Donald Trump precisa levar a Pensilvânia e a Flórida para ganhar as eleições nacionais, mas uma derrota na Carolina do Norte significaria ainda mais para o presidente. Isso porque é pouco provável que o democrata Joe Biden ganhe no estado sem já ter garantido vitória em outros com ainda mais peso no Colégio Eleitoral. A possibilidade de derrota de Trump na Carolina do Norte seria um sinal de que o presidente já estaria enfrentando dificuldades em outros estados ainda mais decisivos.
— Estamos ganhando na Carolina do Norte, as pesquisas acabaram de sair — disse Trump nesta quinta durante um comício em Greenville, Oeste do estado, apesar de a média das pesquisas compiladas pelo site FiveThirtyEight mostrar Biden com 3,3 pontos de vantagem no estado, dois a mais do que há apenas duas semanas. — Aliás, estamos ganhando em todos os lugares onde as pessoas são inteligentes.
O discurso do presidente no comício teve ingredientes tradicionais que Trump costuma usar para animar a plateia: ataques à mídia — em quatro ocasiões o presidente apontou para a imprensa enquanto apoiadores vaiavam — e aos oponentes, incluindo provocações contra sua antiga rival Hillary Clinton, contra quem os ataques do presidente costumavam funcionar melhor do que os direcionados a Biden.
— Haverá uma mulher que quebrará o teto [e se elegerá presidente], só não será Hillary — disse o presidente, enquanto ironizava as pesquisas de 2016 que o colocavam atrás, quando acabou vencendo as eleições. — Sabe quem mais não será? Não será Kamala Harris.
Trump acusou Joe Biden de ter entregado o Partido Democrata para a esquerda e de ser um“político corrupto” com laços com a China, apelando para o sentimento crescente contra o país nos Estados Unidos — sentimento que cresce também entre eleitores democratas.
— Ele fez uma barganha política em troca da nomeação do seu partido. Entregou o controle do seu partido. Os democratas, eles costumavam ser pessoas normais. Agora são socialistas, marxistas, comunistas. Algumas pessoas diriam lunáticos de extrema esquerda — disse o presidente, tomando emprestada a expressão, franja lunática, que costuma ser usada para escrever a extrema direita. — Ele é a corporificação da classe política que enriquece drenando a vida econômica e a alma do nosso país.
Entre as acusações adotadas mais recentemente contra o rival, Trump acusou Biden de querer acabar com a seguridade social e o Medicare, programa de saúde pública para famílias de baixa renda e idosos. A acusação de pretender acabar com os programas geralmente vêm do outro lado, contra Trump.Em meio ao crescimento da pandemia nos Estados Unidos, que inicia sua curva de subida rumo à terceira onda do coronavírus — os EUA estão com uma média diária de 52 mil novos casos diários, a maior desde agosto — Trump disse que tudo ia bem no país até a chegada da “praga da China” e que está fazendo um ótimo trabalho para erradicar o vírus.
Aproveitou também para atirar contra o Dr. Fauci, que, apesar de ter integrado sua equipe de combate ao coronavírus, recebeu tanto apoio popular mesmo entre democratas que acabou virando inimigo não oficial do presidente.
— Ele é um cara legal, meu amigo, o Dr. Fauci — disse Trump, logo após sugerir que máscaras não impedem contaminações. — Ele disse para não usar máscaras. Depois disse para usar. Vocês veem o conflito? Mas ele é um cara legal, então mantenho ele por perto. Ele é um Democrata, todo mundo sabe disso.
Depois de ter contraído a covid-19, Trump retomou os comícios nesta semana. Este foi o quarto. Ele focou o discurso nos ataques contra seu oponente, Joe Biden, que começa a abrir vantagem no estado. A Carolina do Norte é um estado-pêndulo, ou seja, que varia entre republicanos e democratas a cada ciclo eleitoral. Portanto, tem mais importância no resultado final e é onde os candidatos concentram a campanha.
Apesar de ser “pêndulo” e ter dado vitória a Barack Obama em 2008, o ex-presidente perdeu no estado quando se reelegeu, em 2012, e a região é considerada mais vermelha. Não se esperava que virasse palco de campanha como virou agora: esta é a oitava visita de Trump ao estado desde o final de julho.
Ainda que Trump tenha adotado tom otimista de que “uma onda vermelha” está por vir apesar de números ruins nas pesquisas, nem todos os frequentadores estavam tão seguros quanto o presidente.
— Estou de dedos cruzados. Acho que vai ser apertado — disse Barbara Wilkins, que acredita que o presidente cumpriu suas promessas e fez um bom trabalho na economia e na pandemia do coronavírus.
O discurso atende aos anseios do público que esteve em Greenville para assistir ao presidente. Apesar de alguns eleitores de Trump terem uma preocupação maior com o coronavírus, uma das razões pelas quais enfrenta dificuldades em pesquisas, os apoiadores que frequentam comícios fazem parte de sua base mais fiel e que costuma repetir os argumentos de campanha.
— Eu tenho dúvidas sobre a Covid. É uma tragédia que tenhamos sido feitos reféns por este vírus — disse Nat Sandling, 63 anos, que dirigiu uma hora e meia de Franklinton até Greenville para ver seu segundo comício do presidente, que apoia por acreditar que ele trouxe empregos de volta para os Estados Unidos. — Ele fez os Estados Unidos grandes de novo.
Entoando gritos de guerra como “mais quatro anos” e “preencha aquela cadeira”, em referência à indicação de Amy Barrett para a Suprema Corte, apoiadores seguravam cartazes como “Mulheres por Trump”, “Veteranos por Trump” e o irônico “manifestante pacífico”.
Muitos usavam o boné vermelho da campanha do presidente e camisetas com os dizeres “Defenda a polícia”, que trumpistas adotaram em oposição ao “tire fundos da polícia”, movimento de esquerda encampado por parte das lideranças do Vidas Negras Importam.
Apesar das declarações de amor do público presente — quando Trump acusou a mídia de não gostar dele, o público gritou de volta: “nós te amamos” — não é deles que Trump depende para ganhar o estado. Os apoiadores que enfrentam a pandemia para assistir aos comícios, nos quais a presença de máscaras é rara, são seu público mais fiel, e é dos independentes e indecisos, principalmente mulheres dos subúrbios, que o presidente precisa.
— Foi excelente — disse o veterano Andrew Bazeen, logo após o avião do presidente levantar voo ao som do clássico de Frank Sinatra, “My way”. — Mas a minha cabeça já estava feita antes de eu vir aqui. [Foto de capa: Carlos Barria/Reuters]