A nova supermaioria conservadora na Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou, no final da noite de quarta-feira, o limite a cultos religiosos imposto pelo estado de Nova York para combater a pandemia de covid-19. Para o tribunal, as ordens do governador Andrew Cuomo, um proeminente democrata, miram desproporcionalmente os espaços religiosos.
A medida foi derrubada por 5 votos a 4, com a juíza Amy Coney Barrett, recém-nomeada pelo presidente Donald Trump, se juntando à maioria conservadora e assumindo pela primeira vez um papel decisivo que deverá se manter pelos próximos anos. Os quatro votos dissonantes vieram dos três magistrados vistos como progressistas e do presidente da Corte, o juiz John Roberts, nomeado por George W. Bush.
Até setembro, Roberts habitualmente era o fiel da balança, destoando de seus colegas também indicados por presidentes republicanos e votando com a minoria. A morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, ícone progressista, no entanto, mudou a distribuição de forças na instância mais alta da Justiça americana — nova ordem que promete dificultar a vida de Joe Biden e dos democratas enquanto estiverem na Casa Branca.
Para substituir Ginsburg, Trump nomeou Coney Barrett, defensora de valores conservadores e cristãos. Com a indicação, a terceira do presidente em menos de quatro anos, consolidou-se uma supermaioria conservadora no tribunal: são seis magistrados indicados por republicanos e três, por democratas. O novo cenário abre espaço para o avanço de uma agenda conservadora no que diz respeito a assuntos polarizantes no país, como aborto, imigração e direitos LGBT+. Mesmo que haja dissidência de Roberts, seu voto não será mais de Minerva.
Discriminação religiosa
O veredicto refere-se a dois processos, um iniciado pela Arquidiocese Católica do Brooklyn e outro, por duas sinagogas, uma organização judia ortodoxa e dois cidadãos. Ambas ações alegavam que as restrições para fazer frente à pandemia violavam as liberdades religiosas. O segundo processo afirmava ainda que o governador havia “mirado uma religião particular para culpar e punir por um aumento dos casos”.
O governo havia estabelecido “zonas vermelhas”, onde há mais risco de contágio. Nelas, não mais de 10 pessoas podem participar de cultos no mesmo espaço. Nas “zonas laranjas”, menos perigosas, o público limita-se a 25, independentemente da capacidade do templo. As medidas foram implementadas, em parte, pelo aumento das infecções em regiões com grande concentração de judeus ortodoxos.
Na semana passada, a procuradora-geral de Nova York, Barbara Underwood, afirmou que revisões nas zonas feitas nos últimos dias significavam que as igrejas da diocese e as duas sinagogas não estariam mais sob as restrições em questão. Os advogados, por sua vez, questionaram o timing da alteração.
Explicando seu posicionamento, a maioria afirmou que as medidas impostas por Cuomo violavam o livre exercício religioso. Um dos magistrados do grupo, o juiz Neil Gorsuch, também indicado por Trump, disse que o governador nova-iorquino deu melhor tratamento a atividades seculares que religiosas. Segundo ele, não há lugar onde se tolere diretrizes executivas que “reabrem lojas de bebida e de bicicletas, mas fechem igrejas, sinagogas e mesquitas”.
Para Cuomo, foi uma decisão baseada em “partidarismo político” e não terá efeito prático porque as restrições já haviam sido relaxadas nas áreas citadas no processo:
— Há uma nova corte, e acredito que essa tenha sido uma afirmação — disse o governador. — Sabemos quem ele [Trump] indicou. Sabemos sua ideologia.
Religião e pandemia
Roberts, por sua vez, disse que as limitações numéricas lhe pareciam bastante restritivas, mas que não achava ser necessário o tribunal decidir o assunto “sério e difícil” após as mudanças anunciadas pela procuradora-geral. Se as regras voltarem a ser aplicadas, ele disse, um novo processo poderia ser aberto.
As juízas progressistas Sonia Sotomayor e Elena Kagan afirmaram crer que as restrições impostas por Cuomo são sensatas e não violam liberdades religiosas, “um dos nossos direitos constitucionais mais preciosos e protegidos”.
“A Constituição não proíbe estados de responderem a uma crise sanitária com regulações que tratem instituições religiosas de forma igual ou mais favoravelmente que instituições seculares, em particular quando isto salva vidas”, afirmaram.
Os casos, efetivamente, levantam questionamentos sobre até que ponto cabe a governantes ou juízes traçar o limite entre saúde pública e o exercício religioso. Além disso, é um retrato da politização das medidas sanitárias para conter a pandemia nos EUA, amplificada pela resistência de Trump e de seus aliados de seguir as recomendações científicas. Durante a primeira onda da pandemia, o presidente travou disputas com governadores democratas, entre eles Cuomo, que tentaram impor quarentenas e medidas de restrição em seus territórios. [Capa: Ryan Christopher Jones/NYT]