Cresce o medo de uma nova guerra do Saara Ocidental entre Marrocos e a Frente Polisário

A Frente Polisário, movimento que luta pela independência do Saara Ocidental, disse nesta sexta-feira que o Marrocos quebrou um cessar-fogo de três décadas na região ao lançar uma operação para reabrir uma rodovia bloqueada que levava à vizinha Mauritânia, aumentando o medo de uma nova guerra na região.

Antiga colônia espanhola, o Saara foi anexado pelo Marrocos em 1974, ao fim da ditadura franquista na Espanha, mas essa anexação nunca chegou a ser reconhecida pelas Nações Unidas. Negociações mediadas pela ONU para que a população local se pronunciasse em um referendo de autodeterminação nunca ocorreram, já que não houve acordo sobre quem poderia votar.

— A guerra começou. O Marrocos pôs fim ao cessar-fogo — disse à AFP o chefe da diplomacia saaaraui, Mohamed Salem Ould Salek, em reação à operação militar marroquina na zona desmilitarizada de Guerguerat, perto da Mauritânia, no extremo sul do Saara Ocidental.

O governo de Rabat, por sua vez, negou que tenha havido confrontos, afirmando que o Exército só havia disparado tiros de advertência.

— O Marrocos está comprometido com o cessar-fogo — afirmou à Reuters o ministro das Relações Exteriores marroquino, Nasser Bourita, que também pediu moderação.

O incidente desta sexta-feira representa o maior risco em décadas de uma nova fase de conflito armado na remota região desértica, aumentando o atrito entre o Marrocos e seu maior vizinho, a Argélia, que apóia a Polisário, representante da proclamada República Árabe Saarauí Democrática (Rasd).

Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Marrocos, a Polisário e seus combatentes armados “entraram na área desde 21 de outubro e cometeram atos de vandalismo, bloquearam o trânsito e assediaram permanentemente os observadores militares da Minurso”, a Missão da ONU para o Referendo no Saara Ocidental. Os saarauís afirmam que tratava-se de um protesto civil.

O Marrocos disse hoje que estava iniciando uma operação militar para limpar a estrada na área de Guerguerat, localizada em uma zona-tampão monitorada pela ONU, onde qualquer atividade armada viola o cessar-fogo de 1991.

— O Marrocos decidiu agir depois de dar tempo suficiente para a intervenção da ONU  — afirmou Bourita, acrescentando que o Marrocos construirá uma nova barreira de areia para impedir a Polisário de acessar Guerguerat no futuro.

Ainda segundo Bourita, o objetivo da operação é “pôr fim à situação de bloqueio” e “restabelecer a liberdade de circulação civil e comercial” na rota que leva à Mauritânia.

A Frente Polisário considera a operação marroquina uma “agressão”. Um porta-voz do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse estar empenhado em fazer o máximo para evitar o colapso do cessar-fogo e remover os obstáculos para reiniciar o processo político.

Rico em depósitos de fosfato e com um vasto litoral propício à pesca, o Saara Ocidental também fornece a única rota terrestre marroquina para o resto da África, exceto pela Argélia, cujas fronteiras com o Marrocos estão fechadas há décadas.

‘Legítima defesa’

Os dirigentes da Polisário pediram nesta sexta-feira a Guterres que convocasse o Conselho de Segurança da ONU para pôr fim “à agressão marroquina contra os saarauis que se manifestavam pacificamente em Guerguerat”, segundo o embaixador saaraui na Argélia, Abdelkader Taleb Omar.

— As tropas saarauis encontram-se em situação de legítima defesa e respondem às tropas marroquinas — declarou o chefe da diplomacia saaaraui, ouvido por telefone de Argel.

Na semana passada, um grupo de cerca de 200 caminhoneiros marroquinos pediu ajuda às autoridades de seu país e da Mauritânia após alegar que foram bloqueados por “milícias filiadas a separatistas”.

O rei Mohamed VI disse em um discurso recente no início de novembro que “o Marrocos não toleraria a continuação dessas provocações”.

A Polisário insiste no um referendo de autodeterminação,enquanto o Marrocos, que controla mais de dois terços do vasto território, propõe um plano de autonomia sob sua soberania.

Um cessar-fogo foi assinado em setembro de 1991 sob os auspícios da ONU, após 16 anos de guerra. As negociações levadas a cabo pela ONU e envolvendo Marrocos, a Polisário, a Argélia e a Mauritânia, estão suspensas há vários meses.

A França pediu nesta sexta-feira que “todo o possível seja feito para evitar uma escalada” do conflito no Saara Ocidental.

— A França pediu hoje que todo o possível seja feito para evitar uma escalada e que uma solução política seja encontrada o mais rápido possível — disse o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, à AFP. — Esses eventos demonstram a importância de uma rápida reorientação do processo político, que deve passar pela nomeação o mais breve possível de um novo Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU. [Capa: Farouk Batiche/AFP]

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