O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, participou de uma tensa sessão de perguntas e respostas transmitida na televisão americana na noite desta quinta-feira (15), no mesmo horário em que estava marcado o debate presidencial, cancelado após o presidente ter sido internado para se tratar da covid-19. Realizada em Miami e transmitida ao vivo pela NBC, a conversa de Trump com eleitores e com a jornalista Savannah Guthrie aconteceu ao mesmo tempo em que seu adversário, o democrata Joe Biden, fazia o mesmo em outra emissora.
Antes de abrir para perguntas de eleitores, a moderadora Guthrie disparou uma bateria de perguntas inquisitórias, sobre a frequência em que o presidente fazia testes contra a Covid-19, o uso de máscaras, supremacistas brancos e a teoria da conspiração QAnon. Assim como aconteceu ao longo da noite, Trump, sentado a vários metros da apresentadora, evitou responder perguntas, e a dinâmica entre o presidente e Guthrie foi repleta de interrupções mútuas. Cerca de metade dos questionamentos veio da jornalista, e metade de eleitores. Mais cedo, Trump, que aceitou fazer um teste para covid-19 para participar do programa, disse que a emissora NBC “é a pior”, mas que mesmo assim aceitou participar, porque era “uma hora grátis na televisão”.
O assunto do vírus ocupou a maioria do primeiro bloco do programa de uma hora, e voltou outras vezes ao longo da noite. Após ser várias vezes questionado se fez um teste no dia do primeiro debate, o presidente disse “possivelmente sim, possivelmente não”. Perguntado por que não promoveu o uso de máscara, Trump disse, incorretamente, que 85% das pessoas que usam máscaras contraem o vírus. Em seguida, fez afirmações questionáveis sobre o vírus.
— Somos vencedores — disse ele. — Fizemos um trabalho incrível. E estamos virando a esquina. E temos as vacinas chegando e as terapias chegando.
Guthrie afirmou que os EUA têm “a pior taxa de mortalidade em relação ao resto do mundo”, e Trump respondeu “ter coisas [informações] que apontam exatamente o contrário”.
Em seguida, Trump foi pressionado a denunciar supremacistas brancos e a teoria da conspiração QAnon, formadas por entusiastas fervorosos seus. No primeiro debate, seus comentários sobre os assuntos foram considerados dúbios, o que levou extremistas a considerarem um apoio velado. Desta vez, o presidente se limitou a dizer que não sabe muito sobre o QAnon — classificado como um risco de terrorismo pelo FBI — tão somente que ele é formado por opositores da pedofilia. Diante da pressão, o presidente contra-atacou com a afirmação de que Biden não condena “antifas”, grupos de esquerda que ele responsabiliza por atos de violência durante protestos por justiça racial.
—Vocês sempre fazem isso comigo. Eu denunciei a supremacia branca por anos. Por que você não perguntou a Joe Biden por que ele não denuncia a antifa? — disse Trump.
No segundo bloco, Trump repetiu falsas alegações sobre fraude eleitoral, assim como faz há meses. O presidente afirmou que “milhares de votos” foram sumariamente descartados, o que não é verdade.
— Eles [democratas] espionaram minha campanha e foram pegos, e espionaram fortemente minha campanha, e tentaram derrubar um presidente em exercício devidamente eleito — disse Trump, repetindo uma teoria da conspiração desmentida sobre espionagem. — E então eles dizem, “Você aceitará uma transferência pacífica?” E a resposta é sim, eu aceito. Mas quero que seja uma eleição honesta, assim como todo mundo. Quando vejo milhares de cédulas jogadas em uma lata de lixo e por acaso elas têm meu nome nela, não fico feliz com isso.
Não há evidência de que milhares de cédulas foram jogadas em latas de lixo. Após Guthrie apontar que o próprio FBI considera fraudes eleitorais raríssimas, Trump respondeu:
— Então ele não está fazendo um trabalho muito bom.
No mesmo bloco, o presidente chegou perto de admitir que tinha dívidas de US$ 400 milhões com credores, conforme relatado em uma investigação do New York Times. Na mais longa conversa sobre suas finanças desde que os detalhes de suas declarações de impostos foram revelados, Trump afirmou que seu acúmulo de dívidas foi uma consequência de sua atuação no ramo imobiliário. Ele disse que estava financeiramente “subalavancado”, e sugeriu que alguns de seus empréstimos eram “favores a instituições que queriam me emprestar dinheiro”.
— Quando você olha para vastas propriedades como eu, e elas são grandes, bonitas e bem localizadas, quando você olha para isso, essa quantia de dinheiro, US$ 400 milhões, é um amendoim, é extremamente subalavancada — ele disse. — Não é grande coisa.
Trump alternou-se entre assumir que parte das denúncias do jornal americano eram verdadeiras e entre negá-las completamente. Questionado sobre possíveisd dívidas com a Rússia, ele negou a acusação.
Pressionado pela mediadora sobre um processo que encerraria a cobertura de saúde a pessoas com condições pré-existentes, Trump disse que seu governo apoiava o processo “para substituir por um sistema de saúde muito melhor, a um preço muito mais baixo”.
— Sempre protegeremos as pessoas com doenças preexistentes disse Trump — antes de afirmar, como fez várias vezes em seu mandato, que “o problema com o Obamacare é que ele não é bom”.
Questionado a dizer por que não implantou o substituto ao longo dos últimos quatro anos, Trump não respondeu.
Perto do final do programa, o presidente ouviu um elogio de uma eleitora chamada Paulette, autoidentificada como uma imigrante russa, que disse ao presidente que ele “tem um sorriso muito bonito” e “fica tão bonito quando sorri ”. Perguntado por ela se se cortaria o programa de apoio à imigração Daca, ele evitou responder, e disse apenas que “vamos cuidar do Daca”. [Foto de capa: Brendan Smialowski/AFP]