensidade ainda.

— Existe uma percepção, às vezes pela narrativa, às vezes pelo que tem acontecido, o fato é que essa percepção estava fazendo com que os fluxos no Brasil não estivessem voltando na mesma proporção em que voltavam em alguns outros países emergentes.

De acordo com Campos Neto, o Banco Central tem alertado e feito um meio de campo entre os investidores e o governo.

— O Banco Central não fez formulação dessas políticas, simplesmente alerta, mostra o caminho e conversa com os investidores, faz o link entre investidores e governo para que nós possamos alinhar uma narrativa que seja construtiva mais para frente. [Foto: Jorge William/Agência O Globo]

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