Duas novas obras oferecem carona nesta viagem. “O destino é o caminho”, livro de Ricardo Rangel (Edições de Janeiro, 192 páginas, R$ 68), é o relato do escritor carioca de sua experiência no chamado Caminho Francês, cruzando 800km. O documentário “Caminho da superação: Santiago de Compostela” segue seis peregrinos de Nova Zelândia e Austrália, entre 50 e 80 anos, alguns já experientes, outros neófitos, na mesma rota, que começa em Saint-Jean-Pied-de-Port, no Sul da França.
Em tempos de fronteiras fechadas e pandemia ameaçando corpos e mentes, ambos os trabalhos são uma janela para um tipo de jornada que não é propriamente turística, mas seduz e intriga viajantes do mundo todo. Depois de três meses fechado, quando ficou deserto, o Caminho de Santiago foi reaberto em 1º de julho, com retomada das visitas à catedral e do funcionamento dos albergues públicos. Mas continua irreconhecível, se comparado ao movimento registrado no ano passado. Segundo a Oficina de Acogida al Peregrino, ligada à Arquidiocese de Santiago de Compostela, foram 347.578 peregrinos em 2019 (51% de mulheres e 49% de homens). Do Brasil, 6.025 voltaram para casa com a Compostela, certificado que comprova o feito.
São inúmeros os motivos que levam uma pessoa a encarar a travessia. No caso de Rangel, de 55 anos, a busca não tinha uma inspiração religiosa. Depois de se desligar de uma empresa da qual era sócio e ver um relacionamento chegar ao fim, “viajar era uma opção óbvia, mas havia algum tempo que eu não gostava de viajar sozinho, além do fato de que, como recém-solteiro, a chance de ficar deprimido era real”, lembra ele no livro. “O Caminho de Santiago de Compostela era uma hipótese distinta. (…) Além disso, dizia-se que as paisagens são belíssimas. Como se tudo isso fosse pouco, sempre há muita gente fazendo o Caminho, de modo que cada um tem a oportunidade de decidir — minuto a minuto —se quer solidão ou socialização.” Rangel socializou muito, e a descrição dos contatos com companheiros de aventura de países tão diferentes como Índia e Estados Unidos é um dos pontos altos da obra.
— Não é um livro confessional, mas tem muita reflexão — conta Rangel, que percorreu o Caminho em 2014 por 35 dias, após seis meses de preparação.
Mas o Caminho reserva surpresas. “Eu carregava no telefone um excelente guia para as atrações artístico-culturais do Caminho: ‘The pilgrimage road to Santiago: The complete cultural handbook’. Infelizmente, a despeito das minhas grandes expectativas, o guia se mostraria praticamente inútil, não por não ter valor, ao contrário, mas pelo fato de que é impossível visitar as atrações e manter um ritmo de 25km por dia. Peregrinos não são turistas.” Isso não o impediu de se permitir momentos de “respiro” em algumas cidades, com o luxo de esticar as pernas num bom hotel e visitar vinícolas. As dicas de lugares, aliás, são outro bônus do livro.O documentário “Caminho da superação: Santiago de Compostela” (80 minutos) chega às plataformas de streaming em outubro (iTtunes, Net Now, Vivo Play, Looke e Google Play). O filme de Fergus Grady e Noel Smyth retrata peregrinos como a neozelandesa Julie Zarifeh, de 54 anos, que perdeu o marido e o filho num intervalo de 16 dias em 2017 e, depois de ver um anúncio convocando pessoas a participarem do documentário, decidiu aceitar o chamado. O filme mostra desventuras, angústias e bolhas nos pés do grupo, mas também escapadas como ida ao cabeleireiro e confraternização em bares e cafés. A mistura de depoimentos comoventes e belas imagens levou o filme à seleção de diversos festivais em 2019.
São duas obras distintas, mas que se complementam ao mostrar que, de fato, são muitos os caminhos que levam a Santiago de Compostela. [Capa: Divulgação/Ricardo Rangel]