No final do mês de setembro, o estudante de medicina veterinária, Antônio Augusto Stábile dos Santos, conseguiu flagrar uma cena inusitada em Ituverava (SP): atravessando a estrada e rumo à represa da Faculdade de Ituverava Dr. Francisco Maeda (FAFRAM) uma sucuri fêmea era “perseguida” por indivíduos machos da espécie.
“Nós ouvimos funcionários da faculdade gritando e até levamos um susto, porque pensamos que tinha acontecido alguma coisa. Olhamos na travessia entre a represa e o brejo e vimos uma sucuri atravessando. Eles gritaram, pois estavam sem celular para poderem filmar”, conta Antônio que, ao chegar ao local com o celular na mão, garantiu o flagrante.
Na imagem é possível ver uma fêmea que, segundo o estudante, tinha entre seis e sete metros atravessando a estrada e sendo perseguida por cobras menores. O que poderiam parecer filhotes, na verdade, são machos tentando conquistá-la. É o que explica o biólogo Willianilson Pessoa: “serpentes não têm cuidado parental. A sucuri dá a cria e cada um dos filhotes segue seu caminho e ela segue o dela. Ao encontrar serpentes juntas em qualquer lugar do Brasil, é muito provável que elas estejam copulando ou em período reprodutivo”.
Em cobras dessa família, as fêmeas são muito maiores do que os machos, já que elas possuem uma dieta voltada a presas maiores e também precisam dar conta de dezenas de filhotes que têm origem em seu interior. O biólogo Cláudio Machado lidou durante anos com essa espécie no Instituto Vital Brazil, em Niterói, e explica que a mostrada no vídeo é uma Eunectes murinus, a mesma espécie da famosa cobra que ilustrou a abertura da novela Pantanal. Ele reforça que essas serpentes são as segundas maiores do mundo e as mais pesadas do Planeta.
Cláudio Machado, que também usa redes sociais para combater a desinformação sobre esses animais, explica que durante esse processo de “conquista” das fêmeas pode ocorrer até um combate entre os machos e há a possibilidade de mais de um deles copular com a mesma cobra. Sendo assim, há casos de uma ninhada com mais de um pai. O biólogo trabalhou com a “atriz” de Pantanal e ainda destaca outras curiosidades sobre as sucuris.
“A Rafaela [cobra da novela] vivia totalmente isolada até que, um dia, pariu três filhotes sozinha. Naquela época não tínhamos como fazer testes, mas hoje já se sabe que algumas sucuris podem se reproduzir independente dos machos, como se criasse clones dos óvulos, e que também podem armazenar espermatozoides por muitos anos para ter os filhotes apenas quando as condições ambientais que ela julgar necessárias estiverem boas”, explica Cláudio.
O poder das fêmeas ainda se reafirma em outro dado interessante dessa espécie, destacado por Willianilson: “As fêmeas liberam um hormônio no ambiente que faz com os machos o detecte e comecem a segui-la até que ela aceite um para a cópula. Nesse processo, o que pode acontecer é um deles tentar copular e ela não permitir, já que seu orifício possui uma escama que fecha a abertura. Então, quando ela permite, ela libera essa cloaca”.
Diante de uma cena com tantas curiosidades e conhecimentos, os especialistas também reforçam a importância de se ter cuidado, observar à distância, respeitar a passagem dos animais sem interagir. Embora as sucuris não sejam peçonhentas e seres humanos não componham sua dieta, a defesa delas é dar vários botes ao se sentir ameaçada. O ideal é agir como fez o estudante: “foi inusitado filmar e ver isso, talvez alguém sem saber o que sabíamos sobre a espécie, teria matado o animal”.