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Citação a Bolsonaro em de jogo da seleção fere a legislação, dizem especialistas

Por O GLOBO

A transmissão do jogo entre Brasil e Peru, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, na noite desta terça-feira, pela TV Brasil, feriu a legislação brasileira. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pelo O GLOBO, uma vez que a partida, cujos direitos de transmissão foram comprados horas antes pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e cedidos à TV Brasil, virou um instrumento para propaganda do governo de Jair Bolsonaro.

— Canais públicos de comunicação não estão a serviço do governo. Para isto, existem os órgãos de comunicação estatal. Essa diferenciação está prevista na Constituição (artigo 223 que especifica três sistemas, público, privado e estatal). E, no jogo da seleção, ficou evidente que o caráter público que deu origem à TV Brasil e está previsto em lei, está sendo dizimado pelo governo de Jair Bolsonaro.

Ela se transformou numa TV governamental, ao arrepio da lei — observa Bia Barbosa, jornalista e pesquisadora da área de regulação de mídia e mestre em políticas públicas. — Segundo a lei da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) é clara a separação entre a comunicação pública e do governo.

Um locutor (André Marques) ficou agradecendo em nome da Secretaria de Comunicação da Presidência da República à CBF e mandando abraço para o presidente. Texto lido, escrito. Uma propaganda governamental, numa televisão cuja lei diz que é pública. O Brasil não tem uma história de constituição de comunicação pública.

Bia se refere à lei 11.652, de abril de 2008, que institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta, e que diz que “é vedada qualquer forma de proselitismo na programação das emissoras públicas de radiodifusão”.

A lei rege a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), empresa pública federal que possui um conglomerado de mídia no Brasil, incluindo a TV Brasil (criada em 2007 para prestar serviços de radiodifusão pública e gerir as emissoras de rádio e televisão públicas federais).

Bia diz que é preciso ver todo o contexto atual e compara o jogo da seleção de futebol com o caso de Carol Solberg, que no mesmo dia, em julgamento no STDJ do vôlei, foi punida com advertência ao falar de política em uma partida do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia. Ela diz que há “violação da ética esportiva para alguns”, mas “mandar abraço ao presidente na TV pública não é uma violação também da ética esportiva.”

O especialista em comunicação pública João Batista de Abreu, professor da Universidade Federal Fluminense, cujo mestrado foi sobre a imprensa na Ditadura Militar, diz que a transmissão do jogo da seleção de Tite o fez lembrar da Copa do Mundo de 1970, quando o Brasil vivia uma ditadura:

— Ficou claro o uso político do governo Bolsonaro numa transmissão esportiva que tem a seleção brasileira como a sua principal atração. Este tipo de conduta lembra a exploração política dos governos militares, em particular do ditador Médici (o general Emílio Garrastazu Médici), na Copa de 70. Este é um canal público e não do governo e serviu aos interesses do governo — comentou.

Ele explica que neste caso ficou evidente a interferência do governo no Estado, característica de um governo não-democrático.

— Quando o locutor da transmissão faz referência ao Bolsonaro, me veio à cabeça as transmissões da Copa do Mundo de 1970, quando um locutor específico fazia apologia ao Médici e criava bordões, como ‘presidente pé-quente, presidente gente como a gente’, que fazia parte de um projeto para melhorar a imagem do Médici — disse Abreu, que compara ainda a TV Brasil com a inglesa BBC, também pública.

— Deveria ser como a BBC, que preserva sua autonomia em relação ao governo do Reino Unido. Acredito que ontem, houve uma orientação de cima para que o locutor fizesse essa referência. No segundo tempo, fica claro que ele leu algum comunicado.

A transmissão

No jogo desta terça-feira, o narrador André Marques da TV Brasil mandou um abraço do secretário-executivo do Ministério de Comunicações, Fábio Wajngarten, para o presidente da CBF, Rogério Caboclo, e para outros dirigentes da entidade, agradecendo o presente. Em seguida, mandou um abraço para o presidente da República, Jair Bolsonaro. A saudação foi repetida no segundo tempo, dando a impressão de um texto pronto.

No intervalo, houve um noticiário sobre novas regras para a carteira de motorista, com longo tempo para explicações do presidente Bolsonaro, e outra matéria que exaltava os investimentos e esforços do Ministério do Meio Ambiente para combate às queimadas no Pantanal, com direito a fala do ministro Ricardo Salles.

Antes do jogo, na manhã de terça-feira, Fábio Wajngarten disse que pediria autorização à CBF para transmissão do jogo na TV Brasil. Mas a entidade não tinha os direitos do jogo e, por isso, avisou o governo que não tinha o poder de dar esse aval.

Essa era a posição da confederação até o início da noite. Pouco mais de uma hora antes do jogo, no entanto, CBF anunciou que havia comprado os direitos de transmissão da Mediapro e os cederia à TV Brasil.

Wajngarten festejou a participação do governo na transmissão em suas redes sociais: “O Brasil não deixará de assistir ao jogo do Brasil contra o Peru, hoje às 21hs. A TV Brasil transmitirá a partida graças à colaboração da CBF.” [Foto de capa: Lucas Figueiredo/CBF]

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