A carioca Joana Couto, de 30 anos, é uma das protagonistas da série “Perdido”, que estreia nesta segunda (9), às 23h, no Canal Brasil e nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay. Modelo, formada em cinema e artista plástica, Joana é uma mulher deslumbrante. E transexual. Agora, faz seu début como atriz de TV e, de cara, em um papel de destaque: encarna o jovem Roberto Clayton, que se assume como a mulher trans Clay.
O fato de não ter seguido o caminho estereotipado de retratar trans como figuras marginalizadas ou colocadas em posição de subalternidade é um acerto da série (“falo do lugar que a gente quer ocupar no mundo, por que não executiva, médica, professora universitária?”, reflete Clay, em diálogo na tela).
— Trans sempre foram vistas como ameaça ao sistema heteronormativo. Pelo homem, que agride ou transa escondido, e pela mulher, que as vê como as que assaltam ou possíveis amantes do marido — diz Joana que, em cena, lida tanto com o fascínio quanto com a agressividade que seu visual andrógino provoca nos homens. — A série procura desdemonizar. Falar disso na TV é ganhar empatia, ampliar visões que foram bitoladas pelo olhar heteronormativo machista. Somos mulheres e, antes disso, seres humanos. Não precisa gostar, mas a gente merece respeito.
Processo de transição
Joana sempre soube o lugar que queria ocupar. Criada pela avó (com pai e mãe presentes), começou seu processo de transição aos 17 anos, quando passou a pintar a unha e a usar maquiagem. Mas só mudou de nome e passou a tomar hormônios aos 22 anos.
– Minha transição teria começado muito mais cedo se a sociedade fosse mais aberta. Conheço meninas que fazem a transição com 13 anos, são chutadas de casa e caem na prostituição – lamenta. – Já existia mulher trans, mas eu não conhecia. Tudo aconteceu comigo sem que tivesse referência alguma. Hoje, é mais comum. Mas não entendo quando dizem “ah, tá na moda ser trans”. E alguém vai virar trans porque está na moda? É preciso muita coragem para encarar o preconceito!
A mãe sempre a apoiou no processo de transição. Com o pai, a aceitação demorou um pouco mais.
– Hoje, ele me chama pelo meu nome social, o que é uma vitória. Nem sei dizer o que sinto.
Na série, ela conta, seu grande desafio foi interpretar um homem nos primeiros episódios (“sempre fui muito feminina, jamais usei nem bermuda”). Teve que buscar dentro de si lembranças de como se sentia quando ainda era um rapaz. Joana destaca o respeito da equipe de trabalho, liderada por Paulo Tifenthaler, autor, diretor-geral e protagonista da série.
– Mesmo vestida de homem quando estava interpretando Roberto, eu não deixava de ser a Joana. Todo mundo no set me chamava assim.
Feliz no amor
Casada há quatro anos com Eduardo de Almeida Prado, trompista da Orquestra Sinfônica do Municipal do Rio, Joana está realizada no campo amoroso. Mas não foi fácil. Enfrentou o machismo do próprio parceiro, dos amigos e colegas de trabalho dele. Também sentiu pânico diante da possibilidade de ser rejeitada pela enteada (“no começo, fazia tudo para ela não descobrir”), hoje com 16 anos e com quem construiu ótima relação.
– Gosto de conversar com as pessoas, mudar a opinião delas. Não estou dizendo que a gente tem que ter paciência com gente machista e ignorante. Mas a visibilidade, que pode até soar como clichê, é o que cria a consciência. E com consciência, a gente vai para frente – afirma ela que, em 2015, foi capa da revista da marca de roupas de Leticia Cazarré e, em 2016, encarnou uma mulher cisgênero na peça “Inimigo oculto”, sobre violência doméstica. [Capa: Reprodução]