O novo encarregado de comércio da União Europeia, Valdis Dombrovskis, negocia com o Mercosul -especialmente com o Brasil- um compromisso formal com questões ambientais, para reduzir a oposição ao acordo comercial entre os blocos.
A solução, citada pelo vice-presidente da Comissão Europeia em sua sabatina no Parlamento Europeu, já foi usada para aplacar restrições ao Ceta (acordo entre a UE e o Canadá), em 2017.
Na ocasião, foi assinado um “instrumento comum interpretativo” que reafirmava compromissos com pontos que dificultavam politicamente a ratificação, como proteção de investimentos ou soluções de controvérsias.
Questões ambientais, que são um dos principais entraves para a ratificação ambiental do acordo como o Mercosul, também faziam parte do instrumento assinado com o Canadá.
Os dois lados reafirmavam, por exemplo, a disposição “em não reduzir os níveis de proteção ambiental a fim de incentivar o comércio ou o investimento”, e garantiam que, em caso de violação do compromisso, os governos poderiam “sanar essas violações independentemente das eventuais consequências negativas para um investimento ou das expectativas de lucro do investidor”.
O texto também garantia que o acordo que seria ratificado continha compromissos de cooperar em questões que envolvessem as alterações climáticas, “em que a implementação do Acordo de Paris constituirá uma importante responsabilidade partilhada”.
Mais garantias políticas em relação à preservação da floresta amazônica, à fiscalização das cadeias de suprimento para garantir que os produtos não provocaram desmatamento ou à proteção de povos indígenas podem estar presentes no documento semelhante, que ainda não foi redigido.
“Então, atualmente estamos nos envolvendo com as autoridades do Mercosul, eu diria, especialmente com o Brasil. Bem, informalmente, atualmente, para ver que tipo de compromissos significativos os países do Mercosul podem assumir para garantir uma ratificação bem-sucedida desse acordo”, afirmou Dombrovskis nesta segunda (19), em entrevista ao site jornalístico Politico.
Segundo ele, o compromisso deve incluir temas como “desmatamento da Amazônia e adesão dos países do Mercosul ao Acordo de Paris”.
A iniciativa é necessária porque, mesmo que o acordo comercial entre os blocos já preveja expressamente, por exemplo, o respeito ao Acordo de Paris, essa tem sido uma ressalva levantada por vários atores europeus que dizem não aceitar a ratificação do tratado com o Mercosul.
Há duas semanas, por exemplo, eurodeputados propuseram uma emenda em que diziam que o Parlamento Europeu estava “extremamente preocupado com a política ambiental de Jair Bolsonaro, que vai contra os compromissos do Acordo de Paris, em particular no combate ao aquecimento global e à proteção à biodiversidade”.
“Nessas circunstâncias, o acordo UE-Mercosul não pode ser ratificado como está”, dizia o trecho final da alteração proposta, que acabou aprovado pela maioria dos parlamentares (a citação inicial ao presidente foi rejeitada).
Negociadores dos dois lados da mesa afirmam que, mesmo com o reforço no compromisso político, a tramitação do acordo deve ficar mesmo para o ano que vem.
O texto ainda está sob revisão legal, e a Comissão Europeia já deu sinais de que não tem pressa para encerrá-la, pois precisa usar seu capital político em outras pendências, como o plano de recuperação da crise do coronavírus e o orçamento dos próximos sete anos.
Após a revisão legal, o tratado terá que ser traduzido nas 23 línguas oficiais dos dois blocos e só então seguir para a aprovação dos governos e parlamentares.
Antes disso, haverá ainda a decisão sobre se ele será ou não fatiado. Como está no momento, ele é um acordo de associação, um documento amplo que inclui um capítulo comercial e um capítulo político, como era praxe quando ele começou a ser negociado, em 1999.
O problema é que itens como direitos humanos, direitos sociais e imigração, que fazem parte do capítulo político, são de responsabilidade compartilhada entre a UE e seus Estados-membros.
Isso faz com que o acordo precise ser aprovado nos Legislativos nacionais e regionais dos 27 países. Se um deles rejeitar, todo o tratado é derrubado.
No fatiamento, o capítulo comercial, que é responsabilidade exclusiva da União Europeia, não precisaria mais passar pelos Parlamentos nacionais e regionais. Seria submetido ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia.
Também por não ser de responsabilidade compartilhada, o acordo comercial não dependeria mais de unanimidade dos votos no Conselho (onde estão representantes dos 27 países). Bastaria o sim de 55% dos países (atualmente, no mínimo 15), desde que representem 65% da população do bloco.
O fatiamento foi usado recentemente nas parcerias com Vietnã e Singapura e, desde 2018, a União Europeia já vem optando por fazer propostas separadas na origem, como no caso do Japão, para evitar a insegurança jurídica provocada pelo risco de tudo ser derrubado pelo Legislativo de um único país.
O acordo “dá [uma] abertura de mercado substancial para a UE, e a UE também terá uma vantagem substancial de pioneiro porque este é o primeiro acordo do tipo que o Mercosul está tendo com um parceiro global”, disse Dombrovskis ao Politico.
Relatório final de impacto feito pela LSE (London School of Economics) mostrou que o acordo com o Mercosul traz vantagens significativas para a União Europeia.
Estimando resultados esperados em vários indicadores, sem o acordo e com ele, num cenário conservador e num otimista, eles projetaram um ganho no PIB, com o acordo, de 10,9 bilhões de euros (R$ 68,4 bi) para a UE em 2032 na versão conservadora, e de 15 bilhões (R$ 94 bi) na otimista, ou 0,1% do PIB do bloco.
O Mercosul teria uma elevação de 7,4 bilhões de euros (R$ 46,4 bi) no cenário conservador e 11,5 bilhões de euros (R$ 72 bi) no otimista.
Apesar do esforço da Comissão, países como Áustria, França e Holanda continuam afirmando que o acordo com o Mercosul não pode ser assinado “como está”.
A frase foi repetida na semana passada pelo ministro do Comércio da França, Jean-Baptiste Lemoyne, em audiência na comissão do tema no Parlamento Europeu, na qual ele chamou o acordo com o Mercosul de “rascunho”: “O tratao de livre-comércio traz ganhos, mas esses ganhos não podem ser obtidos a qualquer preço, e certamente não ao preço do desmatamento”.
A ministra do Comércio da Holanda, Sigrid Kaag, que com Lemoyne apresentou propostas de regras ambientais mais duras na revisão da política comercial da Europa, disse que “o objetivo não é reabrir negociações”, mas é indispensável reforçar as disposições dos parceiros comerciais com as metas ambientais, como as do Acordo de Paris.
Segundo ela, o governo holandês só vai se pronunciar sobre o acordo depois que tiver o documento final nas mãos e puder avaliá-lo e debatê-lo. “Mas nos preocupamos com informações sobre desmatamento e questões de direitos humanos que organizações têm levantado”, afirmou ela.