Pesquisa do Ipea projeta quantas pessoas devem receber auxílio emergencial via Lei Aldir Blanc

Um estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o impacto da pandemia de covid-19 no setor cultural mostra que, de um total de 5,2 milhões de trabalhadores no setor, entre 400 mil a 700 mil pessoas estariam aptas a receber o auxílio emergencial de R$ 600, previsto na Lei 14.017, conhecida como Lei Aldir Blanc. Mas é importante lembrar que esse é apenas um dos mecanismos de distribuição de renda via nova lei.

— Ao nosso entender, a projeção que justificava a lei (que era de atingir pelo menos 10 milhões de trabalhadores) está superestimada. E, além disso, nem todos os 5,2 milhões de trabalhadores culturais estariam elegíveis para receber os benefícios. Não há, ademais, evidências empíricas de que o efeito multiplicador do setor cultural gere impactos diretos, indiretos e induzidos dessa magnitude — disse Geraldo Góes, um dos autores do estudo, também assinado por Leonardo Athias, Felipe dos Santos Martins e Frederico Augusto Barbosa da Silva.

Publicada em junho deste ano e regulamentada em agosto, a lei prevê o auxílio emergencial em três frentes: três parcelas mensais de R$ 600 a trabalhadores que atuavam no setor nos dois últimos anos, encontram-se na informalidade e não se beneficiam de outro programa social além do Bolsa Família; três parcelas mensais de R$ 3 mil a R$ 10 mil para espaços artísticos e culturais; e editais, chamamentos públicos e prêmios destinados a promover atividades, produções e capacitações culturais.

Góes explica:

— A lei estipula que, no mínimo, 20% dos recursos do estado precisam ir para o fomento do setor cultural. Nesse sentido, no máximo 80% do recurso recebido por cada estado (e DF) iriam para o financiamento do auxílio à população ocupada no setor cultural. Pegamos esse valor e calculamos um limite superior, que foi esse de 700 mil pessoas. Essa seria a quantidade de pessoas que seria beneficiada caso todo o recurso possível fosse destinado ao auxílio.

Os pesquisadores fizeram, no entanto, um exercício similar “pelo outro lado”.

— Pegamos as pesquisas demográficas do IBGE (PNAD contínua) e estimamos o número de pessoas que estariam ocupadas no setor da cultura, conforme definido no SIIC 2019. Podem haver diferenças de conceito de cultura, mas… foi a nossa estimativa. Na sequência, estimamos, dessas pessoas da cultura, quantas seriam elegíveis a receberem o auxílio. Ou seja, são informais, não recebem outro benefício que não o Bolsa Família e possuem rendimentos dentro dos parâmetros estipulados na Lei. Outra limitação aqui é que não temos quantas dessas pessoas estão recebendo o auxílio emergencial (geral do governo). De todo modo, concluímos que pouco menos de 400 mil pessoas poderiam ser beneficiadas por esse auxílio da Aldir Blanc.

‘Nova lei não é só auxílio emergencial’, diz deputada

Se as projeções do estudo do Ipea se confirmarem, e o auxílio emergencial de pessoa física da Lei Aldir Blanc chegar a menos pessoas que o previsto no projeto original, isso não significa que o resto da verba não fomentará a economia da cultura. Góes observa:

— De toda maneira, independentemente de o benefício assistir 700 mil ou 400 mil pessoas, o montante excedente pode ser destinado para o fomento do setor cultural. Isso independe de ser estado, DF ou município.

Relatora do projeto que criou a Aldir Blanc, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que, muitas vezes, a nova legislação é “confundida” com o auxílio emergencial. Ela destacou que a lei tem quatro mecanismos, que beneficiam, direta ou indiretamente, um grande número de pessoas, ao gerar empregos e multiplicar projetos artisticos.

— Há os espaços culturais, que terão de R$ 3 mil a R$ 10 mil e de forma retroativa a 1º de junho, além dos editais e chamadas públicas e da linha de financiamento a empresas com juros baixos — disse a parlamentar, que contou ter “rodado o país” para fazer um texto abrangente e que reflita as necessidades do setor cultural.

Teletrabalho

O estudo do Ipea também aborda uma outra forma de “proteção” do trabalhador no período da pandemia, o trabalho de forma remota. Assim, de um total de 5,2 milhões de pessoas ocupadas no setor cultural em junho de 2020, 1,03 milhão estão em teletrabalho, ou seja, 20% desse universo.

— A ressalva que se faz é que nem todos os tipos de trabalho são possíveis de serem executados remotamente. Pessoas como bilheteiros, seguranças, auxiliares em geral não possuem essa forma de trabalho — afirma Góes.

Ele citou um estudo da Associação Brasileira de Promotores de Eventos (Abrape), de abril deste ano, em que 51,9% dos eventos previstos foram cancelados, adiados ou estavam em situação incerta, o que poderia levar à demissão de 580 mil profissionais da área. Destacou que, no mercado da música em São Paulo, houve um prejuízo de R$ 442 milhões, devido aos cancelamentos.

Góes acrescentou que, entre março e julho de 2020, o Observatório da Economia Criativa da Bahia chegou à estimativa que 65,8% das organizações tiveram que reduzir contratos e 50,2% demitiram. E, por outra ótica, mencionou um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que concluiu que a despesa familiar em atividades culturais fora do domicílio represada pela pandemia levaria a uma perda estimada de R$ 11,1 bilhões.

Finalmente, o pesquisador mencionou um outro estudo, feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pelo Sebrae, com apoio do governo de São Paulo, em maio e junho de 2020, com entrevistas a 546 empresas do setor cultural e criativo no Brasil. Segundo esse levantamento, o setor representava R$ 190,5 bilhões em 2019, após um crescimento de 4,6% ante 2018. Já em 2020, teve como resposta das empresas que 88,6% registraram queda no faturamento, 63,4% tiveram que paralisar atividades e 19,3% realizaram demissões devido à pandemia. [Foto de capa: Edilson Dantas/Agência O Globo]

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