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Brasil pode elevar exportações e atrair investimentos, diz especialista em China

Por O GLOBO

De janeiro a setembro deste ano, na comparação com igual período de 2019, as exportações brasileiras para a China aumentaram em 8,3%. Um dos motores da retomada da economia global, o gigante asiático cresceu 4,9% no terceiro trimestre deste ano e deve ser uma das poucas nações a terminar o ano com números positivos, destacam analistas.

Para Roberto Dumas, professor de Economia Chinesa do Insper, a expansão da China contribui para a retomada da economia brasileira, especialmente com a venda de matéria-prima, como minério de ferro, e de insumos alimentícios, como soja e proteína animal. Além disso, futuramente, o país poder atrair investimentos em projetos de infraestrutura.

O professor pondera que a estratégia chinesa para combater a pandemia (confinamentos totais e testagens em massa) foi uma das responsáveis pelo crescimento observado de julho a setembro e sublinha que as eleições americanas deixam um cenário incerto quanto ao vigor do crescimento da China nos próximos anos. [Foto de capa: Thomas Peter/Reuters]

Como a expansão da economia chinesa pode beneficiar a economia brasileira?

Quando a China cresce, é bom para o Brasil. Isso ocorre porque a demanda chinesa por commodities, como minério de ferro, tende a aumentar. Outros países sul-americanos também se beneficiam, como o Chile ampliando sua venda de cobre. Mas é importante destacar que a China está crescendo por meio de um forte investimento público na produção industrial e em construção civil. Se esse gastos que o governo estão fazendo agora são necessários? Provavelmente, não… A China segue se endividando e postergando o rebalanceamento da economia, deixando de ter um PIB dependente em investimento público para mais participação do consumo. A estratégia da China durante a pandemia é importante, mas é como se fosse um crescimento anabolizado.

Além de minério de ferro, quais outros produtos brasileiros que têm sido mais comprados pela China?

Commodities agrícolas, especialmente soja, e proteína animal. No último ano, a China foi obrigada a dizimar cerca de 600 mil cabeças de suínos por conta da peste suína africana, que arrasou muitas áreas do país. Assim, a China se viu obrigada a expandir as compras de proteína animal, onde o Brasil se beneficiou. Além disso, a alimentação de suínos é, em sua maioria, por meio de farelo de soja. Outro ganho para o Brasil.

O Brasil tem buscado se alinhar com os EUA, onde o controle da Covid-19 foi mais brando do que na China, fato que pode frear a recuperação americana. Qual deve ser a estratégia brasileira?

Tome como exemplo o que aconteceu na Europa. Algumas áreas reabriram ainda sob o risco latente de uma segunda onda da doença. Ela veio e já há áreas de países como Espanha e Itália enfrentando novos movimentos de lockdown (confinamento total). Esses países estavam “ligando os motores” para retomar a economia, mas agora estão tende de freá-los de novo. Em vez de recuperação em “V” (após atingir o ponto mais crítico da crise, o crescimento vem rápido), agora devemos começar a debater recuperação em “W” (após a queda, vem o movimento de recuperação, que rapidamente é engolido por nova queda, atrasando a saída da crise). A China fez um sério e abrangente trabalho de lockdown e testagens em massa da população. Sem dúvida, isso contribuiu para os bons resultados observados, independentemente do debate sobre a forma que o país tem crescido. O Brasil ainda segue numa primeira onda, com medidas de controle da pandemia mais fracas. O exemplo chinês de controle à doença é uma boa ideia a ser replicada.

O Brasil deve ampliar os laços com a China?

Caso Donald Trump seja reeleito nos Estados Unidos, precisamos observar como o governo brasileiro tende a se comportar. Em um passado recente, já foram ventilados comentários de que a Huawei não participaria do leilão do 5G no Brasil. Se uma gigante chinesa for cerceada em um mercado como o Brasil, é razoável projetar que a China faria alguma retaliação. Caso Biden seja o ganhador, a situação brasileira também segue delicada. O candidato já fez comentários críticos ao Brasil, especialmente sobre o meio ambiente. Além disso, Biden quer um grande acordo com a União Europeia, bloco que parece não estar muito disposto a fechar o acordo com o Mercosul. Resumindo, Brasil pode ter problemas para escoar a produção para os Estados Unidos e 27 países da União Europeia. Sem contar as nações do Oriente Médio que indicaram que poderiam romper laços comerciais com o Brasil caso a embaixada do país fosse mudada para Jerusalém. A China é um parceiro comercial importante…

Além de compras de commodities, os chineses podem trazer pra cá investimentos em leilões de infraestrutura?

Sem dúvidas, seria o “follow the money” (siga o dinheiro). Os países da zona do euro e os Estados Unidos estão em franco aumento do déficit fiscal, o Japão está patinando cada vez mais na economia, enquanto o chinês está com ímpeto de investir fora. Investir no Brasil, e em outros países de outros continentes, é bom para a China porque diversifica os mercados com os quais o país negocia e transformam as empresas chinesas em grandes players globais. Especialmente em infraestrutura, o Brasil está atraente porque há projetos a serem explorados, o câmbio do país está depreciado e as principais empresas nacionais do setor ainda enfrentam dificuldades financeiras após escândalos políticos e econômicos.

O consumo na China dá sinais de recuperação, mas as empresas estão endividadas e as exportações têm um peso ainda mais relevante na economia chinesa do que tinha antes da pandemia. Como as eleições americanas podem afetar o desempenho do PIB chinês?

O cenário é dicotômico e curioso. Em conversas com pesquisadores chineses, alguns têm pontuado que a vitória de Donald Trump pode até ser menos pior do que a de Joe Biden. A justificativa para este pensamento, segundo o que explicaram, é que a estratégia de Trump já é conhecida: ele ataca sozinho. Impõe tarifas por conta própria, proíbe empresas chinesas americanas no território americano sem consultar qualquer órgão internacional, entre outras coisas. Ao fazer isso, ele acaba perdendo força e, em algumas vezes, é obrigado a voltar atrás. Já Biden tem reforçado que pretende construir uma coalizão internacional para debater propriedade intelectual, sempre seguindo órgãos globais, como ONU e OMC. A estratégia de Biden tende a ganhar mais capilaridade, criando uma barreira mais dura para a China. Não significa que os chineses gostem mais de um ou outro, mas as estratégias são diferentes, e as consequências para o país, também. Muitas vezes, Trump ataca os próprios aliados na Ásia, já Biden os quer por perto. Devemos aguardar para saber como a China será afetada pelas eleições americanas.

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