O Brasil chega hoje ao seu 168º dia seguido com a média móvel diária de mortes por covid-19 acima dos 300 óbitos, valor alcançado apenas por dez países – e freado rapidamente pela maioria deles. Por aqui, atingimos essa marca em 28 de abril e, desde então, nunca mais saímos desse patamar. O único país em situação pior do que a nossa são os Estados Unidos, que registraram números parecidos um mês antes e ainda mantêm índices elevados de óbitos pela doença.
O Estadão procurou especialistas para entender como uma curva tão longa de óbitos e de isolamento social pode atrapalhar a vida das pessoas em aspectos emocionais, sociais e econômicos. Raul Borges Guimarães, professor de Geografia da Unesp, estuda a pandemia desde o seu início e lembra que um primeiro ponto a se considerar é a característica demográfica de Brasil e EUA, principalmente onde há concentração de pessoas. “Há países povoados como Japão e Coreia do Sul que desenvolveram um sistema de vigilância e controle baseado em testagem em massa e monitoramento”, diz.
“Isso não ocorreu no Brasil, que foi um dos países com menor porcentagem de testes. A gente ficou caminhando às cegas na pandemia.”
Guimarães observa que entre os dez países que ultrapassaram a marca de 300 mortes diárias na média móvel estão nações populosas e com megacidades, como Nova York, São Paulo e Nova Délhi. “Essas metrópoles tiveram um papel muito grande na dispersão da doença. Já na Europa, há grande malha urbana. A disseminação viral leva dois componentes fundamentais do território em conta: densidade populacional e mobilidade urbana, com pessoas convivendo no mesmo espaço.”
Na América do Sul, Argentina e Colômbia também atingiram essa barreira de 300 mortes diárias. O primeiro país chegou nesse patamar em 22 de setembro e ainda tenta sair, enquanto o segundo teve crescimento mais expressivo em 30 de julho, mas já viu os números caírem 37 dias mais tarde.
México e Índia romperam os 300 óbitos na média móvel em 23 de maio e 11 de junho, respectivamente, e ainda não conseguiram sair. “Junto com Brasil e EUA, são países continentais, de grande extensão territorial”, explica Guimarães. Mas, segundo ele, não dá para comparar com a China, com 1,4 bilhão de habitantes e grande extensão, onde a pandemia foi controlado em cerca de dois meses. “Lá utilizaram um sistema de vigilância impraticável em países democráticos, com a privação de liberdades individuais.”
Com uma quarentena se arrastando por quase sete meses, o Brasil ainda tem uma média móvel acima dos 600 óbitos por dia, considerada alta em comparação com o restante do mundo. “Nenhum país teve um período de quarentena tão prolongado quanto o nosso. Há um patamar muito alto e uma situação em que o povo se vê acostumado com a pandemia, como se fosse algo bom. E não é!”, diz Nelson Marconi, professor e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Ficar numa situação de platô durante tanto tempo dificulta o retorno de atividades. Não acredito que se tenha de liberar, o que deveria ter sido feito era um controle restrito desde o começo.”
Marconi avalia que, após sete meses de pandemia, a população e a comunidade médica já conhecem melhor o vírus e sabem como combatê-lo, mas frisa que isso ainda é um aprendizado. “Temos uma situação em que não saímos da pandemia, nem voltamos ao normal. Se tivéssemos feito uma estratégia mais intensiva no início, agora poderíamos estar com o R (nível de transmissão, contágio e mortes) muito mais baixo”, continua. “Não dá para ficar seis meses em quarentena. Também não há retomada grande de emprego em função disso.”
De acordo com o pesquisador em neuropsicologia Paulo Sérgio Boggio, do Mackenzie, o aspecto emocional ainda deve gerar efeitos no pós-pandemia, principalmente pelo tempo prolongado de distanciamento social. “A necessidade do contato vai aumentando e uma série de elementos que nos ajudam a regular as emoções e buscar formas de amenizar o sofrimento mental vai diminuindo”, observa.
Ele explica ainda que a falta de interação vai contra a natureza dos humanos, que são uma espécie altamente social. Assim, o isolamento prolongado diminui a nossa capacidade de cuidarmos da saúde mental e causa efeitos diferentes em crianças, adolescentes, adultos e idosos, como o aumento de pesadelos. “Quando perdemos a percepção de controle, há um impacto muito grande que nos tira a possibilidade de resolver problemas.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.