Apesar da defesa enfática da manutenção do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas da União, integrantes do governo e do Congresso chegaram à conclusão de que, mesmo reduzindo o número de beneficiários do programa que substituirá o Bolsa Família, ainda assim os gastos federais irão ultrapassar o limite imposto pela regra fiscal.
Diante disso, uma ideia que começou a ser aventada seria criar um fundo “com neutralidade fiscal”, ou seja, fora do teto, com uma fonte de receita específica e prazo determinado para seu uso. Esses recursos viriam de uma revisão de renúncias tributárias e desonerações.
O objetivo é dar cobertura social a mais 3 milhões de famílias, que representam um universo de 8 milhões a 10 milhões de pessoas. Esse grupo foi identificado pelo governo como o mais vulnerável entre os que estão recebendo o auxílio emergencial, que termina em dezembro.
Essas pessoas seriam incluídas no Renda Cidadã, programa que substituirá o Bolsa Família, que atualmente atende 14,2 milhões de famílias, segundo o Ministério da Cidadania.
Sem danos à imagem
Ontem, ao ser questionado se a imagem do Brasil no exterior seria prejudicada caso o novo programa social fique fora do teto de gastos, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que, se isso for definido por meio de um acordo com o Congresso, a solução não será um problema.
— Se ele for construído, vamos dizer assim, em comum acordo, obviamente, tem que ser com o Congresso, que representa a sociedade como um todo, eu não vejo problema nenhum.
Apesar disso, Mourão defendeu que é necessário manter a “âncora fiscal” do Brasil:
— Nós temos que manter a âncora fiscal. A que nós temos hoje é o teto de gastos.
Técnicos que auxiliam o relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do corte de gastos, senador Márcio Bittar (MDB-AC), destrincharam o Orçamento e concluíram que, mesmo tomando medidas impopulares, não seria possível obter entre R$ 30 bilhões e R$ 35 bilhões, volume de recursos necessário para bancar o Renda Cidadã, manter um mínimo de investimento em 2021, e ainda respeitar o teto.
A proposta que poderia abrir o maior espaço no Orçamento — até R$ 19 bilhões — seria congelar aposentadorias acima de um salário mínimo, medida que o presidente Jair Bolsonaro já derrubou.
Alternativas como cortar salários que extrapolam o teto do funcionalismo, acabar com benefícios como salário-família e seguro defeso abririam um espaço de aproximadamente R$ 7 bilhões.
Ao adiar a decisão sobre o programa para depois das eleições, analistas avaliam que o governo gerou incertezas para as famílias vulneráveis que perderão o auxílio em dezembro e para o mercado. [Foto de capa: Gabriel de Paiva/Agência O Globo]