“As pessoas não fazem as viagens, as viagens fazem as pessoas.” Muita gente pode discordar da frase de John Steinbeck que virou clássico de legendas de Instagram. O escritor e aventureiro Filipe Masetti não pode. Nascido no interior de São Paulo e radicado desde os 9 anos no Canadá, ele ostenta o título de primeiro brasileiro a percorrer toda a América no lombo de um cavalo (no caso, de 11 cavalos). Uma jornada realizada em etapas, por quase dez anos.
No meio do caminho, escreveu livros, ficou conhecido como o Cavaleiro das Américas, virou palestrante motivacional de sucesso, percorreu programas de entrevistas na TV de diversos países, foi criticado por entidades de defesa dos animais, virou alvo de haters, encarou sustos e mais sustos, encontrou um amor e vai ser tema de filme de ficção e de documentário, a ser lançado em 2021. Como não acreditar que a viagem o transformou?
Tudo começou em 2010, quando Masetti iniciou os preparativos para a aventura, aos 23 anos. Na primeira etapa, ele saiu de Calgary, no Canadá, em direção a Barretos, no Brasil. Na segunda, deixou Barretos e partiu para Ushuaia, na Argentina. A última etapa, do Alasca a Calgary, terminou este ano, em julho. No total, passou por 12 nações e percorreu cerca de 25.000km, numa rotina que incluía cavalgar 4km/h, 30km/dia.
— Era um menino com um sonho gigantesco — diz.
Na reta final, com tudo calculado, veio o golpe do destino: a pandemia da covid-19.
— A pandemia quase acabou com a jornada. Mudei a rota que passava por ranchos e fazendas, onde ia encontrar famílias, e fui por uma que só tinha ursos. Ficava sete dias sem ver um ser humano — conta ele, que nos últimos tempos vive entre Brasil e Canadá.
Na parte inicial da aventura, há quase uma década, ele viajou sozinho, acompanhado de três cavalos, o que deixou marcas e a certeza de que, nas seguintes, teria um carro de apoio e dois cavalos:
— Tive sintomas de estresse pós-traumático no final, como ansiedade, pesadelo. Isso porque ficava preocupado de não ter água para meus cavalos, de não ter comida. Era muita tensão. Eu só comia depois deles, só bebia depois deles.O que não o impediu de ser alvo de ataques, acusado de maus-tratos a animais:
— Foi somente no Brasil. Fiquei triste na época com os comentários de quem não entende esta conexão com o animal mais majestoso que existe e sem saber nada sobre a minha viagem. Mas deixei os haters sendo haters.
Na Patagônia, conheceu a argentina Clara, que participou da última fase, dirigindo o carro de apoio. No encerramento da viagem, em 3 de julho, ele a pediu em casamento.
Muitos dos lugares que Masetti visitou não são acessíveis ao turista convencional, mas outros sim. E ele tem alguns na ponta da língua:
— Yukon, no Norte do Canadá, que é incrível, mas não tem o “marketing” do Alasca. O México, desde o deserto até a Cidade do México. Tikal, na Guatemala. La Paz, na Bolívia. O Pantanal brasileiro. O Uruguai. A Patagônia argentina.Encarar outra viagem de longa distância não está em seus planos:
— Também gosto de Starbucks, de sushi, de parar numa livraria, de ir a museu. Quero aproveitar os confortos da vida
A ideia é se concentrar em novos trabalhos, como mais um livro; o documentário de uma produtora americana que será lançado em 2021, sobre sua vida e temas que ele “sentiu na pele”, como aquecimento global, imigração e narcotráfico; e um filme de ficção pela Total Filmes (“Se eu fosse você”), a ser produzido no ano que vem. E sonha com o cantor Shawn Mendes para viver sua história:
— É um jovem canadense e fala português. Ele tem os olhos que eu tinha. [Capa: Acervo pessoal]