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Como o presidente dos EUA é eleito e o que acontece se o resultado for contestado

Por O GLOBO

Os Estados Unidos elegerão seu 46º presidente em 3 de novembro, escolhendo entre os candidatos dos dois principais partidos do país: o republicano Donald Trump, atual ocupante da Casa Branca, e o democrata Joe Biden, ex-senador e ex-vice-presidente de Barack Obama.

O processo eleitoral nos EUA, já complicado pela ausência de regras nacionais e pela existência de uma instituição sui generis (do latim, ‘único em seu gênero] como o Colégio Eleitoral, se desenrola neste ano em um ambiente especialmente tenso.

A pandemia da covid-19 e a alta polarização política já levaram mais de 90 milhões de eleitores a votarem de forma antecipada, pessoalmente ou pelo correio — o que representa 65,5% do total do eleitorado de 2016.

Além disso, o presidente Donald Trump lançou suspeitas sobre a lisura do voto postal, negou-se a afirmar que reconhecerá o resultado caso seja derrotado e afirmou que a disputa pode parar na Suprema Corte.

Entenda abaixo o processo, suas origens e as possibilidades de saída que existem se a disputa se prolongar.

Como o presidente dos Estados Unidos é eleito?

O presidente dos EUA é eleito de modo indireto, por meio de um Colégio Eleitoral com 538 delegados. Os delegados representam os 50 estados, cada um com uma bancada que é a soma de sua representação no Senado, que é sempre de dois senadores por estado, e na Câmara dos Deputados, que é proporcional à população estadual. Além disso, o Distrito de Columbia, onde fica a capital, Washington, tem direito a três delegados. Para ser eleito, um candidato precisa chegar aos 270 votos, a maioria absoluta dos delegados mais um.

Como os estados determinam em quem seus delegados votarão no Colégio Eleitoral?

Essa regra é decidida pelos próprios estados. Em 48 dos 50 deles, funciona o sistema conhecido como “o vencedor leva tudo”, no qual o candidato que teve a maioria do voto popular no estado terá o voto de todos os delegados. Como o sistema não é de representação proporcional, pode ocorrer que um candidato à Presidência não tenha a maioria dos votos populares, mas vença no Colégio Eleitoral. Foi o que aconteceu em 2016, quando Hillary teve 48,2% dos votos, cerca de 3 milhões a mais do que Donald Trump, que teve 46,1%. Ainda assim o republicano venceu a eleição, com 304 votos no Colégio Eleitoral. O democrata Al Gore também teve mais votos populares do que o republicano George W. Bush em 2000, com 48,4% a 47,9% dos votos.

Expectativas para a eleição americana [Fonte: Cook Political Report/Reprodução/O Globo]

Por que a possibilidade de divergência entre o voto popular e o voto no Colégio Eleitoral tem desfavorecido os democratas?

Porque o eleitorado do Partido Democrata está concentrado em estados mais populosos, enquanto o eleitorado republicano está concentrado principalmente em estados menos populosos e rurais. O fato de o número de delegados de cada estado ao Colégio Eleitoral incluir sempre dois representantes que equivalem à representação no Senado — que é igual para todos os estados, independentemente de sua população — em alguns casos triplica o peso de estados menos populosos e tem representado uma vantagem para os republicanos. Um estudo de 2017 de dois economistas da Universidade do Texas, Michael Geruso and Dean Spears, mostrou que os republicanos podem vencer no Colégio Eleitoral em 65% das eleições em que eles perdem no voto popular por uma pequena margem de 1 a 2 pontos percentuais. De acordo com o estudo, mesmo em uma vitória democrata por margem de 3 pontos os republicanos teriam 16% de chances de vencer no Colégio Eleitoral. O estudo ainda aponta que os democratas tendem a vencer em estados mais populosos por ampla margem e também a perder nesses mesmos estados por pequena margem. Em 2016, Hillary Clinton ganhou na Califórnia por 3,5 milhões de votos, mas perdeu em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin por um total de 80 mil votos nos três estados. Neste ano, considera-se que 13 estados em que as pesquisas mostram uma disputa apertada podem decidir as eleições. Neste ano, tudo indica que Pensilvânia e Flórida serão os estados decisivos. Além disso, uma ainda incerta virada democrata no Texas, onde o partido não vence desde 1976, na prática selaria a vitória eleitoral de Biden.

Os estados americanos onde a disputa está mais acirrada [Fonte: Real Clear Politics/Reprodução/O Globo]

Por que a eleição do presidente dos EUA acontece dessa forma?

