A maior Black Friday em vendas digitais será também a dos menores descontos já praticados, avaliam especialistas. Com o aumento do custo de insumos e a falta de diversos artigos e matérias-primas, as margens do varejo despencaram. E, com elas, a capacidade de derrubar preços para impulsionar vendas. A tendência é haver preços mais baixos em itens dos segmentos que sofreram maior queda de vendas de março para cá.
A CNC estima que as vendas da Black Friday deste ano vão somar R$ 3,74 bilhões, alta de 6% na comparação com a data do ano passado. Descontada a inflação, porém, o aumento real será de 1,8%. Ainda assim, pelo salto no comércio eletrônico, a entidade prevê que será a pimeira grande dada do varejo com crescimento real este ano.
Uma das estratégias das grandes marcas está ancorada em oferecer descontos mais altos para produtos que ficaram “encalhados”, principalmente em vestuário e calçados, que venderam menos ao longo dos meses de isolamento social. As categorias em que há maior escassez de insumos neste momento, segundo o Ibre/FGV, são as de vestuário, de produtos plásticos, limpeza e perfumaria.
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) garante que não faltará mercadoria no mercado, mas reconhece os gargalos.
— Não vai faltar mercadoria. Mas, na Black Friday, os descontos serão menos agressivos, há pressão de custo, atraso em entrega. Nossa previsão é de vendas nesta data e no Natal, juntos, ficarem em linha com igual período de 2019 — diz Fernando Pimentel, presidente da entidade.
No ano como um todo, continua ele, a estimativa é que o setor têxtil feche perto de 18% abaixo do último ano.
— Produtos como vestuário naturalmente terão maiores descontos porque as pessoas ficaram em casa muito tempo e isso influencia no perfil de consumo. Por outro lado, não dá para ter apenas produtos da estação passada, então saber misturar com as novidades é a estratégia que vai fazer a diferença para o lojista — diz Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
De olho no tíquete médio
Passa por aí a estratégia da C&A. As peças de inverno que ficaram no estoque terão descontos de até 70%, mas haverá também roupas de novas coleções.
— Chegamos ao fim do ano com poucas peças de inverno porque temos feito linhas menores. Por outro lado, o mercado vem sofrendo com o abastecimento por falta de matéria-prima. Com isso, por exemplo, shorts jeans modelo godê, lingerie e camisas sociais, que foram menos fabricados, terão preços diferentes da calça jeans tradicional, que temos em maior quantidade — explica o gerente comercial do E-commerce da C&A, Rafael Morand.
A Riachuelo aproveita a estrutura do Grupo Guararapes para driblar o problema de falta de insumos e também contar o aumento de preços. Flávio Amadeu, diretor executivo Comercial e de Logística da empresa, explica que o time de desenvolvimento de produto vem trabalhando para aproveitar ao máximo os estoques da empresa nas coleções de fim de ano.
— Temos um forte diferencial competitivo por ter uma produção verticalizada, com fábricas próprias em Natal e Fortaleza, que nos proporciona maior controle da cadeia, menos dependência de terceiros e a garantia de oferecer aos nossos clientes a melhor proposta de valor no produto, em questões de preço e qualidade — explica o executivo.
A varejista terá descontos de até 70% em artigos selecionados de todas as categorias. Mas reforça a aposta no digital, com descontos extras e o uso de cashback para incentivar vendas.
Via de regra, as promoções são a isca para atrair o consumidor, enquanto os novos produtos são a estratégia para garantir um tíquete médio mais alto, sobretudo em segmentos como eletroeletrônicos. Nesse setor, porém, parece não haver muito espaço para isso, mostra pesquisa da consultoria GfK.
— Há um desencontro entre a alta demanda e a falta de insumos e produtos. E isso deixa pouco espaço para praticar descontos. Os eletroeletrônicos tiveram alta de 15% a 20% em preços, em média, na comparação com janeiro deste ano. A exceção são os smartphones — Fernando Balaiuna, diretor de varejo da consultoria. — Mesmo aquela aposta em indulgência, em itens premium, está no limite. Só permite descontos de 2% a 4%.
