Estudo sobre vermífugo patrocinado pelo Ministério da Saúde não apresentou eficácia

Ao contrário do que afirmaram o Ministro da Ciência e Tecnologia, astronauta Marcos Pontes, e a pesquisadora principal, Patricia Rocco, o estudo que avaliou a eficácia do vermífugo nitazoxanida para tratamento precoce decCovid-19 não apresentou qualquer evidência da mesma. O trabalho foi patrocinado pelo Ministério da Saúde e trombeteado como a nova panaceia para a pandemia.

A versão prévia (pré-print) do artigo científico que descreve o estudo, liberada apenas após pressão intensa da comunidade científica, mostra um trabalho mal desenhado, mal conduzido e que tortura os próprios resultados, claramente negativos, para forçá-los a confessar o que Marcos Pontes queria ouvir.

Trata-se de um estudo randomizado, duplo-cego e com grupo placebo, o que, à primeira vista, parece cumprir os requisitos do padrão ouro de testes clínicos. Os procedimentos de randomização e “cegagem” existem por muitos motivos. Não adianta invocá-los se a lógica por trás deles não for respeitada.

A função desses procedimentos é permitir uma comparação justa entre os grupos, o de tratamento e o placebo. Quando, após o início do estudo, o pesquisador interfere na composição dos grupos ou decide excluir parte dos voluntários da análise final, a lógica da randomização se perde, e com ela a confiança nos resultados.

No pré-print, os autores informam que excluíram do estudo, após a randomização, pacientes que apresentaram efeitos adversos graves, que precisaram de hospitalização ou que morreram. Ora, é como dizer que, excluindo todos os jogos que perdemos ou empatamos, tivemos 100% de vitórias.

Os autores deixam claro que não houve diferença alguma no desfecho primário, aquele que o estudo foi projetado para medir (melhora nos sintomas de tosse, febre ou fadiga). Ou seja, dentro de suas próprias regras, o estudo foi negativo.

Talvez ainda pior, embora não tenham havido diferenças nos exames laboratoriais que podem prever pior prognóstico, houve mais internações no grupo que recebeu a medicação (2 x 0). E seis participantes que a receberam interromperam o tratamento por terem tido diarreia, contra um que recebeu placebo.

O desfecho secundário que o governo decidiu alardear na mídia, maior redução da media na carga viral após 5-8 dias, não tem relação com hospitalização e/ou morte em pacientes que se encontrem bem após oito a 10 dias do início dos sintomas, como os participantes do estudo.

Tampouco guarda relação com diminuição do risco de contágio: a janela principal de transmissão se dá nos 2-3 dias anteriores aos sintomas aparecerem e nos dois dias após o seu surgimento, isto é, antes do início da medicação. Desta maneira, mesmo que exista uma redução de carga viral em maior número de pacientes, essa não tem relevância clínica ou epidemiológica.

O próprio pré-print conclui por afirmar que o medicamento não reduz risco de internação, doença grave ou morte. Resumindo: é inútil contra a covid-19. E o próprio estudo mostrou que não é sem efeitos colaterais, como alardeou o ministro. [Capa: Reprodução/TV Brasil]

Mauro Schechter é professor titular de infectologia da UFRJ, adjunto da universidade de Pittsburgh e associado da Universidade Johns Hopkins

Natalia Pasternak é doutora em microbiologia, presidente do Instituto Questão de Ciência e membro do Committee for Skeptical Inquiry e colunista de O GLOBO

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