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Como é o fundo do Rio Negro? Imagens e descrições revelam o mistério; veja fotos

Por EM TEMPO

Seja para amazonenses ou quem vem de fora, o Rio Negro pode despertar muita curiosidade. Suas águas escuras impossibilitam que se veja o fundo do afluente e, mais importante, o que existe por lá. Para responder a essas perguntas, muitos pesquisadores têm dedicado a vida a estudar as águas amazônicas e suas especificidades. Confira o que já descobriram!

Antes de entrar no fundo do Rio Negro, é importante responder a uma questão essencial. Por qual motivo a água é escura? O que a faz ser tão diferente de outros rios? Quem dá conta dessas interrogações é Rogério Marinho, professor e pesquisador do departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Criança toma banho no Rio Negro, afluente de águas escuras [Foto: Thaís Antunes]

“A água do Rio Negro é escura em virtude da grande quantidade de matéria orgânica dissolvida, oriunda da decomposição da vegetação. Como o terreno que o Rio Negro se origina é antigo e não possui muito sedimento para transportar, e os solos são bem arenosos, a cor da água é uma resposta da lavagem do ‘chão da floresta’ pelas chuvas. E o material vegetal decomposto lavado é direcionado para o canal do rio”, explica o cientista.

Areia, folhas e lama

Se você já mergulhou no Rio Negro e abriu os olhos lá embaixo, pode ter percebido que não se consegue enxergar o que está a cerca de dois metros de distância, a depender da região. E, falando em mergulho, pode ainda parecer mais assustador se afastar da margem ou beira do rio, porque em poucos metros a água se torna funda e fica difícil tocar o chão com os pés.

Rogério estuda o arquipélago de Anavilhanas, região banhada pelo Rio Negro [Foto: Cedida]

O geógrafo Rogério Marinho descreve o fundo do rio como “parte arenoso e parte lamoso”, com decomposição de vegetação, ou seja, restos de folhas e galhos. É isso o que o seu pé sentiria se encostasse lá embaixo.

Velocidade, profundidade e… redemoinhos

Ao nadar para se afastar do fundo, você pode ainda se deparar com mais uma curiosidade no Rio Negro. Mas seria melhor ficar distante. Segundo Marinho, existem redemoinhos no afluente por ser considerado “um fluido com movimento turbulento e caótico”.

“Ao escoar seu fluxo de água, um rio possui movimentos verticais [redemoinhos ou vórtices] que varia em função de sua velocidade, da profundidade e da forma do seu leito. Esses redemoinhos, dependendo do tamanho do corpo presente na água, podem gerar ações de ‘puxar ou empurrar’. Os principais fatores que produz redemoinhos em rios são relacionados à profundidade, densidade da água, irregularidades do canal e temperatura. No ‘Encontro das Águas’ observamos muito a presença desses redemoinhos em virtude desses fatores”, diz o cientista.

Arquipélago de Anavilhanas, próximo ao município de Novo Airão (AM) [Foto: Thaís Antunes]

Marinho conta que o Rio Negro corre à média de 2 km/h na região próxima Manaus. A velocidade, segundo ele, é baixa em comparação a outros trechos, como na parte com cachoeiras em Santa Isabel do Rio Negro. O afluente também é mais lento do que outros, como o Rio Solimões que corre à média de 6 km/h.

“Podemos caracterizar a geomorfologia do Rio Negro como um sistema fluvial antigo, multicanal, com a presença de grandes arquipélagos, com trechos estreitos de maior velocidade onde aparecem rochas e outros trechos mais largos e de baixa velocidade. Além de possuir pontos com elevada profundidade, como, por exemplo, no Estreito de Paricatuba, que pode chegar até 90 metros na cheia”, comenta o geógrafo.

Espécies que vivem no rio

Em todo esse mundo aquático descrito acima, há muita vida, explica Jansen Zuanon, biólogo e ecologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ele estuda a fauna aquática e já publicou artigos em periódicos nacionais e internacionais.

Zuanon estuda a vida animal no fundo dos rios [Foto: Cedida]

“No final do ano passado, publicamos um trabalho que compilou os registros de espécies de peixes que vivem na grande bacia do Rio Negro, e encontramos 1.165 espécies, o que o torna um dos rios com a maior diversidade de peixes do mundo”, comenta.

Zuanon diz que, dentre esses peixes, os mais comuns foram o grupo dos Characiformes, com 454 espécies (que inclui as piabas, pacus, jaraquis, aracus, matrinxãs e a grande maioria dos peixes de escamas da Amazônia). Por sua vez, o segundo grupo com mais espécies foi o dos Siluriformes (bagres, mandis, bodós, cangatis, tamoatás etc), com 416.