Eletrônicos: redução mais tímida
Levantamento da GfK mostra que o volume de eletrônicos com desconto superior a 5% sobe na Black Friday na comparação com o resto do ano. Em 2019, a fatia desses produtos ao longo do ano foi de 41%. Na data do varejo em novembro, subiu para 56%. Este ano, porém, de janeiro a agosto, a parcela de itens com redução no preço é de apenas 26%.
— Ainda que venham descontos, ficarão abaixo dos praticados no ano passado. Não há margem nem oferta para muito. A Black Friday será boa, mas principalmente pela demanda reprimida, pela adesão de novo compradores digitais — complementa ele.
Entre os itens mais procurados estão smartphones, TVs e computadores. Sobe também a busca por ar-condicionado, com a proximidade do verão e o prolongamento do isolamento social em razão do recrudescimento da pandemia.
A Via Varejo, dona de Casas Bahia e Pontofrio, aposta nos produtos novos com tíquete maior, como as televisões de 65 e 70 polegadas. Segundo o COO da companhia, Abel Ornelas, o estoque remanescente é pouco, frisando que o principal desafio neste ano foi o abastecimento, como de produtos de informática, que tiveram alta procura e são importados.
— Sempre aproveitamos a Black Friday para ajustar o estoque, o cliente guarda dinheiro para esta data.
Antecedência
Grandes varejistas, como GPA, controlador de Extra e Pão de Açúcar; Via Varejo e Americanas, disseram que se organizaram com antecedência para que não falte produtos ao consumidor na próxima semana.
Os desafios para alcançar um bom resultado são ainda maiores para os pequenos negócios, sublinha Ivan Tonet, analista de Relacionamento com o Cliente do Sebrae.
— Com a digitalização do comércio, a Black Friday é uma oportunidade porque as vendas on-line subiram e tiveram alto crescimento em todas as grandes datas do varejo do ano. Vale aderir a marketplaces, traçar estratégias, mas não brigar em preço com os grandes concorrentes. O pequeno precisa preservar sua rentabilidade e ganhar o consumidor com valor agregado — diz ele.
Para fazer isso, Tonet sugere que o lojista monte pacotes de produtos, por exemplo, em que pode ganhar no todo. Ele também deve fugir dos itens que tiveram alta abrupta e optar por outros, incluindo ainda no portfólio artigos com os quais não trabalha ainda porque fica mais fácil mexer no preço.
O analista fala também pela experiência como empreendedor. Ele toca um e-commerce de bebidas nacionais:
— Como todo o varejo, antecipei as promoções. Nas últimas três sextas-feiras, ofereci alguns produtos com 40% de desconto. Nesta sexta da Black Friday, o desconto será de30%, porque a alta de preços disparou. O lojista tem de saber que, se vender sem margem, pode não ter capital para comprar uma nova remessa de produtos.
Ângelo Campos, 60 anos, proprietário da marca de vestuários femininos MOB, que funciona no e-commerce e também tem lojas físicas em Salvador, Goiânia, Campo Grande e, São Paulo, diz que não foi possível se planejar como de hábito para a Black Friday deste ano:
— Estou com um estoque 50% menor em relação ao mesmo período do ano passado. Não vou deixar de dar descontos, mas isso vai ser feito numa variedade de produtos muito menor — disse, reconhecendo que isso resultará em prejuízos ao negócio dele.
Para driblar o problema, Campos está buscando outros produtos e fornecedores no mercado para substituir os que estão em falta.
No varejo calçadista, a estimativa é de vender entre 10% e 15% menos nesta Black Friday, diz Marcone Tavares, presidente da Ablac, que reúne lojistas de artefatos e calçados.
— Há alta de 20% a 30% no preço de insumos. Mas o reajuste dos calçados no varejo ficou em torno de 5% a 8%. Estamos muito pressionados. O estoque dos produtos fora de estação, que é onde se pode praticar os maiores descontos, estão muito baixos. [Capa: Gabriel Bouys/AFP]