A empresa responsável pela subestação de energia que pegou fogo em Macapá há quase duas semanas demorou pelo menos nove meses para contratar os serviços de manutenção especializada do terceiro transformador da unidade, que estava parado desde dezembro de 2019 e deveria servir como reserva para evitar uma falta de energia no estado.
A manutenção foi contratada menos de dois meses antes do incêndio, no último dia 3, que deixou 90% da população do Amapá no escuro. A informação faz parte do processo em que o juiz João Bosco Costa determinou o restabelecimento da energia no estado nesta semana.
De acordo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, eleito pelo Amapá, o estado está perto de alcançar o restabelecimento total da energia. Duas balsas transportando geradores térmicos devem atracar na noite desta segunda-feira em Santana, com início imediato dos trabalhos de montagem e ajustes. Eles produzirão 48 MW para o abastecimento de Macapá.
— Tudo o que precisa ser feito, está sendo feito. Finalmente estamos perto de solucionar tudo isso — afirmou Alcolumbre nesta segunda-feira, após sobrevoar a região de helicóptero e confirmar a aproximação das balsas.
A subestação que deu problema começou a ser operada em 2015 pela Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), que tem outras três na Região Norte. A LMTE pertence à Gemini Energy, formada a partir de ativos da espanhola Isolux, em recuperação judicial.
A empresa diz que o transformador está em manutenção com serviços próprios desde janeiro deste ano, apesar dessa informação não constar no despacho do juiz. De janeiro até a contratação da fábrica para realizar os reparos, a manutenção foi feita por técnicos próprios, diz a empresa.
Na inspeção judicial realizada no dia 11, um representante da empresa disse ao juiz que o contrato de manutenção do transformador só foi assinado em “setembro ou outubro” deste ano. Esse equipamento está parado desde dezembro de 2019.
“Esclareceu que o transformador indicado como inoperante desde os idos de dezembro de 2019, ou seja, antes do sinistro ocorrido em 03.11.2020, possui contrato de reparo assinado desde setembro ou outubro do corrente ano com a fabricante situada no estado de Santa Catarina cuja previsão de conclusão do serviço foi delimitada em 14 meses”, diz o relatório do juiz, obtido pelo GLOBO.
“Por essa razão, informou que o mencionado transformador estava em processo de desmontagem e, logo após, a peça defeituosa será encaminhada para aquela fábrica”, acrescenta o texto.
Documentos do Operador Nacional do Sistema (ONS) revelados pelo Jornal Nacional apontam que a previsão de conclusão do conserto vem sendo adiada sucessivamente desde o primeiro semestre, deixando a subestação sem plano de emergência há quase um ano. O prazo já foi maio, junho e setembro. No último dia 6, três dias após o incêndio, a LMTE deu ao ONS novo prazo: maio de 2021.
A subestação que falhou é a única responsável por fazer a conexão do Amapá ao Sistema Interligado Nacional (SIN), a rede federal de eletricidade. A subestação foi projetada para operar com três transformadores, dos quais um deveria operar como reserva para garantir o suprimento de eletricidade do estado. Foi esse transformador reserva que estava inoperante desde dezembro do ano passado, mas só teve o contrato de manutenção assinado neste ano.
Na inspeção judicial, a Gemini Energy informou que um transformador de energia está sendo levado de Laranjal do Jaú (AP) para Macapá, cuja previsão de entrada em operação é dia 25 de novembro, quando “haverá a normalização da demanda energética em todo o estado do Amapá, inclusive na capital, Macapá”.
Sem fiscalização
O representante da empresa também disse que, com a finalidade de operar em segurança, outro transformador localizado em Boa Vista está sendo levado a Macapá, e que ele só entrará em operação em dezembro de 2020, “integralizando os três geradores necessários ao sistema de fornecimento do estado, fazendo com que o sistema volte a ter segurança operacional”.
Como o GLOBO revelou no sábado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não fez fiscalizações presenciais na subestação desde que o equipamento entrou em operação, há cinco anos. Essa informação foi confirmada na inspeção judicial, na qual o representante da Aneel disse que a agência “não possui o quantitativo de servidores suficientes para a análise in loco”.
Procurada, a Gemini Energy disse em nota que o terceiro transformador está em manutenção desde janeiro de 2020, “e, desde o início, todos os passos da manutenção foram devidamente informados, seguindo procedimento da regulação setorial”.
“A manutenção foi iniciada no mesmo dia em que a necessidade de reparos foi identificada, seguindo todos os procedimentos tecnicamente corretos de manutenção: tentativa de religar, troca de peças e testes, incluindo análises do interior do transformador”.
Após essa fase, disse a empresa, foi tomada a decisão de envio do transformador à fábrica e, em seguida, foi feita a seleção do fornecedor com equalização técnica e a contratação, ocorrida em setembro. A Gemini diz que também que há dificuldades de infraestrutura e logística do Amapá, além do fato do equipamento pesar 200 toneladas. [Capa: Divulgação/Polícia Civil]