Cinco dias depois da publicação de uma reportagem apresentada como bombástica pelo tabloide New York Post, trazendo o que seriam provas de como o filho de Joe Biden, Hunter, usou a influência do pai e mediou o encontro dele com um empresário ucraniano, há muito mais dúvidas do que certezas sobre as acusações.
A matéria, que está sendo usada pela campanha de Donald Trump para atacar o rival democrata na batalha pela Casa Branca, tem como ponto central um laptop que seria de Hunter, e foi deixado em uma assistência técnica de Delaware por meses. Segundo o jornal, o dono da loja copiou o conteúdo do equipamento e, meses depois, teria passado as informações sobre o filho do ex-vice-presidente a um advogado de Rudolph Giuliani, aliado de Trump.
O Post ainda alega que foi alertado sobre a existência do material por Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Trump e que foi preso em agosto, acusado de fraude em um projeto de financiamento para parte de um muro na fronteira com o México. Apesar de ter sido posta em xeque por praticamente todos os grandes veículos de imprensa dos EUA e ter sofrido restrições em redes sociais, o jornal reafirmou sua veracidade.
De acordo com o New York Times, o material apontado como sendo de Hunter foi entregue por Giuliani no dia 11 de outubro — a escolha pelo Post foi feita, nas palavras do próprio ex-prefeito de Nova York, porque “ninguém mais aceitaria isso ou, se eles pegassem, gastariam todo o tempo tentando contradizer (o material) antes de publicar”.
A decisão final foi tomada por três editores de alto escalão, e a palavra de ordem era uma só: para que tudo estivesse pronto o quanto antes. Três dias depois ela estava nas bancas.
Contudo, segundo relatos internos obtidos pelo New York Times, nem mesmo os responsáveis por escrever o texto acreditavam em sua veracidade. O autor principal, identificado como Bruce Goulding, pediu para que seu nome não aparecesse. Como outros colegas de redação, ele tinha muitas questões sobre a credibilidade das informações ali apresentadas. Pelo menos dois outros repórteres fizeram o mesmo, enquanto uma das autoras do texto, Gabrielle Fonrouge, descobriu que era parte da história só depois do texto ganhar as páginas e o site do Post.
De acordo com o site Mediaite, a história também foi oferecida para a Fox News, que apresenta visões favoráveis sobre o governo de Donald Trump e traz acusações frequentes contra Joe Biden. Contudo, a falta de credibilidade dos e-mails e mesmo de Giuliani levou o canal a recusar a oferta. Apesar disso, a história vem sendo divulgada nos programas e no site da emissora.
Conexão ucraniana
Hunter Biden é alvo frequente de ataques de republicanos, especialmente dos ligados ao presidente Trump. Além de seus problemas com drogas no passado — mencionados na matéria do New York Post — sua participação na cúpula da empresa de energia ucraniana Burisma é apontada como uma prova de como o próprio Joe Biden usou o cargo para benefício próprio, mesmo com investigações nos EUA e na Ucrânia não apontando irregularidades.
A pressão por obter algo contra Hunter, que também pudesse macular as chances de Joe Biden em uma disputa presidencial, foi elemento central do processo de impeachment contra Trump. Ele foi acusado de pressionar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para que lançasse uma investigação sobre o caso, usando para isso mecanismos de governo, como um pacote de ajuda militar de quase US$ 400 milhões. Trump acabou inocentado pelo Senado.
Uma das figuras centrais desse processo foi justamente Rudolph Giuliani, apontado como um dos responsáveis por conduzir uma “diplomacia das sombras” com os ucranianos. Ele também atuou como advogado do presidente Trump durante o processo e é figura presente na campanha à reeleição do republicano.
Investigado
No caso dos e-mails, Giuliani também é mencionado em uma investigação preliminar do FBI para tentar descobrir se esse é o caso de uma tentativa de interferência estrangeira — leia-se russa — no processo eleitoral. Em uma entrevista ao site Daily Beast, no final de semana, disse “estar rindo horrores” das acusações, mas reconhece que há “50% de chances” de que o parlamentar ucraniano com quem trabalhou para obter fatos desabonadores sobre Hunter Biden, Andrii Derkach, seja um agente de inteligência russo.
No mês passado, Derkach foi incluído na lista de sanções do Departamento do Tesouro por “tentar influenciar o processo eleitoral dos EUA”. Como lembra o Daily Beast, ele é apenas um de uma longa série de pessoas que acabaram presas ou indiciadas por terem participado, ao lado de Giuliani, de tentativas para achar sujeiras sobre a vida do filho do ex-vice-presidente.
Mesmo assim, o Diretor de Inteligência Nacional, John Ratcliffe, negou que se trate de uma ação comandada do exterior.
— O laptop de Hunter Biden não é parte de uma campanha de desinformação russa, e acho que está claro que o povo americano sabe disso — afirmou em entrevista à Fox News nesta segunda-feira. [Foto de capa: David McNew/AFP]