Há um grande debate entre os historiadores até hoje, mas três razões costumam ser mencionadas: o medo de um Executivo central forte, o medo de que o voto popular fosse capturado por “aventureiros” e a escravidão. A Constituição americana que desenhou o atual sistema eleitoral foi redigida em 1787, apenas 11 anos depois de as chamadas 13 colônias se tornarem independentes do Reino Unido. Essas unidades, que formaram os Estados Confederados durante a guerra de independência, queriam manter seu poder e autonomia em um sistema federativo. Além disso, os chamados Pais Fundadores do país, que influenciaram a redação da Carta, valorizavam mais o elemento republicano do que o democrático, pondo mais ênfase na representação do que na soberania popular, numa época em que nenhum país elegia seus governantes por sufrágio universal. Por último, os estados do Sul tinham uma enorme população de pessoas escravizadas, que não votavam. Ainda assim, queriam assegurar sua influência sobre o futuro governo. Dessa forma, três quintos do número de escravos passaram a ser levados em consideração para determinar o tamanho das bancadas estaduais no Congresso, e, portanto, no Colégio Eleitoral.

O que acontece se o Colégio Eleitoral não conseguir determinar um vitorioso?

A possibilidade de isso acontecer existe se a eleição for apertada e o resultado eleitoral for contestado por algum dos dois principais partidos em um ou mais estados. Nesse caso, os estados têm neste ano até 8 de dezembro para resolver as disputas, seis dias antes da votação formal feita pelos delegados ao Colégio Eleitoral, em 14 de dezembro, e quase um mês antes de o Congresso contar formalmente estes votos, em 6 de janeiro, em uma sessão conjunta da Câmara e do Senado. Se as disputas não forem resolvidas até 6 de janeiro, a legislação determina que a Câmara eleja o presidente por maioria simples, com cada bancada estadual dando apenas um voto, e o Senado eleja o vice-presidente da mesma forma. A esta altura, os deputados e senadores eleitos também em 3 de novembro já terão tomado posse, prevista para 3 de janeiro.

Este cenário já ocorreu?

Esse mecanismo foi usado três vezes, mas todas no século XIX. A última vez em que houve impasse no Colégio Eleitoral foi em 1876, quando o organismo se reuniu sem que houvesse vencedor reconhecido em quatro estados. Na ocasião, um acordo político levou à Presidência o republicano Rutherford Hayes, que perdeu no voto popular, mas ganhou a disputa no Colégio Eleitoral sobre o democrata Samuel Tilden, antes que os quatro estados sem resultado reconhecido fossem contados.

Como o voto pelo correio pode complicar a apuração?

A maioria dos estados americanos permite o voto pelo correio, seja a partir de uma requisição feita pelo eleitor às autoridades eleitorais locais, seja com o envio das cédulas para os eleitores, que podem ou não optar por votar dessa maneira. Neste ano, pesquisas indicam que o voto postal tem sido mais usado por democratas. Pode ocorrer que, por atrasos na entrega, votos enviados pelo correio cheguem depois de 3 de novembro, data final da votação. Em vários estados, há batalhas judiciais sobre até quando votos que chegarem com atraso poderão ser contados. Além disso, existe a possibilidade de divergências no resultado do voto presencial e nos resultados do voto pelo correio, o que pode mudar a tendência da apuração quando ela já estiver adiantada.

E onde entra a Suprema Corte?

A Constituição americana não atribuiu nenhum papel à Suprema Corte na  determinação do resultado da eleição presidencial. Porém, a  disputa pode chegar a ela se o resultado for contestado em um ou mais estados e os adversários pedirem a opinião do tribunal máximo. Isso aconteceu uma única em vez, em 2000. Naquele ano, a Suprema Corte encerrou a disputa na última hora, em 12 de de dezembro, quando determinou a suspensão da recontagem na Flórida, dando a vitória a George W. Bush sobre Al Gore. Gore poderia levar a disputa até o Congresso, mas aceitou a derrota “em nome da unidade da nação”. Com os votos da Flórida, Bush garantiu sua vitória no Colégio Eleitoral.

E no caso de não haver resolução nem no Congresso nem na Suprema Corte?

No caso de não haver resolução do conflito até 20 de janeiro, data em que o presidente eleito deve tomar posse, a Constituição determina que o presidente da Câmara assuma interinamente a Presidência. O cargo hoje é ocupado pela democrata Nancy Pelosi, que é candidata à reeleição nas votações legislativas que também serão realizadas em 3 de novembro.  Esse cenário nunca ocorreu. [Capa: Katie Ricks/Casa Branca]

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