Espécies de peixes que habitam os rios amazônicos [Foto: Divulgação/Inpa]

“O Rio Negro também é famoso pelos seus grandes tucunarés, que movimentam uma intensa pesca esportiva, e pelo tetra cardinal, um dos mais famosos do mercado mundial de peixes ornamentais”, comenta o biólogo.

Quem mora no escuro?

Você moraria em um ambiente onde não consegue enxergar nada? Pois, no Rio Negro, existem peixes que vivem exatamente assim. E por causa disso, alguns são até cegos, já que os olhos são ‘inúteis’. O biólogo explica tudo.

“A imensa maioria das espécies de peixes que conhecemos no rio Negro vive em águas rasas, em profundidade de no máximo 10 metros. Abaixo disso, a fauna de peixes vai ficando mais escassa, tanto em termos da diversidade quanto da quantidade de peixes. Assim, de forma geral, quanto mais profundo for o trecho do rio, menos espécies de peixes haverá naquele local”, afirma Zuanon.

Fundo do Rio Amazonas, formado pelo Rio Negro e Solimões. Na imagem, corais a 100 metros de profundidade na fronteira com a Guiana Francesa [Foto: Divulgação/Greenpeace]

Segundo estudos e expedições, o biólogo afirma que algumas áreas do Rio Negro podem chegar facilmente aos 100 metros, o equivalente a um prédio de 33 andares. Nessa profundidade, Zuanon explica que são escassas as informações sobre a vida aquática, e, da mesma forma, são poucas as espécies que vivem lá embaixo.

Em seus estudos em conjunto com outros cientistas, ele diz que conseguiram pesquisar no máximo 30 metros, ou seja, um prédio de dez andares embaixo d’água. Nessa profundidade, praticamente só habitam peixes com alguma capacidade de se adaptar à escuridão.

“A fauna de peixes no canal desses rios é dominada, em quantidade e variedade, por pequenos bagres, em especial os ‘bacus’ ou ‘reco-recos’ da família Dodadidae. Além deles, também sarapós ou peixes-elétricos, que pertencem a um grande grupo de peixes chamados de Gymnotiformes”, afirma o especialista.

Segundo ele, os bagres (Siluriformes) se orientam em relação ao ambiente, à presença de peixes da sua ou de outras espécies, e de predadores, porque têm barbilhões, ou seja, um bigode (como antenas) que agem como os sentidos do tato e do paladar.

Bagre ‘dourada’ (Brachyplatystoma rousseauxii), que vive no Rio Amazonas, formado pelo Rio Negro [Foto: Enrico Richter]

“Já os sarapés apresentam órgãos especializados para gerar e perceber campos elétricos fracos, o que permite que esses peixes se orientem na escuridão usando um mecanismo parecido com o de um sonar. Toda vez que um objeto ou outro organismo cruza esse campo elétrico, o peixe percebe e consegue até distinguir se é um animal ou não, o seu tamanho e até detalhes do seu formato”, diz Zuanon.

Sobre o tamanho dos animais, pode ficar tranquilo. Segundo o biólogo, essas espécies costumam ser pequenas (até 20 centímetros), mas muitas delas são menores ainda (3 ou 4 centímetros na fase adulta).

“Sobre a aparência, diversas espécies apresentam adaptações parecidas com aquelas de peixes que habitam cavernas, ou seja, são albinas ou apresentam pouco pigmento na pele. Além disso, não têm olhos ou os olhos são vestigiais [existem, mas sem ou pouca função]”, explica o ecologista.

Mistério persiste

Essa reportagem teve inspiração em uma discussão que surgiu há pouco tempo no Twitter, quando internautas levantaram o assunto e se questionaram sobre como poderia ser o fundo do Rio Negro. Pelos comentários, é possível perceber que alguns acertaram no palpite.

Para a ecologista Emerson Munduruku, é bom ter também o direito ao mistério. Ela é artista e possui uma entidade chamada Uýra, moldada a partir de elementos da natureza.

Em uma performance, ela representou justamente o mistério das águas do Rio Negro. Para caracterizar Uýra, Emerson utilizou plantas que nascem às margens do afluente e, no rosto, um líquen – que é um organismo simbiótico entre fungo e algas.

Uýra nas águas do Rio Negro, em 2018 [Foto: Ricardo Oliveira]

“O que habita no fundo do rio é uma pergunta sem resposta hoje. É outro mundo, um universo não acessado por nós. A Ciência ainda não sabe responder, e talvez algum pajé indígena até saiba, mas não pode revelar. O que eu sei é que ali, no fundo do rio, existe o mistério. Uma natureza sagrada como a da superfície, cheia de criaturas nobres. É importante assumirmos que não saberemos tudo do mundo, que não teremos todas as respostas, e tudo bem. Assim podemos compreender o mundo também pelo coração”, descreve a artista. [Foto de capa: Thaís Antunes]
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