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A insana ciranda de técnicos no Brasil só será contida com regulação

Por O GLOBO

Não é justo, tampouco razoável, colocar nas costas de um só treinador a responsabilidade de consertar o futebol brasileiro. A cultura dos contratos interrompidos e a figura do técnico como o elemento mais descartável da indústria são elementos estruturais de nossa cultura futebolística. Mas é compreensível que, a cada ruptura de contrato protagonizada por um personagem com o peso de Rogério Ceni, todos que esperam ver uma atitude contracultural sintam-se frustrados. O novo técnico do Flamengo teria porte, tamanho para contrariar o lugar-comum.

Mas Rogério não fez nada ilegal. Ele, Vagner Mancini, Marcelo Chamusca e outros jogaram o jogo sob as regras vigentes, cultivadas pelos clubes, instauradores de uma cultura em que o treinador é o único elemento sem direito a errar — ainda que o conceito de erro seja definido por gente incapaz para tal.

Claro que o trabalho de Domènec Torrent tinha problemas. Mas é risível que o treinador — com ideias distintas às do antecessor — seja demitido após três meses marcados por 20 casos de Covid, maratona de jogos e escasso tempo de treino, mas nenhum dirigente assuma o erro do critério na contratação. Muito menos ofereça a sua cabeça na bandeja em que serviu a do técnico. Em 2020, um treinador foi trazido da Venezuela e fulminado em um mês. Outro veio de Portugal e caiu mal terminada a parada pela pandemia. Só três clubes de Série A têm os mesmos técnicos de janeiro. Reina a desconfiança mútua.

É difícil cobrar dos técnicos apego aos cargos. Mas é importante reconhecer que, hoje, todos dançam a mesma música, jogam sob as mesmas regras. Então, é preciso mudar as regras. Claro está que o bom senso ou a crença em projetos e processos não vai prosperar. É hora da regulação. Para proteger o jogo.

A ciranda de treinadores compromete a formação de times, de jogadores e a qualidade do campeonato. Ela reforça a imposição do poder econômico, impedindo que projetos modestos, mas bem estruturados, colham frutos ao fim de uma temporada. Que o diga o Fortaleza. E mais: um país sem regras para registros de treinadores e permissivo a compras e vendas de atletas durante o ano inteiro torna-se benevolente com a falta de planejamento, de projetos. Porque sempre é possível demitir, comprar ou vender, criar o “fato novo” numa aposta aleatória.

A vida sem regras nos levou a pôr em xeque nossa reputação internacional, a capacidade de sermos levados a sério em nosso jogo doméstico. E justo num momento em que o país atrai profissionais de bom nível. Em reportagem demolidora, a Sky Sports inglesa retrata o mercado de técnicos do Brasil como algo primitivo, em que “os mesmos técnicos vão de um clube a outro tentando sucesso rápido, sem plano de longo prazo. Eles apenas vão e vêm”. Até concluir que a busca por treinadores europeus soa como um recurso de dirigentes diante de um esgotamento que eles próprios cultivaram: “A linha de abastecimento foi sufocada pelos mesmos dirigentes que hoje citam a escassez ao olhar para o exterior.” Para os ingleses, os técnicos daqui são “os sobreviventes de um jogo tóxico”.

Supercampeão no Flamengo, Jorge Jesus foi uma espécie de embaixador do Campeonato Brasileiro, que um ano depois triturou e devolveu à Europa Domènec e Jesualdo. Não há polimento de imagem que resista à insanidade nacional. [Capa: iStock]

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